Nenhum assunto é mais quente e mais divisivo nos corredores barulhentos das redes sociais agora do que a suposta “morte” do Twitter após sua compra pelo infame Elon Musk.
As polêmicas giram desde que o bilionário completou a compra da rede social por U$ 44 bilhões em Outubro, porém escalaram desde que ele iniciou um forte processo de reestruturação que resultou na demissão do CEO, Parag Agrawal, e de mais de 50% de seus funcionários; dentre eles membros da equipe de engenharia de redes e de moderação de conteúdo da plataforma.
Contudo, as demissões foram apenas a ponta do iceberg, pois, afinal, estamos falando de Elon Musk. As posições políticas e o jeito caótico do novo dono do Twitter logo acionaram as sirenes vermelhas dos jornalistas ao redor do mundo e Musk só deu combustível para eles desde então. Desde sua entrada “triunfal” no QG do Twitter com uma fucking pia, passando pela reintrodução de Donald Trump na rede e até sua recente guerra contra a Apple (!) , o bilionário sul-africano tem feito os principais jornais dos EUA estamparem inúmeras matérias sobre os supostos riscos de seus planos; com alguns chegando a dizer que as ações de Musk são uma ameaça a democracia global!
No centro do coro contra os planos de reestruturação de Musk está um argumento recorrente de que o bilionário irá destruir o Twitter e levá-lo à falência, sobretudo devido às demissões em massa feitas desde que assumiu o controle. O argumento básicos, feito convenientemente pelos ex-funcionários da empresa, é de que Musk põe em risco a segurança da rede ao reduzir o total de funcionários, sobretudo na área de moderação de conteúdo, e que isso levará a uma significativa perda de receitas de publicidade.
Todavia, até onde isso é um quadro correto da realidade? As ações de Musk são realmente de todo equivocadas?
Muitas das análise feitas até agora, notavelmente na imprensa brasileira, tomam análises feitas somente a partir de depoimentos de ex-funcionários e o que especialistas “acham” que irá acontecer. O que me proponho no presente artigo é fornecer uma análise mais crível baseada em evidências.
I) O fim de uma Era para as Big Techs
Primeiramente, temos que notar que até o ano passado o mercado global passava por um momento dourado para o setor de tecnologia.
A pandemia de Covid-19 funcionou como catalisador do processo de digitalização da economia mundial, fazendo com que empresas tivessem que se digitalizar em curtos espaços de tempo e que as pessoas tivessem que usar as redes mais do que nunca; seja para trabalhar ou para realizar simples compras domésticas. Naturalmente, o uso das redes sociais, como o Twitter, aumentou bastante durante esse período. As pessoas usavam elas para fins de entretenimento, socialização quando tal não era possível e mesmo para dar continuidade aos seus negócios.
Tal crescimento no número e no fluxo de usuários em suas redes fez muitas dessas empresas de tecnologia visionarem um futuro amplo de prosperidade, com o New York Times chegando a declarar que as big techs eram as grandes vencedoras da pandemia de Covid-19.
Contudo, logo o sonho chegou ao fim com a volta da normalidade ao mundo. As pessoas começaram a sair de casa e a usarem os velhos métodos de compra e socialização. Como resultado, ocorreu uma redução significativa na taxa de crescimento do número de usuários para a maioria das plataformas.
O gráfico acima mostra a evolução da taxa de crescimento para as principais redes sociais. Tirando o Snapchat, que apresentou um crescimento em 2021, e o Instagram, que estagnou sua taxa, todas as outras redes sofreram declínio. Dentre essas, o Twitter se destaca. Em 2020, ela foi a rede social que apresentou o maior crescimento dentre as demais, porém após isso sua taxa reduziu de maneira significativa. Isso ilustra o problema atual do Twitter em competir com outras redes sociais por usuários.
Além da redução no número de usuários, as empresas de tecnologia em geral tiveram que encarar um cenário macroeconômico muito diferente a partir de 2022. Como parte de seu esforço para reduzir a inflação nos Estados Unidos, o Federal Reserve elevou a taxa de juros básica da economia americana para o maior patamar desde a Crise de 2008. Como resultado disso e de um processo global de desaceleração econômica, os recursos financeiros ficaram mais caros e os agentes econômicos se viram com menos possibilidades para gastar na economia digital; seja comprando bens ou investindo em publicidade e marketing.
A consequência dessa desaceleração para as empresas de tecnologia foi uma inédita estagnação de suas taxas de crescimento de receita.
Pela primeira vez muitas dessas empresas apresentaram mais de um trimestre sem crescimento de suas receitas. O gráfico acima representa um índice de receitas para Meta, Alphabet, Twitter e Amazon. As três primeira apresentaram uma queda contínua ou uma estagnação nos três trimestres de 2022, com o Twitter só não apresentando novos dados para o terceiro trimestre devido o fim da venda da rede para Musk. A Amazon conseguiu manter certa taxa de crescimento, porém bastante reduzida para o mesmo período.
