As contas não fecham: uma análise do mercado de trabalho (parte 1)

Na semana passada, foram divulgados os dados de emprego da PME (Pesquisa Mensal do Emprego) pelo IBGE. A taxa de desemprego caiu novamente, atingindo um novo piso histórico. Nada mais nada menos que uma taxa 4,9%. Em termos dessazonalizados, incríveis 4,5%! Nunca antes no país se teve um número tão baixo! Mas o que realmente está por trás desse número? Isso implica em uma economia sólida? E as consequências para a inflação? Tentarei mostrar algumas visões do mercado com as quais eu concordo sobre essas questões.

Economia Sólida?

A taxa de desemprego é o resultado da dinâmica da oferta e demanda do mercado de trabalho. De um lado, a população ocupada (demanda), do outro, a população economicamente ativa (oferta). Pelos dados da pesquisa, podemos notar que novamente a queda da taxa de desemprego se deve à queda da PEA e não ao aumento da população ocupada. Essa, na verdade, está parada desde o início do ano passado. Em outras palavras, parece que, devido ao baixo crescimento e perspectivas ruins de atividade para o país, as empresas estão deixando de contratar, mas ainda não começaram a demitir pessoas.

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Fonte: IBGE, elaboração do autor

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Fonte: IBGE, elaboração do autor

Pelo lado da oferta, vemos um mercado de trabalho mais apertado. Uma queda da PEA pode estar relacionada com uma dificuldade maior de se encontrar emprego. Essa dificuldade espanta algumas pessoas de procurarem trabalho (perder meu tempo para que se não vou achar mesmo?) e, portanto, fazem a PEA cair dessa forma. Porém, a queda da PEA foi muito forte num período muito curto, e esse efeito não explica tudo.

Resumidamente, os dados de emprego não mostram uma economia sólida, e sim uma dinâmica de emprego, mais evidente na parte da demanda, compatível com uma atividade fraca.

Um exercício interessante seria ver como estaria a taxa de desemprego caso não houvesse uma queda brusca da PEA. O gráfico abaixo mostra como seria a taxa de desemprego com uma PEA suavizada pelo filtro HP:

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Fonte: IBGE, elaboração do autor

O exercício não está totalmente correto, pois há em alguns períodos correlação positiva entre a PO e a PEA por questões metodológicas da pesquisa, mas esse gráfico mostra algumas outras informações relevantes. Como se pode ver, o nível mais baixo da taxa de desemprego ocorreu no inicio do ano passado. De lá para cá, o desemprego sobe mais de 1%, passando de 4,4% para 5,7% em termos dessazonalizados, apresentando assim, uma dinâmica de emprego mais compatível com a atividade atual.

Entretanto, o que essa primeira análise não mostra é por que a PEA caiu drasticamente nesse curto período de tempo, impedindo assim que tenhamos uma dinâmica de mercado de trabalho menos aquecida. Mas por quê?

Os nem-nem

Como os meus amigos escreveram aqui no Terraço, há uma hipótese muito plausível de que os jovens de hoje não estão tão interessados em trabalhar, pois aprenderam o valor de se ter um diploma de ensino superior no currículo e passaram a investir um tempo maior nos estudos. Além disso, os então chamados nem nem (nem estudam, nem trabalham) dispõem de melhores condições de financiamento para seus estudos. O FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), um programa do Ministério da Educação destinado a financiar a graduação na educação superior explica boa parte da redução da participação dos jovens no mercado de trabalho. O programa sofreu mudanças importantes no período recente, facilitando o acesso dos estudantes aos recursos. Entre elas, a queda da taxa de juros de financiamento, a ampliação dos prazos de carência e o fim da exigência de um processo seletivo para ter acesso ao financiamento bancário. Assim, o número de matrículas no FIES, que era de 50 mil por ano em média entre 1999 a 2009, saltou para 76 mil em 2010, 154 mil em 2011, 377 mil em 2012 e 556 mil em 2013 [1].

