Para o mercado de ações, o ano de 2021 foi particularmente desafiador. Pode-se dizer que o mercado de ações já está habituado a altos e baixos gerados por interferências políticas, fiscais e econômicas, mas o segundo ano da pandemia da COVID-19 intensificou inúmeros debates quanto à retomada de atividades econômicas, o papel da Bolsa de Valores e, principalmente, aos arranjos societários com fusões, aquisições e abertura de capitais de grandes empresas brasileiras.
De acordo com o levantamento realizado pelo E-Investidor, 2021 movimentou 52 ofertas que totalizaram 54,9 bilhões de reais [1]. A abertura de capital de uma empresa, chamada de IPO (Initial Public Offering), é um processo complexo que envolve a avaliação de valor de mercado para a divisão de quotas de ações entre os acionistas e investidores.
À avaliação, o mercado de capitais dá o nome de valuation, sendo composta pelo conjunto de análises quanto aos custos e benefícios da empresa. Isto é: avaliam-se os riscos e os diferenciais competitivos do negócio para a estruturação do preço final de cada ação que será comercializada em Bolsa.
Obviamente, o preço final é essencial para que a empresa atraia investimentos e investidores. Contudo, após a abertura de seu capital, a empresa deverá demonstrar o seu potencial de crescimento do lucro no futuro, evidenciando o seu negócio e a expectativa de resultados a médio e longo prazos.
Conforme a análise fundamentalista, o valuation de uma empresa é analisado para a verificação da situação financeira e das perspectivas do negócio, tendo como base três aspectos principais: macroeconômico, setorial e de negócio.
Quanto à análise macroeconômica, é averiguado o ambiente negocial envolvido ao negócio da empresa, incluindo a verificação de PIB (Produto Interno Bruto) do país, índices de inflação, taxa de câmbio, taxa de juros e nível de renda, dentre outros.
Já quanto à análise setorial, avalia-se incentivos governamentais, regulações específicas ao setor e demais peculiaridades que envolvam o negócio. E, por fim, o produto e/ou serviço produzido pela empresa, envolvendo dados financeiros do negócio.
Unindo as três análises fundamentais, tem-se a perspectiva sobre o potencial de crescimento do lucro da empresa e a previsão de sua longevidade no mercado.
Especificamente quanto à avaliação de negócio, percebe-se que inúmeros fatores são considerados, incluindo riscos jurídicos, financeiros e fiscais. Dentre os riscos jurídicos, destacam-se os riscos trabalhistas originários de ações ajuizadas por prestadores de serviços, empregados e ex-empregados da empresa. Sem sombra de dúvidas, associados aos riscos tributários, são os temas trabalhistas que costumam afetar mais as provisões dos balanços das empresas. As provisões são a metrificação desse risco e refletem o valor da companhia, pois mensuram potenciais dívidas e créditos.
A proposito, tornou-se lugar comum dizer – até porque é verdade – que empresas que fazem negócios no Brasil costumam enfrentar um dos piores ambientes legais para empreender, destacando-se particularmente como negativas essas duas áreas do Direito, seja pelo paternalismo das cortes trabalhistas, quanto pela complexidade de nosso sistema fiscal (ainda longe da almejada Reforma Tributária). Daí a obsessividade que reguladores, investidores e companhias devem ter com as provisões legais.
Pois bem, em novembro de 2021, a Via, dona das Casas Bahia e do Banco Digital banQi, publicou as suas provisões contábeis com demonstrações que evidenciaram prejuízo líquido de R$ 638 milhões de reais no terceiro trimestre[2]. Dentre as razões, está o fato de as reclamações trabalhistas terem aumentado 82% no primeiro semestre de 2021, em relação ao mesmo período do ano passado. Além disso, houve aumento de aproximadamente 32% no valor do “tíquete médio” para os casos sentenciados em 2021 em comparação ao mesmo período dos dois anos anteriores.
Em nota, a empresa indicou que o aumento nos valores das ações trabalhistas relaciona-se a uma prática antiga da companhia de levar os casos até os tribunais de justiça superiores, o que gera correção mais alta dos valores envolvidos.
Como consequência imediata, as ações da Via caíram 14%, prejudicando, com razão, o seu valor de mercado. Afinal, aumentou-se a contingência de dívidas.
Há alertas também para como recentes decisões do STF sobre qual o índice de correção monetárias de dívidas trabalhistas oriundas de decisões da Justiça de Trabalho podem impactar no balanço das companhias.
Mas, por que ações trabalhistas impactam diretamente no valor das ações? Aqui, percebe-se, claramente, o impacto jurídico ao mercado.
A ausência de definições claras sobre a aplicabilidade da lei trabalhista gera decisões conflituosas em 1º grau, i.e., diretamente com o juiz responsável pelo julgamento. Logo, a ausência de segurança jurídica nestes casos acarreta a necessidade de litigar até última instância, prorrogando-se as discussões judiciais até os tribunais superiores.
O aumento do tempo médio da causa (que deve aguardar até as últimas instâncias para ser encerrada) e aumento dos índices de atualizações de débitos trabalhistas, gerou um aumento do ticket médio das ações, impactando diretamente o custo operacional das empresas no Brasil.
Dessa forma, o acúmulo de prejuízos financeiros causado por condenações aos empregados e ex-empregados deve ser considerado um custo inerente àquela atividade empresarial, tendo reflexo direto em seu valor de mercado. É algo que investidores e reguladores devem, portanto estarem atentos.
Todavia, independentemente do caso específico da Via abordado acima, o que se percebe, como demonstra Gabriel dos Anjos, em seu Trabalho de Conclusão na Faculdade de Direito da FGVSP, em estudo absolutamente inovador, é que as companhias e mesmo os escritórios de advocacia e firmas de auditoria, POR VEZES, não dão a necessária atenção ao provisionamento de disputas judiciais em seus relatórios e mesmo no balanço e isso pode causar surpresas indesejáveis no futuro.[3]
Por isso, o alerta sempre presente de “celebrar a convergência” entre Direito e Economia. Decisões judiciais impactam o valor da companhia no mercado de ações e esses riscos devem estar adequadamente contingenciados no balanço da empresa, respeitando-se as normas contábeis e legais aplicáveis para tanto, evitando-se causar prejuízos a acionistas e novos investidores (trata-se de deveres fiduciários dos administradores e éticos de advogados). Portanto, gestores devem conhecer e levar a sério as discussões jurídicas e advogados devem dominar conceitos econômicos e financeiros.
Carvalho, Machado, Timm Advogados e Advogados do CMT
Fonte:
[1] https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/retrospectiva-ipos-2021.
[2] De acordo com o balanço da Via, o valor médio dos processos cresceu 32% no período de 2020 a 2021 ante os anos de 2019 e 2020. Além disso, a entrada de novos processos disparou 82% no primeiro semestre em relação à primeira metade do ano passado.
[3]https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/29921/TC%20-%20Gabriel%20dos%20Anjos%20Vaz%20de%20Lima.pdf?sequence=1.