Anos 70: A década mais prolífica da economia

Qual foi a década mais prolífica para a ciência econômica? Para a historiadora do pensamento econômico Beatrice Cherrier, foi a de 50 [1]. Nessa década, os trabalhos da Cowles Comission e da RAND Corporation estavam indo a todo vapor, e iriam fundar as bases para programas de pesquisa que prosperaram na economia, como a Teoria dos Jogos e as teorias fundamentadas no modelo da escolha racional.

Com certeza, a década de 50 foi uma das mais produtivas. Mas, ao meu ver, a década que merece o troféu de mais prolífica para a economia, no sentido de ter deixado o maior número de trabalhos de impacto duradouro nesta ciência, foi a década de 70. Nela tivemos: (i) a revolução das expectativas racionais e a emergência da contra-revolução novo-keynesiana, que já abordamos na parte I da nossa série; (ii) o desenvolvimento do campo da economia da informação, que abordamos na parte II; (iii) grandes desenvolvimentos nos campos da econometria e do mercado financeiro, contemplados na parte III; e desenvolvimentos em várias outras áreas, como os modelos de comércio internacional intra-indústria e a economia comportamental, que foram devidamente tratados na parte IV.

Agora, para finalizar a nossa série, iremos falar brevemente sobre alguns livros de economia que foram muito importantes em suas respectivas áreas, já que todas as partes anteriores trataram apenas de artigos. Não queremos aqui listar os livros mais importantes, mas apenas alguns livros importantes, tendo consciência de que nossa pequena lista de forma alguma é definitiva e exaure o assunto.

Amartya Sen – Collective Choice and Social Welfare (1970)

Este livro, que foi lançado inicialmente na forma de uma monografia, aborda questões relacionadas aos direitos individuais, justiça e equidade. Aqui, Sen propõe o “paradoxo liberal”, segundo o qual nenhum sistema social é capaz de atingir os três objetivos seguintes ao mesmo tempo: (i) ser comprometido com um mínimo senso de liberdade; (ii) ser Pareto-eficiente; (iii) ser capaz de funcionar em qualquer sociedade.

Como exemplo do paradoxo, Sen considera uma sociedade hipotética com duas pessoas, “Lewd” e “Prude”, e um livro que deve ser disponibilizado para apenas um deles ler ou nenhum deles ler. Lewd gostaria de lê-lo, mas gostaria mais ainda de que Prude o lesse. Já Prude prefere que nenhum deles leia, mas, se alguns deles tiver que ler, ele prefere que seja ele próprio. Dado esse arranjo de preferências, o que um hipotético planejador social deveria fazer? Deveria disponibilizar o livro para Lewd, Prude ou nenhum deles? Se o planejador seguisse a preferência individual de cada um, ele deveria dar o livro para Lewd, uma vez que Lewd prefere ler o livro ao invés de não lê-lo, e Prude prefere não ler o livro ao invés de lê-lo. Mas percebam que este resultado não é Pareto-eficiente, uma vez que ambos (Lewd e Prude) estariam em melhor situação se o livro fosse disponibilizado para Prude ler. Para Sen, aqui repousaria um paradoxo no pensamento liberal, pois a afirmação liberal de que os mercados são Pareto-eficientes e respeitam as liberdades individuais é contrariada.

Muitas saídas ao paradoxo foram formuladas. Por exemplo, o paradoxo supõe que o bem-estar dos indivíduos dependa não apenas do seu próprio consumo mas também do consumo dos demais agentes, mas se assumirmos o contrário, isto é, que os agentes se preocupam apenas com suas respectivas cestas de bens, então não há paradoxo algum.

Enfim, este livro é um marco na economia do bem-estar e foi um dos trabalhos mais influentes do grande pensador Amartya Sen.

Nicholas Georgescu-Roegen – The Entropy Law and the Economic Process (1971)

A tese básica do livro é de que, dado que os recursos minerais são escassos, e uma vez que a utilização econômica de tais recursos os torna irrecuperavelmente degradados — devido à lei da entropia – então chegará um dia em que o crescimento econômico cessará, após o completo esgotamento dos recursos naturais for alcançado. Nesse ponto a economia entraria em colapso. Foi a partir das conclusões pessimistas deste livro que surgiram os movimentos radicais que pregam a necessidade do decrescimento econômico.

