Ceteris Paribus e as análises (erradamente) certeiras

Com a reforma da previdência aprovada, o dólar irá para R$3,60.

Com Jair Bolsonaro eleito, teremos dólar abaixo de R$3,50.

As duas situações acima aconteceram e não vimos o dólar cair. Na verdade, ele tem superado recordes de alta e seu novo normal é estar (bem) acima dos R$4,00, a marca temida ainda que em termos nominais. Todos os economistas estão errados? As previsões não passavam de mero wishful thinking?

Nem um, nem outro. A culpa real é de colocar o Ceteris Paribus na frente de tudo.

Ceteris Paribus é um termo na economia que significa “tudo mais constante”. Na prática, é utilizado para estudar o efeito da mudança em outro, levando em consideração que todos os outros permaneçam iguais. É quase como a desconsideração do vácuo ou do atrito em exercícios de física para entender.

Discutimos aqui anteriormente que é preciso abandonar os dogmas e o desejo de que algo aconteça do que a realidade, os fatos e tendências realmente estão querendo dizer. Agora este que aqui escreve faz um novo apelo: tenha sempre muito cuidado com previsões certeiras sobre o que não se consegue realmente prever (ou estude em quais condições aquela previsão foi feita). Em um mundo em que se busca a todo momento atrair cliques, uma manchete com previsão bombástica nem sempre contém um artigo ou reportagem que trate sobre a realidade.

A crítica aqui em relação ao Ceteris Paribus não se dá pelo fato de que ele seja simplista demais. No fundo, realmente é muito mais complexo (e menos apresentável) analisar cenários levando em consideração todos os aspectos em conjunto que mudam com frequência dentro da economia e, sim, é muito mais simples considerar o efeito da mudança de um indicador em outro. Porém, é preciso verificar o que existe entre um fator e outro para realmente confirmar que se tem causalidade entre suas variações.

Para não parecer que falei grego no parágrafo anterior, vamos pegar novamente o exemplo do dólar. Em termos mais amplos, o que faz a cotação do dólar aumentar ou diminuir é a direção dos fluxos financeiros de entrada e saída em relação ao que se tem da moeda por aqui. Reformas estruturais tocadas por aqui ajudam a atrair fluxo de capitais?

Sim. Mas não é o único grande fator a influenciar esse fluxo. Nossa política monetária atual, que nos trouxe a menor Selic da série histórica também influencia, mas no sentido oposto: o dinheiro que vinha de fora apenas ganhar nos juros reais por aqui (também conhecido como carry) está indo embora agora que temos juros reais abaixo de 1% ao ano. Previsões que só considerem um lado ou outro acabam por fugir da realidade – e mesmo as que consideram tudo ainda assim não acertam “na mosca”.

Em termos de apresentação de resultados a quem os aguarda ansiosamente – convenhamos, todos nós estamos nesse grupo -, é muito interessante quando conseguimos colocar relações diretas e sem muitas explicações razoáveis para fatores que as pessoas podem verificar no dia a dia (como a cotação do dólar). Porém, sempre se questione quando verificar uma previsão direta como essas não meramente se “trata-se de bom economista ou não”, mas sim sobre quais bases ele trabalha para afirmar que aquilo seria possível mesmo de ocorrer.

Iniciou-se o artigo tratando de questões diretas que supostamente, sozinhas, impactariam fortemente a cotação do dólar. Mas neste campo de previsões das quais se deve sempre questionar a origem também estão “a reforma trabalhista gerará seis milhões de empregos”, “a MP da liberdade econômica irá gerar 3,7 milhões de empregos” e “após a reforma previdenciária dezenas de bilhões de reais em investimentos externos ocorrerão”. Nada contra as previsões serem feitas e terem inclusive uma mensuração (o que parece ser mais crível do que meramente dizer que “a situação vai melhorar bastante”), mas não esqueça sempre de questionar ou pesquisar qual a origem desse tipo de previsão.

Para além de qualquer previsão “positiva porque agrada e pode estimular” prefiro realmente acreditar que isso tudo ocorre porque prefere-se crer em efeitos diretos entre fatores que não tem necessariamente isso. Peca-se, a meu ver, mais por ingenuidade e falta de conhecimento do que por real maldade.

Ainda assim, lembre-se sempre de procurar o que originou um dado tão direto quando “a cotação do dólar após aprovação de tal reforma”. Em primeiro lugar porque ninguém sabe com certeza pra onde o dólar vai e, em segundo, porque o mundo não é tão preto no branco quanto esse tipo de previsão costuma levar em consideração. Agora que você sabe o que significa Ceteris Paribus, lembre o quanto ele pode fazer diferença sobre alguma previsão (erradamente) certeira.

Caio Augusto, editor do Terraço Econômico, assina este artigo

 

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