Para piorar ainda mais, o aumento dos juros pelo Federal Reserve também teve como consequência um aumento do custo da dívida para muitas dessas empresas. Esse é um fato bastante notável, pois muitas dessas empresas, apostando em uma continuidade do processo de digitalização e no crescimento no número de usuários, escolheram por aumentar suas dívidas no período.
Os dados acima mostram que, tirando a Microsoft (que reduziu seu estoque de dívida no período), todas as outras empresas ampliaram suas fatias de dívida no mercado. Em um cenário de juros baixos e crescimento de receitas essa escolha pode até fazer sentido, mas no atual cenário de juros alto ela tem como consequência que essas empresas terão custos cada vez maiores com o pagamento de juros sobre dívida total. A sorte do Twitter nesse cenário foi apenas que sua dívida cresceu menos do que a das outras empresas.
Em meio a um cenário de dívida crescente e fontes de receita declinantes, foi uma escolha natural para as empresas de tecnologia passarem por um processo de reestruturação. Não foi apenas o Twitter que demitiu uma quantidade enorme de funcionários, mas também a Meta e até a poderosa Amazon.
Todavia, a situação do Twitter era bem mais delicada do que a de outras empresas.
II) O que Elon Musk comprou?
O Twitter vivia basicamente de suas receitas com publicidade. Marketing e mineração de dados (data mining) são as principais fontes de receita para a maioria das redes sociais, na verdade. Como corretamente pontuaram alguns jornalistas, essa fonte de receita vinha crescendo para o Twitter e era bastante importante para a manutenção da plataforma.
Porém, esse dado conta apenas parte da história. A outra parte são os custos e os lucros. Um fato notável da história do Twitter é que ele só apresentou lucro em dois de seus anos de operação…e 2020 e 2021 não foram eles!
Ou seja, o Twitter não conseguiu apresentar lucro justamente nos anos que suas receitas com publicidade e número de usuários cresceram. Isso significa que o peso do custos acabou cortando todas as suas margens.
Dentre os custos do Twitter, o mais notável para o mesmo período foi o com mão de obra. Eles expandiram consideravelmente seu quadro de funcionários em 2021 justamente esperando que as taxas de crescimento observadas em 2020 fossem continuar.
Em termos relativos, o Twitter foi a empresa que apresentou o maior aumento no número de funcionários para o período 2020-2021, passando até mesmo concorrentes como a Meta que possuem um número bem maior de usuários.
Esse número de funcionários se provou injustificado, pois o número de usuários do Twitter não cresceu em igual proporção. Por essa razão, e considerando o cenário de queda dos lucros e aumento da dívida, é racional que um gestor que queira que o Twitter se recupere faça uma reestruturação do modelo de negócio por meio de corte no número de funcionários. A questão é determinar um número adequado de funcionários para a manutenção da plataforma dado o cenário financeiro, algo que Musk já parece ter em mente e que planeja ser um número formado sobretudo por engenheiros.
III) O risco é Musk não ser radical demais
Dado essas evidências, a preocupação deveria ser menos sobre os recém desempregados da equipe de moderação do Twitter e mais sobre como Elon pretende gerar receita e controlar custos.
É a preocupação com as receitas que fez o novo bilionário do Twitter anunciar que aumentaria o foco da empresa em gerar mais publicidade e criar um plano de assinatura para a rede, que começou com sua proposta de vender “verificação” para certos perfil por U$ 8 ao mês. O tempo mostrará os resultados desse plano.
No presente momento o maior risco para o Twitter é o plano de reestruturação de Musk não ser radical o suficiente para reverter a tendência de declínio da empresa. Nesse sentido, o bilionário deveria focar menos em polêmicas e mais em como evitar que clientes de publicidade importantes, como a Apple, deixem de usar a plataforma. Se a reestruturação falhar, aí sim o Twitter muito provavelmente irá a falência.
Mais do que isso, Musk tem muito a perder se seu plano der errado. A razão para isso é que ele vinculou a estabilidade de sua principal empresa, a Tesla, ao sucesso ou não do Twitter. Ele já vendeu mais de U$ 3 bilhões em ações da companhia para financiar os prejuízos de curto prazo da rede social e, em meio ao caos criado por suas atitudes públicas, muitos investidores começaram a ter incertezas sobre oquanto o buraco financeiro do Twitter irá sugar da Tesla para que seja fechado. Como consequência, a Tesla vem sofrendo uma descapitalização inédita em sua história desde o início do anúncio da compra de Musk; o que ficou ainda pior com o cenário de elevação dos juros.
Entretanto, mesmo com todos esses problemas, o Twitter ainda mantém uma certa base de usuários e tem a capacidade de crescer ainda mais, sobretudo no cenário atual de declínio gradual do Facebook. Por essa razão, é possível dizer que as profecias sobre a “morte” do Twitter podem ser um tanto exageradas, como notou sarcasticamente o Babylon Bee na imagem abaixo.
Porém, tudo dependerá de Musk provar que é o “gestor genial” que muitos acreditam que ele é.