Nobel 1976: Milton Friedman | por Fábio Terra

Milton Friedman

1. Introdução

Humanos que somos, cheio de desejos, sobretudo de poder, sempre estamos muito tentados a escolher o melhor, o pior, o maior, a mais bela. Ao invés do artigo definido, no que virá opto pelo indefinido, mais democrático e aberto à escolha, dois resultados de um valor muito caro a Friedman: a liberdade. Como presidente da Associação Keynesiana Brasileira tomei, então, a liberdade de escolher Friedman nesta homenagem aos laureados com o Prêmio Nobel de Economia, por ele ser um dos maiores intelectuais e, por óbvio, um dos maiores economistas do século XX. 

Friedman foi um intelectual completo, pois desenvolveu ideias novas, sistematizou-as em teorias, ensinou-as em sala de aula, debateu-as em público e engajou-se na vida pública para as tornar realidade. Deste modo, este breve texto objetiva apresentar em poucas páginas a vida e a obra de Milton Friedman. Para isso, na próxima seção apresento sua vida. Na terceira, suas principais contribuições à ciência econômica (e inclusive fora dela). Por fim, trago as conclusões.

2. Vida

Milton Friedman nasceu no bairro do Brooklin, em Nova York, em 31 de julho de 1912. Filho de pais imigrantes húngaros, Friedman teve infância e adolescência bastante humildes. Porém, destacou-se desde cedo em sua argúcia intelectual, o que o levou a conseguir uma bolsa de estudos na Rutgers – Universidade Estadual de Nova Jersey, em Nova Jersey, onde ele tirou seus bacharelados em matemática e economia, em 1932.

Em 1933, Friedman mudou-se para a Universidade de Chicago para realizar seu mestrado em economia. Mais do que se tornar mestre naquele que seria seu futuro e notório local de trabalho, a Universidade de Chicago, foi lá que Milton conheceu Rose Director, com quem se casara e viveu até sua morte, em 16 de novembro de 2006. O casal teve dois filhos, David Friedman, economista e conhecido autor do anarcocapitalismo, e Jan Friedman, jurista e famosa jogadora de bridge.

Entre 1933 e 1943, já mestre, mas não doutor, Friedman trabalhou no serviço público norteamericano, como membro da bucocracia do New Deal, destacando-se o National Bureau of Economic Research (1937-1940) e, durante o esforço de guerra americano, foi para o Departamento do Tesouro (1941-1943). Em 1943, Friedman iniciou seu doutoramento na Universidade Columbia, em Nova York, orientado por Simon Kuznets. Sua tese foi defendida em 1946.

Ao terminar o doutorado, Friedman começou a trabalhar em sua antiga escola, a Universidade de Chicago, onde ficou – com um que outro leave – até 1977, ajudando a formar a base daquilo que se tornou conhecido como The Chicago School. Da costa leste americana, Rose e Milton se mudaram para a oeste após a aposentadoria de ambos. Milton preferia as montanhas de New England, mas Rose gostaria de morar perto do mar. Companheiros de sempre, dividiram partes de suas vidas em cada um destes locais. Na Califórnia, Friedman assumiu uma posição no Hoover Institution da Universidade de Stanford.

3. A obra

Friedman se destacou por sua atuação enquanto teórico econômico, mas não somente. Começo por três contribuições suas aparte da teoria econômica. Como funcionário do Tesouro americano no esforço de guerra, Friedman foi um dos criadores do imposto cobrado por retenção na fonte, mecanismo mais eficaz de recolhimento tributário, pois independe da declaração de rendimento do pagador. 

Ademais, Friedman foi um forte opositor ao draft, sistema obrigatório de serviço militar americano. Libertário e afeito à visão de que a concorrência melhora toda e qualquer instituição em que ocorre, a ideia de Friedman era a de que a apresentação militar deveria ser voluntária. Assim, as forças armadas deveriam competir pelos jovens com as outras carreiras profissionais, atraindo os realmente interessados em prestar o serviço militar, que seriam a ele mais fiéis desta forma. 