O Itaú BBA, instigado com esse fenômeno fez um estudo no qual se analisou a importância do FIES na dinâmica do mercado de trabalho no Brasil. Os resultados foram os esperados: o FIES tem importância e é correlacionado negativamente com a participação dos jovens no mercado de trabalho. Para quem tiver interesse, o estudo pode ser acessado nesse link do próprio Itaú.

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Fonte: Itaú BBA

Envelhecimento repentino da população

Outro fator mais relevante para a queda da população economicamente ativa (PEA) e, portanto, da taxa de desemprego é o envelhecimento repentino da população.  O Credit Suisse analisou esse fenômeno atípico [2]. Mas para entender, precisamos deixar claro uma relação básica. A população em idade ativa (PIA) nada mais é que o total de pessoas aptas a trabalhar, ou seja, o montante total de pessoas. Dentro desse total, divide-se entre as pessoas economicamente ativas (PEA) e as que estão fora da força de trabalho (PNEA). Dada essa relação, o estudo que o banco realizou pondera que:

1. A PIA continua crescendo aproximadamente 1%
2. A PEA dos grupos mais jovens tem caído.
3. O grupo cuja PEA caiu mais foi o de pessoas entre 25 e 49 anos.
4. Aumento substancial da PNEA do grupo mais velho de pessoas com mais de 50 anos.
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Portanto, apesar de os estudantes explicarem uma parte da dinâmica apertada da oferta de trabalho (item 2), o que tem mais contribuído com a queda é o envelhecimento da população (itens 3 e 4). No entanto, as explicações para esse fenômeno ainda são pouco sólidas e as vezes inconsistentes.O estudo relata algumas delas: “Fora mudanças metodológicas da própria pesquisa, o aumento do número de pessoas nesse grupo [de pessoas com 50 anos ou mais] poderia decorrer, basicamente, de dois motivos: aumento no fluxo de pessoas advindas do grupo etário anterior (entre 25 e 49 anos) ou redução da taxa de mortalidade desse grupo na comparação com o mesmo período do ano anterior. Essas duas possibilidades parecem ser incompatíveis com a magnitude da descontinuidade na série, dada a impossibilidade prática de um súbito recuo na taxa de mortalidade ou aumento da taxa de envelhecimento populacional”

Ainda analisando a descontinuidade da série, o banco observa outro evento: o aumento das pessoas  nesse grupo ocorreram praticamente por pessoas fora da força de trabalho, ou seja, ocorreu aumento significativo apenas na PNEA desse grupo.  Duas hipóteses foram levantadas. “O aumento da PNEA nessa faixa etária poderia ser explicado pelo: (i) correspondente recuo na PEA ou na PNEA do grupo etário entre 25 e 49 anos. (ii) forte contração do número de pessoas dentro da força de trabalho na faixa etária acima de 50 anos, o que sugeriria um aumento no ritmo de aposentadoria.”

Entretanto, os números não batem. “O fluxo na faixa etária de 25 a 49 anos não corresponde com a expressiva alta que se verifica na PNEA no grupo de 50 anos ou mais ao longo dos últimos meses, tornando a hipótese (i) pouco provável. Além disso, a PEA desse grupo também não apresentou recuo expressivo durante o período, logo a hipótese (ii) não parece aplicável”, diz o estudo.

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Dessa forma, a única explicação para os resultados dos últimos meses plausível e minimamente razoável é a mudança nas distribuições etária e ocupacional dos entrevistados, ou seja, o IBGE deixou de entrevistar uma amostra com menos pessoas no grupo de + de 50 anos e passou a entrevistar domicílios cujos moradores pertencem a esse grupo. O relatório não comenta, mas caso seja esse o motivo, tenderíamos a acreditar que essa queda se reverta em algum momento do tempo, quando o esquema de rotação termine e a amostra de domicílios se altere novamente.

Mas mesmo com essa explicação, os dados nos deixam com um ponto de interrogação na cabeça e desnorteados quanto à direção do mercado de trabalho no país.

