Moeda e seus riscos: como isso afeta seus investimentos

Em um ano como 2020 a pergunta “o que não perdeu valor?” parece ser tão complicada de responder que, possivelmente, a resposta seja “o dinheiro que deixei parado no banco”. Neste artigo de hoje, em parceria com a Hurst Capital, você vai descobrir que, na verdade, esse dinheiro também perdeu valor.

Comecemos com uma indagação um pouco filosófica: o que faz o dinheiro ter valor? Até a década de 1970, o que fazia com que o dinheiro tivesse valor era sua garantia em reservas de ouro que um país tinha. Na prática, o famoso padrão ouro significava que a emissão de moeda de um país teria um certo lastro e não poderia se expandir para além disso.

Hoje, todas as moedas emitidas por entidades centralizadas estão sujeitas puramente a uma confiança de que exista valor transacional por parte delas, mas não há valor intrínseco ou que possa ser lastreado em algum metal, por exemplo. Pelo lado negativo, a expansão da moeda agora não tem um porto seguro facilmente utilizável para se guiar. Pelo lado positivo, há uma possibilidade mais ampla de, por meio de expansão ou retração monetária, fazer política econômica que reaja a mudanças na economia. 

Os Bancos Centrais, assim, ficaram muito mais poderosos.

Essa movimentação no volume disponível de moeda – e, consequentemente, nos níveis de preços disponíveis – é realizada pelos Bancos Centrais da seguinte maneira: quando da ocasião de um choque econômico que reduza a liquidez da economia (como vimos em 2008 e como estamos observando na atual crise do coronavírus), são injetados recursos para que o sistema não venha a colapsar, o que se convencionou chamar de Quantitative Easing (ou QE); em “tempos de paz”, esses recursos vão sendo pouco a pouco retirados da economia para que as transações voltem a ocorrer sem que essa necessidade se faça presente.

Um aspecto que não pode ser esquecido no meio do caminho é que essa expansão monetária, em algum momento do tempo, irá fazer seus efeitos sobre a economia real desvalorizando o preço dos ativos em termos reais – ou seja, a clássica inflação vem cobrar a conta desse esticar de liquidez.

Em teoria, essa movimentação é bastante prática e direta. Mas, na prática, desde 2008 vivemos em um mundo que não dá mais coordenadas tão claras e objetivas sobre isso. No período compreendido entre 2008 e meados de 2017, taxas de juros em boa parte do mundo desenvolvido (EUA, Europa e Japão) estavam nas proximidades de zero como maneira de estimular a liquidez na economia. Entre 2017 e 2019, ao menos nos EUA, uma reversão deste cenário começou: a taxa de juros viu pequenos aumentos e, assim, parte da enorme liquidez colocada na economia começava a ser retirada dela. Porém, com uma desaceleração que já vinha sendo sinalizada no mundo desenvolvido desde o terceiro trimestre de 2019, somada ao impacto que o coronavírus nos trouxe, voltamos a ver no mundo todo um incentivo a essa injeção maior de liquidez.

Não é preciso entrar em todo o ferramental técnico-econômico para explicar o que ocorre na atual circunstância. Os balanços dos Bancos Centrais, que já estavam em tamanho elevado pela liquidez que injetaram na economia, tiveram um pequeno alívio nos últimos três anos mas já voltaram a acumular novas extensões – dessa vez, inclusive os dos países em desenvolvimento.

Levando em consideração que estamos há um período não desprezível de tempo esticando o tamanho dos Bancos Centrais, voltemos a pergunta do início deste artigo: o que faz o dinheiro ter valor real?

As teorias sobre o dinheiro

Existe uma teoria econômica chamada Modern Monetary Theory (ou simplesmente MMT) que tenta entender esse fenômeno ocorrido há mais de uma década, que permite até então aumentarem os balanços dos Bancos Centrais de maneira considerável sem que o efeito inflacionário venha se fazer presente. Dentre outros pontos que essa teoria busca compreender, um tem causado certa polêmica na discussão econômica: em certas condições, não haveria problema de se aumentar indefinidamente os balanços dos Bancos Centrais e nem a dívida, porque o efeito inflacionário não causaria mais danos.

O valor real que o dinheiro tem é colocado cada vez mais a prova em momentos como o atual. Bancos Centrais de todo o mundo, ao garantir liquidez suficiente para a economia se manter de pé, expandem seus balanços fazendo-nos questionar: em que momento a inflação virá fazer uma grande correção sobre tudo isso? Ou, caso isso não aconteça, no que se tem real valor então?

Após toda essa reflexão o leitor provavelmente já entendeu que, de fato, a pergunta “o que não perdeu valor em 2020?” não tem como resposta adequada “o dinheiro que ficou parado”, porque mesmo que ainda não existam grandes efeitos inflacionários advindos da enorme expansão monetária que tem ocorrido desde 2008 (com destaque para o entorno daquele ano e também para as fortes movimentações de 2020), essa expansão imensa nos meios de pagamento ao redor do mundo não se dá efetivamente sem custos.

Enquanto se aguarda a chegada inflacionária – ou mesmo um novo momento econômico em que esse custo inexista de verdade -, é importante ressaltar que os ganhos reais em investimentos estão justamente nos ativos reais. Precatórios, por exemplo, são lastreados com base na receita real auferida pelo Estado em um determinado período de tempo. São diferentes de tantos outros ativos ao redor do mundo hoje (como as ações) que podem estar adquirindo valor apenas em virtude do aumento da liquidez na economia e não necessariamente por maior valor atribuído.

Recentemente uma capa da The Economist colocou em questionamento justamente este descolamento entre os ativos financeiros em Wall Street e a economia real. Os primeiros, que em março viram uma queda vertiginosa, observaram em abril (e seguem observando agora) ganhos que parecem não ter relação alguma com a economia real, esta que observa perdas e números negativos tão notáveis quanto os vinte milhões de norte-americanos que perderam seus empregos apenas no quarto mês do ano.

Melhor do que aguardar os efeitos práticos de uma desvalorização imensa advinda da moeda é considerar o investimento em ativos reais. 

Pense nisso quando for fazer novos investimentos.

Caio Augusto

Formado em Economia Empresarial e Controladoria pela Universidade de São Paulo (FEA-RP), atualmente cursando o MBA de Gestão Empresarial na FGV. Gosta de discutir economia , política e finanças pessoais de maneira descontraída, simples sem ser simplista. Trabalha como diretor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo e arquiva suas publicações no WordPress Questão de Incentivos. É bastante interessado nos campos de políticas públicas e incentivos econômicos.
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