Outra incursão de Friedman fora da teoria econômica, mas com repercussões sobre ela, era a forma pela qual ele compreendia que os gastos públicos educacionais deveriam ser feitos. Ao invés de o Estado custear a escola na educação pública pré-universitária, ele deveria ofertar um voucher aos estudantes que, então, escolheriam suas escolas a partir do que entendessem ser a melhor. Isso faria com que as escolas concorressem para conseguir os vouchers e, portanto, as verbas públicas, o que melhoraria o sistema educacional como um todo. Claro que esta é uma ideia que envolve economia, mas cuja finalidade é um melhor sistema educacional e a liberdade de escolha dos estudantes.

Por sua vez, as contribuições econômicas de Friedman são várias e plurais. Aqui ressalto quatro: a teoria do consumo, a história monetária, a teoria monetária e a metodologia econômica. A Teoria da Renda Permanente lançada em 1957 por Friedman é um avanço à lógica de Irving Fisher dos determinantes do consumo. Diferente de Keynes, lançador da função consumo, e em que este é dependente apenas da renda presente, os avanços posteriores assumem o consumo como decorrendo da renda no tempo e não apenas do rendimento corrente. 

Friedman, em sua contribução, separa a renda individual em duas partes, uma temporária e outra permanente. A renda permanente leva em conta uma média da renda recebida, que o indivíduo calcula a bem de tornar o seu consumo o mais estável possível ao longo do tempo. Choques de renda (ganhos eventuais ou redução de gastos com impostos, por exemplo) são concebidos como temporários e não afetam o consumo, apenas se, passado o tempo, a renda aumentada tornar-se permanente, permitindo então o aumento do consumo.

Em termos da história monetária, Friedman e Anna Schwartz publicaram em 1963 o famoso “A Monetary History of The United States, 1867-1960”, que analisa histórica e estatisticamente a história monetária americana. Com este livro, os autores reavivaram a teoria quantitativa da moeda, que havia restado combalida após a Teoria Geral de Keynes. Do conjunto das análises do livro resultam, nos anos 1960, a teoria monetária de Friedman: o monetarismo. Tal qual a sua função consumo, esta importante corrente do pensamento monetário critica Keynes e a hipótese dele de a moeda não ser neutra.

Na perspectiva monetarista, surgida em fins dos anos 1960, três elementos são centrais, as expectativas adaptativas, a Curva de Philips versão Friedman-Edmund Phelps e a taxa natural de desemprego. A ideia, bastante conhecida, é a de que choques monetários apenas afetam a economia no curto prazo, pois os agentes têm expectativas adaptativas, isto é, apenas formam uma noção do hoje olhando para o ontem (expectativas do tipo backward-looking). 

Desta forma, quando há um choque monetário feito pelo Banco Central hoje, os agentes não conheciam esta informação. Eles percebem sua renda monetária aumentando, porém não veem pari passu o aumento dos preços de sua cesta de consumo, que se processa enquanto os empresários contratam os trabalhadores aos maiores salários. O pagamento dos maiores salários está viabilizado justamente porque os preços a que os empregadores vendem seus produtos estão aumentando. Tudo isso, contudo, é uma inflação de demanda, causada pela maior renda disponível pelo choque monetário ocorrido. Ao final, moeda, renda e preços aumentaram equanimemente, sem qualquer resultado real de longo prazo. 

No curto prazo, o trade-off inflação versus desemprego da Curva de Phillips se processou por conta das expectativas adaptativas dos indivíduos, que permitem que eles sofram a ilusão monetária, não percebendo que mais moeda não era um aumento da renda real que eles possuíam. Esta renda real, no longo prazo, é dada pelas condições técnicas de produção e pelas imperfeições existentes no mercado de trabalho, que delimitam a taxa natural de desemprego, ponto real de equilíbrio de emprego e produto de longo prazo, além do qual nenhum choque monetário consegue levar a economia. 

