Bolsonaro, pesquisas e mentiras

Há pouco mais de um ano, o economista Seth Stephens-Davidowitz lançou um livro com um sugestivo título: “Todo Mundo Mente”. Nele, Seth explora massivas bases de dados com as pesquisas que os usuários fazem no Google e mostra como esses dados podem ser muito mais reveladores sobre como as pessoas agem do que as pesquisas baseadas em entrevistas. A razão para as pessoas serem sinceras com o Google é trivial: quem não revela o que procura, não encontra.

Já os motivos que levam as pessoas a mentirem nas pesquisas com entrevistas, são diversos e vêm sendo estudados há tempos. Uma das explicações é o chamado viés de desejabilidade social, que faz as pessoas responderem aquilo que é socialmente mais aceitável, ao invés daquilo que elas realmente pensam ou fazem.

Dessa forma, comportamentos socialmente tidos como “bem vistos” são superestimados na pesquisa. O livro é profícuo em exemplos desse fenômeno mundo afora. Mais notável, talvez possa ser a completa falha dos institutos de pesquisa em preverem a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas de 2016.

É interessante pensar em que medida esse mesmo fenômeno pode estar se manifestando por aqui. Entre os pré-candidatos em liberdade, aquele que vem liderando as pesquisas não é (e não faz questão de ser) socialmente bem visto. Portanto, é possível que a vantagem de Bolsonaro sobre os demais seja maior do que a que os institutos de pesquisa indicam, como veremos.


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Segundo a última pesquisa CNI/IBOPE, Bolsonaro tem 17% das intenções de voto. Quando examinamos os dados desagregados por gênero, vemos que 24% dos homens declaram intento de votar nele, contra apenas 10% das mulheres. Dado que o candidato é muitas vezes retratado como machista, essa diferença não chega a ser surpresa, mas talvez esses números mostrem apenas parte da realidade. É possível que as mulheres estejam escondendo o jogo.

Jair Bolsonaro nunca disputou uma eleição para cargo executivo, mas seu filho, Flávio, concorreu nas últimas eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro, em 2016. A similaridade das plataformas e a consanguinidade permitem ver o filho como uma boa aproximação do pai em termos de, digamos, desejabilidade social.

Com base nos dados da votação de Flávio nas diferentes seções eleitorais, e o perfil dos respectivos eleitorados em termos de idade, escolaridade, estado civil e, é claro, gênero, é possível inferir-se que, tudo mais constante, a propensão de uma mulher a votar em (um) Bolsonaro é dois terços da propensão de um homem, ou 67%. Considerando-se que 24% dos homens votarão em Jair, seria de se esperar que 16% das mulheres também o fizessem, e não apenas 10%. Esses seis pontos percentuais a mais entre a metade feminina do eleitorado o levariam a 20% do total de votos.

Mas e se não forem apenas as mulheres a ludibriarem os institutos de pesquisa? Novamente usando o caso de Flávio como referência, a subestimação de sua votação nas pesquisas teve uma magnitude muito maior do que o exercício anterior indica. Na véspera do primeiro turno, três institutos divulgaram pesquisas. Em dois deles, Flávio aparecia com 8% das intenções de voto, enquanto o terceiro registrava 7%. Na apuração final, ele teve 14%. Partindo-se do pressuposto de que as pesquisas foram conduzidas corretamente, pelo menos três em cada sete estavam guardando segredo quando responderam aos pesquisadores, dentre os quais, muitos homens certamente.


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Voltando à pesquisa CNI/IBOPE, outro dado que chama a atenção são 33% de votos nulos e brancos. Se esse número se confirmar nas urnas, bastará um pouco mais que um terço dos votos para que um candidato saia vencedor no primeiro turno. Diante a impossibilidade de se saber ao certo qual é o tamanho do eleitorado bolsonarista, é leviano presumir que ele esteja longe desse patamar.

Alguns pré-candidatos de outras correntes políticas têm declarado que só pensarão em composições e alianças no segundo turno. Esses podem ter uma surpresa desagradável, mas que talvez lhes seja uma lição valiosa sobre pesquisas de intenção de voto. Mutatis mutandis, é como o Dr. House, protagonista da série homônima, disse certa vez: “eu não pergunto por que os pacientes mentem, eu só assumo que todos eles mentem”.

  João Marco Cunha É doutor em engenharia elétrica pela PUC-RJ e mestre em economia pela FGV.  
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