O que esperar do mercado de trabalho?

Por um lado vemos uma população ocupada fraca e estagnada. Além disso, dados do Ministério do Trabalho mostram que a criação de vagas está desacelerando. O CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostrou que foram criadas apenas 18 mil vagas no mês de abril em termos dessazonalizados. Olhando para uma media móvel de três meses ou mesmo a de doze meses, vemos uma reversão da tendência de recuperação.

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Fonte: MTE, elaboração do autor

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Fonte: MTE, elaboração do autor

No entanto, como explicado acima, a PEA teimosamente não para de cair. Pior que tornar a dinâmica do mercado de trabalho um caso esdrúxulo, é não sabermos ao certo os motivos dessa queda.

O mercado, combinando todos os dados, acredita que o desemprego fique estável nesse nível baixo até o fim do ano e volte a subir para um patamar um pouco acima dos 5,5% no ano que vem. Na minha modesta opinião, acredito que o desemprego possa subir bem mais. O nível que temos agora é megainflacionário e mesmo com as projeções do mercado de subida de desemprego, ainda estaríamos em um nível inflacionário. Se 2015 for o ano do reajuste como todos dizem, certamente o mercado de trabalho sofrerá.

Consequências para a inflação

Deixarei para descrever as consequências da inflação na próxima publicação, mas os leitores atentos já devem suspeitar do que falarei.

Notas

[1] Relatório do Itaú: emprego
[2] Credit Suisse: Relatório Macro Brasil – Emerging Markets Research Brasil – 29 de abril de 2014

Victor Wong

Mestrando pela Escola de Economia de São Paulo da FGV. Já trabalhou no mercado financeiro na área de Pesquisa Econômica. Interessa-se pelas questões fiscais e monetárias, além do fator político de cada uma das decisões tomadas no âmbito nacional e internacional. Em outras palavras, a "macro" é com ele! Porém, bons argumentos nem sempre são suficientes para ganhar discussões. Dessa forma, utiliza-se de suas (poucas) habilidades de barman para embriagar as contrapartes: nada como saber o ponto fraco de seus adversários. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2015.

7 Comentários

  1. OS JOVENS DE HOJE SABEM QUE A CONCORRÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO É GRANDE SE O JOVEM NÃO TIVER UM CONHECIMENTO MELHOR ELE ESTA TOTALMENTE FORA DO MERCADO DE TRABALHO

  2. A taxa de desemprego é o resultado da dinâmica da oferta e demanda do mercado de trabalho. De um lado, a população ocupada (demanda), do outro, a população economicamente ativa (oferta). Pelos dados da pesquisa, podemos notar que novamente a queda da taxa de desemprego se deve à queda da PEA e não ao aumento da população ocupada. Essa, na verdade, está parada desde o início do ano passado. Em outras palavras, parece que, devido ao baixo crescimento e perspectivas ruins de atividade para o país, as empresas estão deixando de contratar, mas ainda não começaram a demitir pessoas.

  3. o envelhecimento precoce da população esta ligado diretamente a saúde, renda, aposentadoria.

  4. o super protecionismo impetrado pelos pais brasileiros aos filhos vem nas últimas décadas criando uma cultura de descaso com a profissionalização. Temos de um lado uma lei que impede os adolescentes de aprenderem a gostar de trabalhar com punições severas para quem descumprir,de outro, uma geração de pais que não estão preparados pra lidar com essa novidade, deixando frouxo demais a decisão de qual profissão devo exercer. nesse jogo de desinteresses, é mais cômodo ficar em casa no conforto e protecionismo paternos do que desafiar um mercado incerto e decadente. para muitos estudar se torna perda de tempo, basta vermos quantos baxaréus estão vivendo de uma vaga de comerciário cm um salário que em nada condiz com a formação? se olharmos desse ponto de vista será que vale a pena passar anos numa faculdade? daí a juventude nem estudar nem trabalhar . se certo ou errado só o bom senso poderá responder.

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