Agenda reencontrada? Gudin, Simonsen e os desafios do crescimento econômico

O provocativo livro de André Lara Rezende[1] se inicia com o resgate do debate entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen que ficou conhecido como a controvérsia do planejamento[2]. Lara Rezende tem a preocupação de “compensar” a injusta fama que Gudin obteve por defender medidas mais duras para o difícil problema do desenvolvimento brasileiro em meados da década de 1940. Embora a grande distinção fosse aos caminhos apresentados, há quem veja a preocupação com a estabilização monetária e a organização através de mercados como consequências da falta de preocupação com problemas como pobreza e desigualdade. Nada mais equivocado.

O autor sintetizou os pilares das diferentes opiniões em quatro pontos para cada. No que viria a consolidar os pilares do Nacional-Desenvolvimentismo, teríamos:

  1. O planejamento central.
  2. A industrialização através da ação direta do Estado empresário.
  3. Economia fechada à competição externa.
  4. O corporativismo.

Na outra ponta do espectro ideológico, a alternativa “liberal mais elaborada” pressupunha:

  1. Regras e instituições que garantam o bom funcionamento do mercado.
  2. Economia aberta ao comércio e aos investimentos internacionais.
  3. Canalização da poupança para os investimentos produtivos, através do mercado de capitais.
  4. Estabilidade monetária e controle da inflação.

Como Lara Rezende nos lembra, Gudin arguia enfaticamente que o processo de industrialização não poderia ocorrer sem que estivesse amplamente amparado em uma melhora da educação. Além disso, entendia como poucos não somente que é a produtividade que explica a diferença na riqueza das nações no longo prazo, bem como os seus determinantes[3] (muitos anos à frente da literatura internacional, como lembrou Samuel Pessôa em debate recente no Insper).

Intelectualmente, o placar foi muito mais elástico do 7×1 a favor de Gudin. Na prática, o capitalismo (sic) tupiniquim optou pelo caminho oposto. O desenvolvimento brasileiro foi protagonizado pelo Estado e dele as nossas empresas e as nossas famílias estabeleceram uma relação de dependência. Gudin tinha medo das escolhas para os dirigentes de empresas por parte do governo tivessem critérios outros que não a sua competência profissional. Não é à toa que nos tornamos a sociedade da meia-entrada.

Os “donos do poder” subscreveram a agenda Nacional-Desenvolvimentista. As consequências macroeconômicas do homem cordial não poderiam ser outras: estamos presos na armadilha da renda média e durante muito tempo, com inflação alta (ou hiperinflação), consequências previsíveis do desrespeito às restrições macroeconômicas. Raymundo Faoro e Sergio Buarque de Holanda estão mais atuais do que nunca.

É claro que existiram exceções. A gestão de Gudin à frente da Fazenda durou muito pouco, mas as experiências do PAEG e do Plano Real solidificaram bases para o desenvolvimento econômico brasileiro. O período conhecido como “milagre econômico” (péssima expressão, se me permite) não poderia ter acontecido sem a (re)organização econômica, com reformas estruturais e uma preocupação com a estabilização. O mesmo podemos dizer do Plano Real, que não só proporcionou um período de estabilidade e as bases para o crescimento nos anos 2000, como provavelmente alterou o futuro do Brasil de forma ainda mais profunda.

Ao fazer escolhas duras, criamos o espaço para poder crescer. A falta de responsabilidade nos trouxe a alta da inflação e a hiperinflação após o PAEG e a depressão brasileira recente. Já no final do governo FHC uma possível mudança na condução da política econômica era aventada. Não por outro motivo que eminentes economistas escreveram um documento intitulado “A Agenda Perdida”[4]. A guinada demorou mais um pouco, mas a partir da segunda metade dos anos 2000 observamos a volta ao que, de um jeito ou de outro, sempre foi a regra.

Vemo-nos em momento especial para o país. Alguns economistas já ventilaram a possibilidade de que a experiência recente possa produzir um debate político e econômico melhor, culminando em uma maior consciência no exercício do sufrágio universal. Gostaria de ser otimista. As reformas recentes, especialmente a Emenda 95 à Constituição, nos colocaram numa trajetória em que a sociedade precisa urgentemente voltar a discutir prioridades.

Longe dessas dicotomias Estado mínimo x Estado Máximo, direita e esquerda, o Brasil está em um momento que pode reencontrar a agenda do desenvolvimento. A agenda da avaliação de políticas públicas. A agenda de um Estado eficiente, que não seja um peso para o crescimento, que dite regras, não escolha vencedores. A agenda da estabilização que cria espaço para os programas sociais. A agenda da igualdade de oportunidades e da melhora dos serviços públicos. Para implementar essa agenda são necessárias escolhas duras. Problemas complexos têm soluções complexas, é a vida.

A alternativa é continuar deixando de aproveitar oportunidades. No curto prazo, como nos lembra Marcos Lisboa, isso nos levará a um encontro marcado[5] nada agradável. No longo prazo, bem, continuaremos como promessa, na melhor das hipóteses.

João Ricardo Costa Filho Professor do Mestrado Profissional em Economia da EESP/FGV e da Faculdade de Economia da FAAP

Referências

[1] REZENDE, André Lara. Juros, moeda e ortodoxia: teorias monetárias e controvérsias políticas. 1ª Edição. Portfolio-Penguin, São Paulo, 2017.

[2] http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/3183

[3] GUDIN, Eugênio. Produtividade. Revista Brasileira de Economia, v. 8, n. 3, p. 9-70, 1954.

[4] http://www.columbia.edu/~js3317/JASfiles/AgendaPerdida.pdf

[5] http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-lisboa/2017/10/1923245-encontro-marcado.shtml

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