Atrás da tecnologia só não vai quem já morreu

2020 é um ano que entra para a história, dentre outros aspectos relevantes, por mostrar que migrações para o mundo digital não puderam mais ser adiadas. É possível que você conheça algum setor que ainda esteja fora das redes ou totalmente sem contato com elas – nem que seja por um aplicativo de mensagens -, mas se já era algo um pouco difícil de acontecer no começo do ano, agora então é bem mais raro.

Essa mudança ocorre por algo que todos nós que vivemos esse ano já sabemos, mas quem ler este artigo no futuro poderá não se lembrar com exatidão: a pandemia provocada pelo novo coronavírus nos fez adiantar o calendário da digitalização dos negócios porque o presencial simplesmente deixou de ser possível por um tempo. Levando em conta que no Brasil movimentos como quarentena ou algo parecido vêm ocorrendo desde março, literalmente quem não fez nenhuma adaptação tem altas chances de ter quebrado ou estar nesse triste caminho.

Existem diversas maneiras de digitalizar negócios, é verdade. Mas, provavelmente, todas elas passam por alguma das Big Techs: Facebook, Amazon, Apple, Microsoft e Google (ou, como são conhecidas, as FAAMGs). Isso se reflete diretamente no fato de que essas empresas hoje têm resultados expressivos nos mercados financeiros, mesmo diante da maior crise mundial desde 1929.

O agregado impressiona

O índice S&P500 lista 500 ativos/empresas das bolsas de Nova York por seu tamanho e liquidez. Neste ano, o mês de março representou um enorme tombo para todos eles, como já se sabe. Porém, impressiona o ritmo de recuperação das FAAMGs logo em seguida: as cinco empresas sozinhas tiveram, até junho/julho, 35% de retorno anual, enquanto no mesmo período as outras 495 do índice perderam 5%:

A importância da tecnologia nos negócios está dada – e os resultados práticos disso são observados em como essas empresas têm se desempenhado nos mercados.

É importante sempre ressaltar que a resposta dos Bancos Centrais a essa crise foi mais rápida e vigorosa que em 2008 e, no fim do dia, isso ajuda a explicar a recuperação rápida dos ativos de mercado mundo afora. Ainda assim, cada uma dessas empresas mostrou, com os resultados mais recentes divulgados – os do segundo trimestre desse ano, período em que tivemos o fundo do poço da atual crise -, que estão preparadas para os novos tempos.

Facebook

Mesmo passando por um boicote recente de algumas marcas – até o gigante conglomerado Unilever se uniu a essa causa -, que o fizeram em decorrência de um posicionamento questionado por elas da plataforma em relação a conteúdos de potencial disseminação de ódio, o grupo de Mark Zuckerberg teve um resultado impressionante: lucro trimestral de US$5,2 bilhões, 98% superior ao mesmo período de 2019.

Dentre as justificativas, destaca-se o aumento da interatividade por meio das empresas da plataforma durante a pandemia. Lembrando que o grupo detém, além do Facebook, também o Instagram e o WhatsApp. Não é muito difícil confirmar na prática a tese e a estratégia da empresa do logo azul.

Amazon

Mais uma que praticamente dobrou o lucro líquido no segundo trimestre de 2020 em relação ao mesmo período de 2019 foi a Amazon: US$5,24 bilhões agora, contra US$2,62 bilhões no ano anterior. Notável também dizer que, nesse mesmo trimestre, a empresa desembolsou US$4 bilhões apenas para aumentar os cuidados aos seus funcionários neste período de pandemia – algo que ocorreu após reclamações deles sobre tais condições em meados de março -, fato esse que chegou a ser apontado pelo próprio Jeff Bezos como motivo pelo qual os acionistas poderiam esperar lucro zero nesse período.

Este crescimento aqui foi impulsionado pela utilização da plataforma nas duas pontas: muitos, em casa, passaram a comprar mais por ela e, outros, que não tinham como oferecer seus produtos de outra maneira, passaram a fazê-lo por meio de seu marketplace.

Apple

O efeito para cima na empresa da maçã veio por meio das receitas: os analistas esperavam um faturamento de US$52,25 bilhões, mas a realidade trouxe à tona: US$59,69 bilhões nesta cifra, impulsionados pela aquisição de computadores (que tiveram alta de 21,6% em relação ao ano anterior) e dos devices Apple Watch e HomePod (que juntos representaram um aumento de 16,7% ao mesmo período do ano passado).

Resultado? Após tal divulgação a empresa voltou ao posto de maior do mundo em valor.

Microsoft

A empresa criada por Bill Gates e que passa por uma verdadeira revolução nos últimos anos encaminhada por Satya Nadella não ficou de fora: neste caso tivemos um aumento da demanda por serviços de nuvem, sendo que o produto deles nesta área, o Microsoft Azure, sozinho conseguiu um faturamento de US$50 bilhões – o que representa parte considerável dos US$143 bilhões deste ano até o fechamento do segundo trimestre. Ainda, começam os rumores de uma possível compra da Tik Tok, aplicativo chinês que bombou no período que coincide com a pandemia em todo o mundo.

Google (Alphabet)

O rei dos buscadores não ficou de fora da festa: mesmo com uma queda nas receitas na ordem de 2% (de US$38,9 bilhões no segundo trimestre de 2019 para US$38,3 bilhões no atual), queda essa que é a primeira em 16 anos, os resultados ficaram acima do esperado também em função de uma utilização maior de anúncios em meio a pandemia. De fato, das FAAMGs, parece ter sido a que teve menor destaque explosivo em resultados do segundo trimestre – mas ainda assim segue como líder absoluta no que faz e, diante de tantos setores que seguem se recuperando, segue resiliente.

O que os ativos reais têm a ver com isso?

Absolutamente tudo. Novamente: em um ano como o que vivemos atualmente é difícil justificar seu negócio estar de fora das redes, ainda que seja simplesmente de alguma plataforma de mensagens. A frase “se você não está na internet não está em lugar nenhum” nunca fez tanto sentido quanto agora.

Os negócios que souberam – ou estão aprendendo – se inserir nessa realidade que, cá pra nós, já vinha ocorrendo nos últimos anos, sairão melhor dessa crise do que entraram. Lembremo-nos por exemplo de dois casos brasileiros de sucesso nessa direção: a WEG, empresa de motores industriais que vem abraçando a digitalização e ampliando seus mercados nos últimos anos e a Magazine Luiza, cujo presidente afirmou cerca de um ano atrás que o objetivo da empresa era justamente digitalizar o varejo no Brasil. No final, a economia real se transformou em definitivo.

Importante lembrar também de como negócios que alguns anos atrás sequer existiam hoje são impulsionados pela tecnologia: hoje é possível até investir em royalties musicais, estes que têm seu rendimento vinculado a todas as vezes em que alguém ouve música em um show ou dá play em algum serviço de streaming. E se há interesse? Na recente operação da Hurst Capital a captação se esgotou em apenas um dia.

O negócio em que você trabalha ou desenvolve terá cada vez mais inserção digital. O título deste artigo evoca uma velha marchinha de carnaval para uma realidade absurdamente atual: atrás da tecnologia só não vai quem já morreu.

Caio Augusto

Formado em Economia Empresarial e Controladoria pela Universidade de São Paulo (FEA-RP), atualmente cursando o MBA de Gestão Empresarial na FGV. Gosta de discutir economia , política e finanças pessoais de maneira descontraída, simples sem ser simplista. Trabalha como diretor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo e arquiva suas publicações no WordPress Questão de Incentivos. É bastante interessado nos campos de políticas públicas e incentivos econômicos.
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