As ideias contidas no livro sofreram muitas críticas. A principal delas é que Roegen fez uma confusão com a lei da entropia, aplicando-a indevidamente aos recursos materiais, sendo que sua correta aplicação é restrita apenas à energia. Diante deste erro, Roegen reagiu tentando estabelecer uma 4ª Lei da Termodinâmica, que afirmava que a lei da entropia também seria aplicada aos recursos materiais em nível macro. Obviamente, isso não passou de tentativa desesperada de corrigir um erro anterior com um erro maior ainda.

De qualquer forma, seu livro fui muito influente. Georgescu-Roegen é considerado o pai da economia ecológica, e este livro é considerado o magnum opus desse campo. Apesar do argumento central do livro estar errado, dizem, as linhas gerais estão corretas: o crescimento econômico depende dos recursos naturais e deveremos ter bastante cautela em seus usos se quisermos evitar algum desastre.

Jacob Mincer – Schooling, Experience, and Earnings (1974)

A teoria do capital humano foi estabelecida aos poucos, a partir da década de 50, pelos trabalhos de eminentes economistas como Gary Becker, Theodore Schultz e Jacob Mincer. Becker, por exemplo, publicou o seu “Human Capital” em 1964, que viria a ser uma referência na área por muito tempo. Já o grande trabalho de Mincer nessa área foi o seu “Schooling, Experience, and Earnings”, em que ele coletou dados de várias décadas sobre renda, educação e treinamento nos EUA e mostrou que quanto maior o tempo dedicado à educação, maior é o rendimento do trabalhador. Ele calculou, por exemplo, que os ganhos anuais aumentaram 5 a 10% nas décadas de 50 e 60 para cada ano de escolaridade adicional.

Hoje a teoria do capital humano é uma das teorias mais bem consolidadas na economia, e muito disso é devido aos trabalhos de Mincer.

Robert Fogel & Stanley Engerman – Time on the Cross: The Economics of American Negro Slavery (1974)

Neste trabalho, Fogel e Engerman desafiaram algumas ideias aceitas virtualmente por todos os historiadores da época: a de que a economia escravista era ineficiente em termos econômicos e que os escravos viviam em condições materiais muito piores do que o restante da população. Utilizando-se de metodologias robustas e de uma ampla base de dados, os autores argumentaram que este não era o caso no Sul dos EUA: a economia escravista das plantations era extremamente lucrativa e economicamente eficiente e, ademais, os escravos viviam, em termos materiais, em condições parecidas às condições dos trabalhadores urbanos livres.

Como seria de se esperar, o livro gerou uma grande polêmica, principalmente ter sido lançado ainda na esteira dos protestos contra a segregação racial que varreram os EUA na década anterior. Muitos acusaram os autores de serem coniventes com a escravidão. Fogel, posteriormente, escreveu outro livro (“Without Consent or Contract”), também baseado em metodologia robusta, mas desta vez realçando os aspectos negativos da escravidão, mostrando, por exemplo, a alta taxa de mortalidade infantil entre os filhos de escravos.

No fim, o livro acabou se tornando um grande marco na área da cliometria, e iria mais tarde ser um dos motivos pelos quais Fogel ganharia o Nobel de Economia de 1993.

Thomas Schelling – Micromotives and Macrobehavior (1978)

Pequenas preferências pessoais no âmbito social podem levar a grandes segregações. Foi o que demonstrou Schelling em uma série de artigos sumarizados em seu livro de 78. Ele mostrou que, por exemplo, a preferência das pessoas por conviverem em uma região formada majoritariamente por vizinhos da mesma etnia que a sua pode fazer com surjam áreas totalmente segregadas etnicamente. Preferências, portanto, que à princípio poderiam parecer inócuas, podem ter drásticas consequências quando analisadas do ponto de vista macro.

Essa ideia é brilhantemente transmitida em um joguinho muito interessante que você pode acessar aqui.

Artigo escrito pela página Economia Mainstream

[1] Não consigo localizar nesse momento a thread dos tuítes em que ela constrói seu argumento. Mas, de qualquer forma, seu twitter é esse: https://twitter.com/undercoverhist

Recomendo fortemente também que deem uma olhada em seu blog. Para quem gosta de HPE, é ouro puro: https://beatricecherrier.wordpress.com/

Na foto: Thomas Schelling, um dos grandes nomes da Teoria dos Jogos, ganhador do Nobel de Economia de 2005. Schelling foi muito influente no desenvolvimento de modelos matemáticos estratégicos no contexto da Guerra Fria.

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