A questão estrutural do mercado de juros nacional

Uma das grandes celeumas que vem desafiado a elite econômica nacional reside na dificuldade em se reduzir os juros no Brasil.

Ao passo que formuladores da teoria econômica, de perspectiva mais ortodoxa, fundamentam que o problema primordial da taxa de juros no Brasil tem esteio no baixo grau de poupança, nos excessivos gastos públicos e na suposta estatização do mercado de crédito nacional, fatores que oneram o risco Brasil, outros procuram examinar as questões por um aspecto mais estrutural do nosso mercado bancário.

Primordialmente, insta salientar que, pelo menos em parte, parece pacífico o entendimento de que um país que deseje realizar taxas de juros nominais aos níveis da Dinamarca, deveria fazer o seu dever de casa, reduzindo gastos públicos e estimulando a poupança privada, de modo que o mercado, mas tão somente aqueles que se encontrem em condições estruturais “flexíveis e competitivas”, possa, de fato, acertar seu prumo.

Todavia, tal nível de “perfeição e competitividade” não nos parece algo que minimamente se aproxime da estrutura do mercado de juros nacional, seja em virtude de uma verticalização quase oligopolista dos bancos brasileiros, seja oriundo de uma ineficiência sistêmica do setor de modo geral, ou, quiçá, o seja por uma legislação draconiana, que centraliza e impede a entrada de novos participantes.

A bem da verdade, um mercado de juros minimamente eficiente e próximo ao que os economistas chamam de “mercado perfeito” tem necessariamente que possuir uma ampla e heterogênea diversificação das instituições financeiras, como também uma pulverização do setor bancário, o que, há de se diagnosticar, se encontra muito aquém do que ocorre no cenário nacional.

Cabe notar que a crise de 2008 expôs para um mundo as vísceras claudicantes de um sistema global que massificara um stablishment liberal econômico fundado no consenso de Washington. Todavia, a desmedida crença neste viés ideológico provocou um movimento que escondia uma realidade tenebrosa: os efeitos colaterais da excessiva desregulamentação do mercado financeiro internacional. Hoje, entre mortos e feridos, percebemos que a desregulamentação imprudente pode ter grande potencial para acarretar uma instabilidade econômica sistêmica de proporções apocalíticas!

Desta sorte, num exame posterior à crise dos subprime, restam dúvidas de que haja quem patrocine a ideia da anarquia econômica extrema, com fora bradado por alguns ortodoxos mais radicais no passado.

Contudo, ao passo que o mundo vivia um verdadeiro tsunami, causa certa espécie a forma com que o Brasil absorvera aquela “marola”, num verdadeiro soft landing!

Isto posto, aparentemente tudo leva a crer, de modo falacioso, haver algum mérito na regulamentação espartana brasileira, pelo menos como vocação anticíclica para impedir grandes danos no caso de catástrofes econômicas globais.

Seria este um “mérito” genuíno, ou mesmo um legado dos  governos de esquerda?

Inicialmente, insta salientar que há certas dúvidas se tal regulamentação rigorosa é verdadeira herança de tais gestões, vez que a regulamentação e a questão estrutural do mercado de juros nacional precede, em décadas, à atuação mais heterodoxa do governo executivo de viés heterodoxo que aqui se assentou dos últimos 20 anos.

Todavia, superada tal indagação, sobre quem fora o pai da criança, resta identificar se seus efeitos são efetivos predicados.

Se considerarmos tão somente a blindagem bancária brasileira no enfrentamento da crise de 2008, tal regulamentação excessiva parece algo positivo e que impediu, com êxito relativo, o nosso debacle econômico. Entretanto, se examinarmos este evento por outros ângulos, veremos que o mesmo consiste também num retrato senil e surrado do setor bancário brasileiro.

Representa, assim, uma sinalização em preto e branco e muito negativa de que o nosso sucesso não é fruto de um mercado moderno e dinâmico, mas sim, de um sistema caduco e oligopolista.

Neste diapasão, o fato de não termos vivido a febre ou a “exuberância irracional” dos subprime, por um lado, é fato, a regulamentação severa nos protegeu da bolha especulativa, lamentavelmente por outro, demonstra claramente o quanto estamos na idade média em termos de derivativos financeiros e estrutura de mercado.

Fomos salvos por possuirmos engrenagens embotadas de ferrugens, engrenagens tais, que nos relegaram a mais algumas décadas perdidas! É como se comemorássemos anos sem queda de aviões, num país onde só se anda a cavalo.

Curiosamente, o risco Brasil nos protegeu do risco sistêmico!

Noutra cadência, há fortes indícios de que a equipe econômica que vem se formando neste governo porvindouro reverterá, pelo menos em parte, este quadro sombrio, e já há sinais claros de que essa turma de neochicagoboys dará ênfase à reforma da previdência (matéria da maior relevância), à lubrificação do sistema financeiro com a desestatização do crédito e à redução dos gastos públicos.

