A Crise e o Estado de Confiança

Benito Salomão

Era muito comum ao longo dos anos do “Milagre” heterodoxo que vigorou no Brasil entre 2008 e 2011 encontramos depoimentos de economistas de dentro do governo ou simpatizantes dele cuja reputação lhes confere algum prestígio atribuir o momentâneo sucesso das políticas em vigor a uma eventual retomada do “receituário keynesiano”.

Hoje muitos destes economistas se recolheram das suas opiniões antigas ou então tentam com alguma perplexidade encontrar alguma explicação para o fracasso da “Nova Matriz Macroeconômica”, uma vez que, dado que a ação do Estado estava segurando através da expansão do gasto público e manuseando para baixo as taxas de juros, isto deveria ter incentivado o investimento privado para ampliar a capacidade da oferta.

Estes economistas foram entusiastas desta “Nova Matriz” por serem crentes no princípio da Demanda Efetiva, discutida no capítulo 03 da Teoria Geral: trata-se de um resgate que Keynes faz a Malthus que acreditava existir na ausência geral de demanda o fator de instabilidade e de crises nas economias capitalistas.

Ao definir a Demanda Efetiva sendo composta por consumo e investimentos, Keynes irá desdobrar entre os capítulos 8 e 11 os elementos que irão respectivamente definir ambos, primeiramente o consumo é uma variável mais estável, suas flutuações dependem pouco da taxa de juros, seu comportamento é balizado pela renda e pelo que ele denomina como propensão a consumir dentre os quais ele elenca fatores objetivos e subjetivos que a determinam em cada sociedade. O investimento é o fator mais problemático nesta visão, por ser relativamente mais instável e sujeito a flutuações. Isto por que a decisão de investir depende, em última instância, da comparação entre a taxa de juros com a eficiência marginal do capital que consiste no cálculo sobre bases precárias da esperança de rendimentos futuros que este bem de capital promete render-lhe na forma de lucros monetários.

Neste sentido, a grande contribuição de Keynes não está no princípio da demanda efetiva, mas sim nos fatores que a determinam, sendo estes dependentes em grande parte da expectativa acerca de eventos futuros cujo a capacidade de realizar-se é a todo momento perturbada pela presença da incerteza.

De volta à conjuntura da economia brasileira, o que aparentemente apresentava ser, na visão dos mencionados economistas uma política keynesiana, na verdade não passara de um manuseio mal feito de políticas fiscal e monetária que serviram muito mais para despertar desconfiança no setor empresarial do que para preservar a demanda efetiva, uma vez que a aceleração do gasto público apenas substituía o gasto privado que passou a se retrair, sobretudo o investimento a partir de 2011.

O pecado destes economistas esteve exatamente em ignorar o fator determinante dos investimentos, que é exatamente o Estado de Confiança, isto é, dado a irreversibilidade das decisões de investimentos, elas só serão tomadas num ambiente de menor risco, independente da taxa de juros;  isto porque, de nada adianta esta ser demasiadamente baixa se a eficiência marginal do capital (esperança de rendimentos futuros pagas pelo emprego do bem de capital) também está caindo em proporção maior.

Penso que o Estado de Confiança perdido com a chamada “Nova Matriz” é o plano de fundo da crise brasileira atual. Restaurá-lo é a chave da retomada, embora não seja uma tarefa trivial.

Benito Salomão Economista, escritor e empresário Sócio diretor no Grupo Salomão de Varejo