O Futuro da Rússia “Pós-Guerra”

Em janeiro de 2020, Vladimir Putin anunciou uma série de mudanças constitucionais, mudanças que fizeram o até então primeiro-ministro Dmitri Medvedev ser substituído por Mikhail Mishustin. As mudanças permitem a Putin permanecer no poder, mas limitou os futuros presidentes a dois mandatos no total. Constitucionalmente Mishustin assumirá o controle do governo russo no caso de morte ou incapacitação de Putin por 90 dias ou até que uma eleição para substituí-lo possa ser realizada.

Mishustin não possui influência nos círculos políticos russos, nem aparenta grandes ambições, e no decorrer dos meses demonstrou-se técnico e apenas seguindo lealmente as demandas do presidente.

Poucos observadores consideraram essas ações de Putin como medidas para garantir uma sucessão pacífica. Em vez disso, a escolha de Mishustin reflete um desejo de entregar o controle do gabinete a uma figura facilmente controlada, sem base ou poder político próprio. Mesmos critérios da escolha do predecessor, Dmitri Medvedev.

Todos esses movimentos políticos e constitucionais foram descritos menos como uma forma de esclarecer os termos da sucessão e mais como uma tomada de poder final por Putin para garantir que seus últimos anos sejam gastos controlando as alavancas de poder da Rússia.

“O único objetivo de Putin e seu regime é permanecer no comando pelo resto da vida, tendo todo o país como seu patrimônio pessoal e confiscando suas riquezas para si e seus amigos”, disse o crítico mais destacado de Putin na Rússia, Alexei Navalny, segundo a AP. Nalvany é um dos principais opositores de Putin, o qual já sofreu uma tentativa de homicídio por envenenamento em um voo para Moscou.

O atual chefe de gabinete do Kremlin, Vyacheslav Volodin, disse certa vez a jornalistas: “Não há Rússia se não há Putin”. Da mesma forma, outros partidários do governo “previram” o quase colapso do Estado Russo sem o líder.

“Se Putin desaparecer da cena política, seja por sua morte ou por qualquer outra circunstância, é extremamente improvável que a constituição seja observada ao pé da letra”, alega Gleb Pavlovsky, cientista político russo, ao Vocativ.

A maioria das análises e projeções para a política russa preveem que, em vez de uma transição pacífica para um novo presidente, a Rússia veria uma violenta luta interna pelo poder entre a elite do Kremlin, especialmente se Medvedev e Mishustin – ambos vistos como figuras opacas e com pouca influência política — liderarem as disputas para assumir o Kremlin.

“Um presidente fraco em exercício não seria capaz de controlar as lutas internas e a política suja que inevitavelmente estouraria durante as eleições”. […] “Isso pode ter consequências devastadoras, desde protestos em massa e crises até o pior cenário de guerra civil”, afirma Anna Arutunyan, autora de The Putin Mystique: Inside Russia’s Power Cult.

Uma liderança fraca frente a Rússia poderia levar toda a região à ainda mais instabilidades, desde, internamente, movimentos militares para tomada do poder, repressão violenta de protestos e tentativas separatistas na Rússia, até consequentes problemas bélico-políticos, tanto pelo vazio que a Rússia causaria deixando de exercer seu poder no Oriente Médio e no mundo, quanto nas fronteiras, como na Chechênia, Bielorrússia ou no conflito Armênia-Azerbaijão.

Já se Putin fez o possível para esmagar o movimento de oposição da Rússia, um sucessor pulso firme teria que reprimir ainda mais. “O novo regime estaria ainda menos inclinado do que Putin a falar até mesmo da boca para fora do império da lei”, diz Dmitry Oreshkin, proeminente analista e também cientista político russo. “É por isso que fico hesitante quando as pessoas clamam por uma Rússia sem Putin. O que eles acham que o seguirá? Algum político liberal? Não, as coisas só piorariam.”

Pelo perfil histórico do país e do povo, há mais chances de vitória para a linha-dura antiocidental, composta por inflexíveis políticos e oligarcas russos, sobre a ala mais putinista e apática representada por Medvedev. “É quase certo que veríamos um regime muito mais autoritário do que o de Putin chegar ao poder. Dados os atuais problemas econômicos da Rússia, as sanções ocidentais e a guerra na Ucrânia, possivelmente até uma junta militar”, afirma Oreshkin, que chefia o grupo de pesquisa política Mercator, em Moscou.

