A leniência do Banco Central

Art. 1º  Fica estabelecida, como diretriz para fixação do regime de política monetária, a sistemática de “metas para a inflação”.

§1º As metas são representadas por variações anuais de índice de preços de ampla divulgação.

(…)

 Art. 2º  Ao Banco Central do Brasil compete executar as políticas necessárias para cumprimento das metas fixadas.

Os itens acima se referem ao Decreto 3.088 de 21 de junho de 1999 e estabelece o regime de metas de inflação como balizador da nossa política monetária e refere-se claramente à meta a ser perseguida pela autoridade monetária: variações anuais de índice de preços de ampla divulgação.

Não há referência a câmbio. Não há referência a emprego. Não há referência a atividade econômica. Qualquer economista que tente te convencer de que o papel do Banco Central é gerar um pouco mais de emprego, aquecer a economia está, na melhor das hipóteses, mal informado. Na pior, está querendo passar por cima da lei.

Mas mesmo com o mandato único de perseguição de estabilidade de preços, entra mês, sai mês, a inflação teima em permanecer acima da meta, com suas projeções para o final de 2016 acima do limite fixado pelo Comitê Monetário Nacional (CMN).

O último Relatório de Inflação divulgado não foi diferente: apesar da forte desaceleração econômica que sofremos, a projeção de inflação feita pelo próprio Banco Central continua acima da meta. E o pior, aumentou em relação ao primeiro trimestre do ano. Reflexo tanto da alta dos preços concretizada nos primeiros 6 meses do ano.

Mas então, por que a inflação teima em ficar acima da meta?

Talvez a resposta mais simples e certeira seja: porque o Banco Central não está fazendo seu trabalho corretamente, conforme já abordamos.

É bem verdade que muitos fatores influenciam a inflação. Fatores climáticos podem afetar o preço dos alimentos. A política fiscal expansionista pode afetar também a inflação. Mas para cada fator, o Banco Central deve estar atento e responder adequadamente com seus instrumentos e não só “manter-se vigilante”.

Se a política fiscal é expansionista e a lei diz que a autoridade monetária deve manter a estabilidade de preços, a resposta do Banco Central deve ser um aumento de juros para compensar a pressão inflacionária que virá do lado fiscal. Manter-se vigilante nesse cenário significa perder certo controle sobre o aumento de preços e sobre as expectativas de atuação do Banco Central.

Saindo da abstração e indo para a realidade. Abaixo as projeções de PIB, Inflação, Dólar e Selic (a taxa de juros utilizada pelo BC como instrumento de combate à inflação). Os números se referem ao que o Banco Central chama de cenário-base, ou os valores que os técnicos do BC utilizam como principal estimativa, divulgados no Relatório de Inflação de Março e de Junho.

Março Junho
PIB -3.50% -3.30%
Dólar 3.70 3.45
IPCA 6.60% 6.90%
Selic 14.25% 14.25%

Fonte: Banco Central. Elaboração própria.

O que vemos?

Entre Março e Junho de 2016 as expectativas da atividade econômica melhoraram. Se antes trabalhávamos com queda de 3,5% do PIB, agora estamos um pouco melhor. Isso poderia gerar uma pressãozinha adicional no IPCA. O câmbio também mudou: se antes esperávamos 3,75 reais por dólar, agora estamos em 3,45. Isso poderia gerar um arrefecimento na inflação, pois os produtos importados ficariam mais baratos.

Mas conforme observado, a expectativa de inflação não cedeu. Pelo contrário, aumentou. Se antes esperávamos o IPCA quase retornando para o intervalo da meta (de 2,5% a 6,5%), fica nítido que está escapando de vez e com as incertezas de uma projeção bem menores que no começo do ano (mais fácil prever a economia para 6 meses que para 1 ano).

Culpa do Brexit? Culpa do lift-off americano? Não, culpa da nossa autoridade monetária que insiste em permanecer “vigilante” com a Selic em 14,25% ao ano, mesmo com expectativas de inflação acima da meta…e no momento subindo.

[caption id="attachment_7064" align="aligncenter" width="1197"] Fonte: Banco Central. Elaboração própria.[/caption]

O gráfico acima mostra a expectativa para o IPCA no final do ano pelos agentes de mercado, colhidas pela pesquisa Focus. E o período se refere ao tempo que o Banco Central vem mantendo a Selic em 14,25% ao ano, mesmo estando “vigilante” quanto à inflação.

Retornando à letra da lei (ou do Decreto), parece que o nosso Banco Central não soube interpretar corretamente o artigo 2º. E mesmo com a entrada da nova equipe econômica, não houve melhora significativa nas expectativas de inflação (entre março e junho), pois ainda não houve nenhuma reunião do Copom (o conselho que decide a taxa de juros) sob a nova direção de Ilan Goldfajn.

Apesar da euforia com os novos dirigentes da nossa economia, a pressão do lado fiscal – lembre-se que aprovamos um orçamento com rombo fiscal, o que gera pressão na inflação – a leniência da diretoria anterior com a inflação que desancorou as expectativas e a manutenção da taxa de juros Selic em 14,25% desde agosto de 2015 mesmo com o IPCA acima da meta nos faz concluir: ou o Banco Central passa a cumprir seu mandato, ou a inflação continuará acima da meta, mesmo que o arrefecimento dos preços via desaceleração econômica e relativa apreciação cambial continue.

A opção de manter-se vigilante falhou. A opção de agir ainda está nas mãos do BC.

 
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