A participação FEMININA na carreira em economia | por Fabiana Rocha, Maria Dolores Diaz e Paula Pereda

Apesar da maior inserção de mulheres no ensino superior ao longo das últimas décadas, a participação de mulheres na carreira em Economia é ainda baixa. Enquanto as mulheres representam 57% dos universitários no Brasil, elas são 38% dos estudantes de Economia em 2019. No Brasil, a fração de mulheres que escolhem o curso de Economia é inferior à de mulheres que escolhem Química, Matemática e Estatística. Em áreas que são conhecidamente mais dominadas por homens, como Engenharia, a parcela de mulheres cresceu na última década, o mesmo não ocorrendo com a área de Economia. Diante desses números, duas importantes perguntas emergem: 

  1. Por que as mulheres não se interessam tanto por estudar Economia?; e
  2. Por que ter mais mulheres estudando Economia é desejável?

Para responder à primeira pergunta, precisamos levantar alguns dados adicionais sobre a progressão na carreira. Nesse sentido, desde 2018, o grupo das EconomistAs-USP realiza uma pesquisa anual com os centros de pós-graduação em Economia do Brasil para entender a participação das mulheres nos vários estágios da carreira acadêmica em Economia (EconomistAs, 2019; EconomistAs, 2020). Com base nos dados da última pesquisa, sabemos que temos um percentual menor de professoras (27,5%), principalmente lecionando em faculdades privadas (22,7%). Quando olhamos para a progressão na carreira, o percentual de professoras titulares é de 20,8%, frente a 30,5% de professoras assistentes. Existe uma literatura incipiente que mostra que as mulheres têm mais dificuldade em progredir na carreira acadêmica em Economia, fenômeno esse conhecido por “leaky pipeline”. Será essa a explicação para a baixa representatividade de mulheres na área? Isto porque as explicações comuns para a desvantagem de mulheres na academia, como as responsabilidades domésticas e a aversão à matemática, não explicam o por quê da economia ficar para trás de outras áreas em termos de participação de mulheres, de persistência na carreira e de probabilidade de promoção (Lundberg e Stearns, 2018).

Assim, para complementar a análise da carreira, podemos também olhar para os dados de participações em congressos de economia. A participação em congressos é um importante indicador de sucesso na carreira acadêmica e promove uma competição entre os pesquisadores para terem seus artgos aceitos. Em estudo recente do grupo das Economistas (Pereda et al, 2020), mostramos que as mulheres desistem mais do que os homens de participarem do principal encontro brasileiro de Economia (ANPEC) frente à rejeição em edições anteriores. Essa evidência está em linha com outros estudos que mostram que as mulheres desistem mais do que os homens em competições (Niederle e Vesterlund, 2011; Flory et al, 2018). Os efeitos são mais relevantes para as jovens pesquisadoras de centros com menor nota pela CAPES. Uma das explicações para esse comportamento pode vir de diferenças culturais e institucionais, uma vez que alguns estudos mostram que mulheres educadas em sociedades mais conservadoras tendem a ser menos competitivas (Gneezy et al, 2009; Both et al, 2019).

Para além do diferencial de competitividade entre homens e mulheres, o que encontramos ao olhar para os dados de congressos é que também existe um diferencial da participação de mulheres por área de especialização. Existe um viés de preferência das mulheres por áreas de Microeconomia Aplicada, em especial Educação, Saúde e Demografia, enquanto que Macroeconomia, Finanças e Teoria Econômica são áreas que contam com as menores participações de mulheres. 