Apenas mudanças concretas na capacidade de oferta de uma economia e na flexibilidade do mercado de trabalho modificam a taxa natural de desemprego. Ela, aliás, não significa desemprego nulo, mas pleno emprego dada a capacidade máxima de produção de um país. Contudo, qualquer desemprego involuntário, causado por fricções de mercado e/ou por mudança estrutural da forma de produção, não seria permanente. Ele decorreria do tempo necessário para a requalificação e/ou relocalização dos trabalhadores, e/ou resolução das imperfeições do mercado de trabalho. 

Por fim, a política monetária deveria ser conduzida sem choques. Por isso, Friedman sugeriu as chamadas metas monetárias, um regramento monetário que limita e explicita o quanto haverá de expansão monetária em um determinado período de tempo. Claro, a expansão da oferta de moeda não deve ser superior à expansão do produto do país, para que não se tenha inflação e não se estimulem decisões erradas dos agentes, tornando ineficiente a alocação de recursos na economia.  

Outra contribuição de Friedman que merece menção é em metodologia econômica. Em “Metodologia da Economia Positiva”, de 1953, ele argumentou que o importante na teorização econômica não eram as hipóteses que sustentavam o modelo, mas sua capacidade de predição dos fenômenos da realidade. Esta lógica instrumental da ciência era controvertida, mas foi bem aceita, sobretudo na Escola de Chicago. Para Friedman, a teoria precisava ser simples em sua formatação, e frutífera em predizer os fenômenos e em permitir o surgimento de novas pesquisas. A simplicidade, inclusive, era o que viabilizava o irrealismo das hipóteses de um modelo, permitindo que elas, ao invés de descrever a realidade, atinassem-se aos elementos cruciais a uma boa predição do mundo.

Por conta de suas contribuições, Friedman recebeu todos os prêmios econômicos relevantes. Cito-os: a medalha John Bates Clark, em 1951, a Medalha Presidencial da Liberdade, e a Medalha Nacional de Ciências, ambas em 1988, o ingresso na Academia Nacional de Ciências em 1973 e, claro, o Prêmio Nobel de Economia de 1976 – este, por conta de seus avanços na teoria do consumo, nas história e teoria monetária, e na formulação de prescrição para a política monetária e de estabilização.

4. Conclusão

Ao longo de toda a sua vida Friedman destacou-se por se dedicar no engajamento de suas crenças. Prova é que viajou o mundo todo para divulgar seu projeto Free to Choose, que continha uma série de televisão, produzida e apresentada por ele para a divulgação de suas ideias, além de um livro de mesmo nome, publicado em 1980, escrito com sua esposa, Rose. Contudo, a luta contra o serviço militar obrigatório já seria um exemplo deste referido engajamento, tão caro a intelectuais completos.

Houve críticas, todavia, sobre a ida de Friedman ao Chile em 1975, durante o regime ditatorial de Augusto Pinochet. Como se sabe, o Chile foi o país mais notório de aplicação das políticas de liberalização econômica e da redução da participação estatal na economia inspiradas na Escola de Chicago. Não por menos, os ex-alunos da Universidade que conduziram a implantação destas políticas foram chamados de Chicago Boys. A ida ao Chile rendeu a Friedman críticas quando recebeu o Prêmio Nobel em 1976 por parte de estudantes suecos, inclusive na própria cerimônia de recepção do Prêmio. Em sua defesa, Friedman explicou que recusou diversas comendas oferecidas no Chile, e também que não foi consultor daquele Governo, embora admita ter encontrado Augusto Pinochet. Sua ida ao Chile, segundo ele, foi para fins acadêmicos. Curioso e sempre a fim de debater suas ideias, Friedman esteve também China, no final dos anos 1980, mas não foi criticado por isso. Enfim, ele foi um homem que lutou para ser notado e conseguiu o feito: seja para ser seguido, seja para ser criticado.  

Fábio Terra

Professor da UFABC e do PPGE-UFU, Pesquisador do CNPq e Presidente da Associação Keynesiana Brasileira.

 

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