Na mesma ribalta, há preocupações claras desta nova inteligentisia para que haja a despolitização do governo e da economia, leia-se aqui: a genuína independência do Banco Central, a revitalização de uma agenda orientada para a exportação de produtos de maior valor agregado (para nos livrarmos de vez da maldição do sucesso agrário), como também a implementação de novas formulas de estímulo à poupança privada. Tudo, sem olvidar, obviamente, da manutenção do bem-sucedido tripé macroeconômico (câmbio flutuante, metas de inflação e austeridade fiscal).  

Faço fé que tais conjuntos de medidas que se avizinham possam, a bem da verdade, contribuir para eficiência do mercado financeiro e abrir margem para uma nova queda gradual dos juros. No entanto, coeteris paribus, mesmo com fórmulas de austeridade e estímulo econômico, no que tange à imperfeição do mercado aqui em comento, ainda tenho suspeitas de que se conserve a figura de um mercado pouco competitivo de juros, com o repasse da perda da margem de lucro dos bancos para o consumidor final, no tocante ao quinhão que os mesmos entendem ser do seu direito.

Isto seria, assim, a representação manifesta da cartelização de um mercado oligopolista!

A questão fundamental é que a excessiva regulamentação do mercado bancário nacional, se conservada inalterada, consiste numa “falha de mercado” teratológica, que favorece a conservação do baronato oligopolista no setor bancário e acomoda a imperfeição histórica do mercado de capitais no Brasil. O que passo a explicar!

Já há exemplos no país de crowdfunding  fintechs colaborativas para empréstimos, algo como combinações híbridas entre Tinders e Tripadvisors do setor de financiamento, onde, através do constante ranqueamento dos tomadores de empréstimo, diminui-se a necessidade da análise de crédito tradicional, como também o spread do intermediário (margem de lucro dos bancos e financeiras),  fazendo com que o investidor, mediante maches (combinações entre as partes interessadas), possa se relacionar diretamente com o demandante do financiamento.

Desta sorte, por intermédio de uma plataforma eletrônica, a parte investidora avalia o rating (risco de crédito) dos candidatos a um financiamento e pode diretamente emprestar a juros para a parte tomadora através do próprio sistema, o que poderia positivamente canibalizar as taxas bancárias de cheques especiais e de cartões de crédito.

Tais taxas só existem nos patamares atuais, não tão somente em virtude das mazelas macroeconômicas à que fomos por anos acometidos, como ratos de laboratório, por governos perdulários de esquerda, mas principalmente em função da assimetria e do descompasso do mercado de juros nacional, muito em virtude da ausência de uma multiplicidade de competidores.

Isso é concorrência imperfeita, teoria econômica básica!

A  luz de tais fatos, combater o spread bancário por intermédio destas plataformas parece uma ideia genial, não? Mas nem tudo são flores, faz mais de 10 anos que alguma instituições tentaram se formar no brasil, contudo, foram sistematicamente corroídas pela regulamentação e pela justiça, devido à falta de requisitos legais.

Ocorre que no brasil só se empresta dinheiro a juros por intermédio das instituições financeiras devidamente reguladas pelo Banco Central. Sendo assim, investidores ou empresas de crédito informais vivem o fantasma do enquadramento na tipificação de agiotagem, crime contra a economia popular!

Tente, por mera e eventual ilação, imaginar montar um banco ou uma financeira no Brasil! Pense no Acordo de Basileia e em toda a burocracia que o empreendedor enfrentará para tal! Por fim, pense na quantidade de recursos necessários para enfrentar o oligopólio bilionário do setor bancário e ainda sair ileso.

É impossível novos entrantes ingressarem num mercado tão cartelizado assim?  

O processo de desbancarização é um robusto movimento global que parece ter sido barrado na fronteira nacional e jamais conseguiu deslanchar no pais, vez que,  diferente dos Estados Unidos, onde há um mercado pulverizado e um banco em cada esquina, no Brasil, a verticalização do setor bancário e sua regulamentação consistem em deformações hediondas, que, em que pese ter nos protegido da crise sistêmica de 2008, pari passu, tem impedido o amadurecimento do mercado de juros brasileiro, furtando-o de efetivo dinamismo e competitividade.

Os bancos brasileiros, com sua verticalização, acabam por atuar desde a conta bancária básica, manipulando cartões e cheque especial, até o mercado de corretagem de valores mobiliários, financeiras e seguradoras, todas estas atividades de algum modo subordinadas ou vinculadas aos grandes grupos.

No caso das corretoras, na década de 90 e início dos anos 2000, a Ágora, a época liderada pelo seu controlador Selmo Nissenbaum, promoveu uma grande concentração no setor para fazer frente aos grandes grupos, com um movimento agressivo de aquisição de velhos concorrentes. Anos mais tarde, a corretora fora abocanhada pelo chaebol, ou melhor, pelo conglomerado da família Bradesco, que neutralizou essa ameaça ao seu poderio.

Atualmente, outro movimento neste sentido tem sido protagonizado pela corretora XP investimentos, que, através de uma plataforma ágil, com esteio num modelo de investimentos em multimarcas, tem crescido agressivamente, de modo a intimidar com louvor a hegemonia na área de investimentos dos grandes conglomerados bancários.