Aí, voltamos para a nossa segunda pergunta inicial: Por que é desejável termos mais mulheres estudando Economia (em geral) e em todas as áreas de especialização (em particular)? A importância da diversidade vai muito além da questão de igualdade. Perspectivas mais amplas trazidas pela maior diversidade de gênero, e também racial, afetam o que é ensinado em sala de aula, ampliam o leque de perguntas que os pesquisadores fazem e, também, afetam as escolhas de políticas públicas implementadas. Sobre este último ponto, muitos estudos mostram que as mulheres, quando em posições de liderança política, tomam decisões diferentes (Chattopadhyay e Duflo, 2004; Alesina e La Ferrara, 2005). Em países em desenvolvimento, a maior representatividade de mulheres na política melhoram a provisão de bens públicos, privilegiando investimentos em saúde, educação e questões relacionadas à maternidade, como maior provisão de creches públicas, por exemplo (Svaleryd, 2009; Clots-Figuera, 2012; Clayton e Zetterberg, 2018). Para o Brasil, Brollo e Troiano (2016) ainda mostram que as prefeitas, em comporação com os prefeitos, têm menos probabilidade de se envolver em corrupção, contratam menos funcionários temporários; eles mostram também que a menor propensão a se envolver em comportamento estratégico piora o desempenho eleitoral das mulheres em uma potencial reeleição. Outros estudos também mostram que a maior participação política feminina está relacionada a menores indicadores de corrupção (Dollar et al, 2001; Debski et al, 2018).

Assim sendo, a baixa participação de mulheres na carreira de economia pode afetar o ensino, a pesquisa e as políticas que estão em debate e, em última instância, suas implementações. Como Lundberg e Stearns (2018) bem colocam, o progresso para a maior igualdade de gênero na profissão tem que partir do reconhecimento dessas barreiras junto com um esforço de remover o viés em processos de contratação e promoção.

Fabiana Rocha, Maria Dolores Diaz e Paula Pereda

Notas

ALESINA, A., AND E. LA FERRARA (2005): “Preferences for redistributions in the land of opportunities,” Journal of Public Economics, 89, 897–931.

BOOTH, A., FAN, E., MENG, X., ZHANG, D. (2019). Gender Differences in Willingness toCompete:  The Role of Culture and Institutions. The Economic Journal, 129(618), 734–764.

BROLLO, F., AND U. TROIANO (2016): “What happens when a woman wins a close election? Evidence from Brazil,” Journal of Development Economics, 122, 28–45.

CHATTOPADHYAY, R., E. DUFLO (2004): “Women as policy makers: evidence from a randomized experiment in India,” Econometrica, 72, 1409–43.

CLAYTON, A., AND P. ZETTERBERG (2018): “Quota shocks: Electoral gender quotas and government spending priorities worldwide,” The Journal of Politics, 80(3).

CLOTS-FIGUERAS, I. (2012): “Are female leaders good for education? Evidence from India,” American Economic Journal: Applied Economics, 4, 212–44.

DEBSKI, J., M. JETTER, S. MOESLE, D. STADELMANN (2018): “Gender and corruption: The neglected role of culture,” European Journal of Political Economy, 55, 526–537.

DOLLAR, D., R. FISMAN, R. GATTI (2001): “Are women really the ’fairer’ sex? Corruption and women in government,” Journal of Economic Behavior and Organization, 46, 423–429.

ECONOMISTAS – BRAZILIAN WOMEN IN ECONOMICS (2019) As mulheres nos diferentes estágios da carreira acadêmica em Economia no Brasil. Relatório 2018.

ECONOMISTAS – BRAZILIAN WOMEN IN ECONOMICS (2020) As mulheres nos diferentes estágios da carreira acadêmica em Economia no Brasil. Relatório 2019.

FLORY, J. A., GNEEZY, U., LEONARD, K. L., LIST, J. A. (2018). Gender, age, and competition: A disappearing gap? Journal of Economic Behavior & Organization,150, 256–276.

GNEEZY, U., LEONARD, K. L., & LIST, J. A.  (2009).  Gender Differences in Competition: Evidence From a Matrilineal and a Patriarchal Society. Econometrica, 77(5), 1637–1664

LUNDBERG, S.; STEARNS, J. “Women in Economics: Stalled Progress.” IZA Discussion Papers No. 11974, 2018.

NIEDERLE, M.; VESTERLUND, L. (2011). Gender and competition. Annual Review of Economics, 3(1), 601-630.

PEREDA, P. C.; MATSUNAGA, L.; DIAZ, M.D.; BORGES, B.; MENA-CHALCO, J.; ROCHA, F.; NARITA, R.; BRENCK, C. (2020) “Are women less persistent? Evidence from submissions to a nationwide meeting of Economics” Working paper, Department of Economics, University of Sao Paulo.

SVALERYD, H. (2009): “Women’s representation and public spending,” European Journal of Political Economy, 25, 186–198.

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