Por qual razão existe o refil grátis?

Os consumidores ficam, muitas vezes, estupefatos com o seguinte fato: algumas redes de restaurantes oferecem aos clientes a “recarga” de bebidas a custo zero, o popular “refil de graça”. Certamente, isso é algo a se admirar e numa lógica da administração, não faz muito sentido. Seria partir do raciocínio de que o negócio em questão perderia dinheiro por unidade vendida, mas ganharia por volume. Uma empresa que segue essa lógica, em teoria, não sobreviveria por muito tempo. Todavia, não é o que observamos na prática!

Muitos sobrevivem de forma lucrativa! Não se trata de um milagre, uma prova de que o capitalismo de livre mercado é um sistema socialmente ótimo. Essa explicação seria baseada em uma fé irracional e não nos dá uma explicação racional para esse fenômeno. Vamos analisar essa questão com a lupa de um economista [1].

Primeiro, a maioria das empresas vende muitos artigos e para não fechar, uma empresa não precisa cobrar mais do que o custo de cada artigo individual que vende. A mesma poderá operar plenamente desde que sua receita total seja igual ou superior ao custo total das mercadorias vendidas. 

Portanto, se o preço das entradas, sobremesas e outros itens incluir uma margem de lucro suficiente, um restaurante pode oferecer reposição gratuita das bebidas [2] e, ainda assim, não ter prejuízo. Todavia, uma questão permanece em descoberto: por que um restaurante iria querer oferecer bebidas de graça? 

Aparentemente, a prática parece inconsistente com a lógica de uma concorrência perfeita, pois,  os indivíduos deveriam pagar os custos adicionais de qualquer artigo ou serviço consumido em função da receita e dos custos marginais de cada serviço prestado, ou artigo produzido, serem iguais. 

No entanto, a concorrência nunca é perfeita. No ramo dos restaurantes, como em muitos outros, o custo médio por cliente servido diminui com o aumento do número de clientes. Isso significa que o custo médio da refeição servida por um restaurante é maior que o custo marginal da refeição. Como o preço cobrado pelo restaurante por refeição deve ser maior que o custo marginal daquela refeição, qualquer restaurante pode aumentar o lucro se conseguir atrair mais clientes.

Imagine uma situação inicial hipotética onde nenhuma rede de restaurantes disponibilizasse refil de refrigerantes. Se apenas UM restaurante fizesse essa oferta, o que aconteceria? Os clientes que pedissem mais bebida naquele restaurante sentiriam que estavam sendo favorecidos. 

A notícia se espalharia e em pouco tempo o restaurante teria muito mais clientes que antes. Embora tivesse de arcar com o custo de cada reposição de bebidas, esse custo seria extremamente pequeno. Para que a oferta fosse bem-sucedida, o lucro do restaurante com as refeições a mais que venderia teria de exceder o custo de reposição das gratuitas que estivesse servindo. Como a margem de lucro do restaurante nas refeições adicionais é maior que o custo incorrido por conta de cada reposição, o lucro global aumentaria.

Ao verem o sucesso deste restaurante com a oferta de reposição gratuita, os concorrentes copiariam a mesma prática e, à medida que o fizessem, a clientela adicional do primeiro restaurante diminuiria. 

Se todos os restaurantes fizessem a mesma oferta, o volume de negócios de cada restaurante seria pouco diferente do que se nenhum deles oferecesse reposição gratuita [3]. E como as margens de lucro no ramo de restaurantes são tradicionalmente pequenas, oferta de reposição pode ser um prenúncio de perdas para muitos deles. 

Porém, os restaurantes só teriam perdas se o preço das refeições continuasse igual durante todo o processo; isto é, se o custo da reposição de bebidas fosse inteiramente internalizado pelo restaurante. Quem já visitou um Outback, por exemplo, sabe que existe uma pegadinha aí: graças à oferta de reposição gratuita de bebidas. Os clientes receberão mais benefícios que antes, já que não pagam nada pela reposição de bebidas pela qual anteriormente, talvez, tivessem de pagar. Isso é, uma vez que ao comprar uma determinada refeição do restaurante, o cliente ganha acesso aos direitos de propriedade comum da bebida (vulgo, livre acesso à máquina de refil) e internaliza todos os benefícios líquidos daquela bebida para qualquer prato que escolha.

Como os clientes receberão mais benefícios da experiência de fazer uma refeição, os restaurantes podem aumentar o preço das refeições e compensar o custo adicional de cada refil. Não existe milagre algum aqui, pois milagre é efeito sem causa. Tudo não passa de mais um exemplo perfeitamente explicável pela lógica racional da microeconomia.

Notas

[1] FRANK, Robert. “O Naturalista da Economia”, Editora Record;

[2] COWEN, Tyler. “When do You See Free Refills on Drinks?”, Marginal Revolution Blog;

[3] “What is the logic/strategy of fast food chains when they offer the “free flow refill” options?”, Quora Forum.

Sávio Coelho

Analista Financeiro e de Dados. Tem interesse nas áreas de teoria da firma, política fiscal e finanças quantitativas.

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