Quase que como um primo do Uber, que vem combatendo a cartelização dos taxis, só que para o mercado financeiro, a XP, com sua plataforma multimarcas tem atacado a grande fragilidade dos bancos na área de investimento, vez que ao passo que os gerentes tradicionais são especializados na burocracia do dia a dia bancário (contas, cheques, seguros, etc.), e se valem essencialmente de uma remuneração fixa, a corretora tem baseado seu modelo em parceria com assessores de investimentos autônomos, especializados e remunerados agressivamente de forma variável, mordendo, assim, com apetite,  uma grande fatia do mercado de private banking.

Diga-se de passagem, isto vem ocorrendo sem a necessidade de que a mesma precise custear ativos imobilizados ou estruturas físicas caras. Ora, diante desta nova ameaça, não foi à toa que o Itaú se mostrou atento, tornando-se um acionista da XP investimentos!

Desta baila, por corolário, há de se diagnosticar que o problema no mercado de juros nacional é exatamente o seu grau de assimetria, um mercado altamente imperfeito devido à sua estrutura oligopolista, cartelizada, anômala e senil.  

Quem não quer emprestar a 2% a.m., havendo no mercado demandantes a 12% a.m. como os tomadores de cheque especial? Este é, de forma translúcida e inexorável, o retrato de um problema de seleção adversa!

Esta seleção adversa evidencia de maneira cristalina a estrutura falha e imperfeita do mercado de juros nacional, ou seja, a concentração da oferta de financiamento nos grandes bancos oligopolistas e a burocracia do mercado de juros para a entrada de concorrentes que beneficia, e muito, o intermediário, lhe dando poder excessivo e provocando um gigantesco custo de agência.

Assim, este custo de agência pode ser percebido de forma patente no spread bancário oriundo do gap de acesso entre os players finais, que são os pequenos e médios investidores e os tomadores de empréstimos, verdadeiros stakeholders do negócio de juros.

Conclui-se, então, que o que mercado de juros precisa para se tornar efetivamente competitivo no Brasil é de uma desregulamentação que permita novos concorrentes e a formação de uma estrutura pulverizada, que traga para a legalidade o mercado negro da agiotagem e que permita a redução da interferência dos intermediários, ou seja, que uma com maior eficiência o emprestador e o tomador, diminuindo, assim, o custo do agência do mercado aqui em tela.

Numa outra linha argumentativa e não excludente, talvez a solução passe pela interferência estatal na criação de uma plataforma pública, ou mesmo o fomento à criação de uma empresa privada que permita a organização do mercado negro, aos moldes do que ocorrera com a Câmara de Liquidação e Custódia nos anos 80.

Na época, as corretoras operavam entre si livremente (sem qualquer interferência de custodiantes ou garantidores) através da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, porém, num mercado de liquidação individual e desorganizado, onde cada corretora tinha a sua tesouraria própria e negociava diretamente com as diversas outras.

Desta sorte, no momento em que o investidor Naji Nahas passou um cheque sem fundo para uma delas, e que a mesma repassou este título podre para as demais, a quebradeira fora sistêmica e em cascata, o que justificou a criação de um órgão central, ou melhor, uma plataforma eletrônica, aos moldes de um fundo garantidor, cuja função seria organizar, afiançar, proteger e promover transparência às operações  (disclosure e accountability).

Ademais, a questão do ranqueamento a longo prazo acomoda e proporciona uma certa integridade gradual ao sistema. Um exemplo disto é que no passado o Mercado Livre, site de venda de produtos de varejo, vendia muitos produtos falsificados, o que trazia custo de agência fundado em risco moral e crise de credibilidade. Entretanto, com o passar dos anos, em face dos mecanismos de ratings e ranqueamento dos vendedores, aumentou-se significativamente as taxas de sucesso da plataforma, que se tornou gradativamente locus de negócios idôneos. 

Só precisamos é de um “Mercado Livre” de juros para que o sistema se torne mais dinâmico!

As soluções são muitas, todavia, os argumentos supramencionados sustentam que a problemática, em que pese em parte sofrer ingerência da perspectiva macroeconômica, ultrapassa essa matéria, atingindo uma ótica estrutural mais ampla e abrangente do mercado de juros no Brasil.

Entender e diagnosticar tal fato é o primeiro passo para que sejam tecidas soluções efetivas.

Arthur Valle MBA do IBMEC, Mestre em Administração pública pela EBAPE/FGV. Autor das obras: “Fortuna Imperatrix Mundi – Um alerta para a crise global, Muiraquitã, 1999. A revolução do gás não convencional nos EUA: uma nova corrida do ouro?, TereArt Editora, 2015.”

         

Arthur Valle

Mestre em Administração Pública pela EBAPE/FGV, MBA pelo Ibmec e autor das obras Fortuna Imperatrix Mundi – Um alerta para a crise global e A revolução do gás não convencional nos EUA: uma nova corrida do ouro?

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