Com o início e decorrer da invasão, Yevgeny Prigozhin, o magnata e líder do polêmico grupo de mercenários Wagner Group (com forte atuação em diversas guerras locais, como Síria, Líbia, Venezuela, e própria Ucrânia), que é conhecido também como o “chef de Putin”, conseguiu acumular ainda mais poder e influência no alto círculo do governo russo e na Duma, e consolidou-se como um dos principais nomes para uma possível sucessão ao até então atual líder.

Portanto, poderemos passar a ver essa estrutura de poder consolidando-se ainda mais, assumindo o governo com mão-de-ferro, bem amparada e financiada pelos oligarcas do petróleo e gás russos e bem estruturada por raposas do governo Putin, evitando os caminhos para negociações com o Ocidente e trazendo ainda mais instabilidade para a Europa, particularmente às ex-repúblicas soviéticas, ao Leste Europeu como um todo e ao Cáucaso.

Com tudo isso, nota-se o quanto seria perigoso para Putin afastar-se do poder e aposentar-se. Ter sido líder do Estado Russo por mais de 20 anos o fez acumular inimigos, tanto no mundo quanto em seu próprio governo, e ter uma aposentadoria longeva e tranquila pode não ser uma opção para um futuro ex-líder com um histórico assim. Dessa forma, talvez seja mais seguro para Putin permanecer no cargo, mantendo controle direto dos serviços de segurança e militares russos. Com os inimigos que têm e os segredos que guarda, não dormiria em paz mesmo que o próximo estadista russo seja um dos seus mais íntimos aliados.

Percebe-se, portanto, a inevitabilidade de Putin no poder até sua morte e a instabilidade política na Rússia após ela. E, ainda, a necessidade de ascensão de um estatista ainda mais déspota e totalitário que Vladimir Putin para tentar manter a máquina estatal russa a rodar.

Para uma Rússia que já ameaça o mundo, invade e ataca democracias independentes e desestabiliza a economia global (se, obviamente, não começar antes um conflito direto com a Otan, tornando não só seu próprio futuro consideravelmente imprevisível, mas da humanidade como um todo), a incerteza sobre seu futuro político não deveria ser mais ameaçadora que um estado expansionista russo e uma população ansiando e apoiando guerras e conflitos.

Um líder fraco frente a Rússia não conseguiria manter a estabilidade nacional e política, cometeria erros e pioraria a situação econômica. Essa instabilidade interna aumentaria o descontentamento do povo sobre o futuro da nação; as consequências econômicas da guerra, sanções e corrupção, acabariam instigando levantes da oposição e traria movimentos políticos e populares de mudanças, tornando tudo ainda mais imprevisível.

Um líder despótico e mais autoritário seria ainda mais repressivo aos opositores e às vontades e manifestações sociais, com ainda mais pressão sobre si com questão ao Ocidente e aos dissidentes dentro de seu próprio governo e país, intensificando todos os tipos de conflitos internos.

Quando a repressão estatal russa é contra outras nações, o povo russo parece apoiar o seu nacionalismo, mas quando a repressão do estado russo for contra seus próprios cidadãos talvez as coisas não se mantenham dessa forma.

A Rússia, por ser um país tão extenso e tão multiculturalista, já possui sua própria dezena de movimentos separatistas (além dos que o Estado Russo causa em suas próprias fronteiras em outras nações), há movimentos separatistas internos que podem vir a inflamar se o governo passar a ter divisões políticas e incapacidade de organização estatal em lidar com manifestações por mudança ou uma degradação acentuada da economia nacional.

Vendo todos esses acontecimentos recentes e movimentos políticos, a instabilidade do governo russo com alguma ausência de Putin parece ser inevitável, em um dos piores cenários caminhando para uma possível Guerra Civil. Possível guerra qual pode fazer surgir novas nações no território que é hoje conhecido como Federação Russa. Novas nações essas que, com suas próprias disputas por território, riquezas minerais, gás, petróleo e solos férteis, teriam, é claro, a maior quantidade de ogivas nucleares do mundo imprevisivelmente divididas entre si. Com certeza isso não tornaria o mundo um lugar mais estável e seguro.

Michael Sousa

Mestre em Comércio Internacional pela European Business School de Barcelona, MBA em Gestão Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS. Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
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