Você no Terraço | por Caio Augusto de Oliveira Rodrigues
Um pouco de história sobre o setor de telecomunicações, em voga pela questão da limitação de internet banda larga fixa pretendida pelas operadoras: o setor de telecomunicações brasileiro tem seus primeiros registros na década de 1950, quando cerca de 1000 empresas pequenas de capital privado se espalhavam pelo país. Não existia ganho de escala, o serviço era local e bastante limitado. Percebendo a importância de se gerar ganhos de escala neste setor – uma vez que ele é responsável por otimizar a comunicação e diminuir os custos de transação da economia como um todo –, o Estado institui o Código Brasileiro de Telecomunicações (em 1962) e, com ele, um aparato estatal de apoio ao setor. Em 1972, surge a Telebrás, que une 95% das empresas antes privadas a um sistema de capital misto (majoritariamente público), criando uma empresa de telefonia para cada estado do país. Durante os anos 1970 a base telefônica no país fora expandida fortemente, porém, com o revés econômico da década seguinte, começa a ser questionado tal modelo de financiamento. Após observação plena da falta de sustentabilidade do sistema – dado que, por exemplo, uma linha telefônica custava cerca de US$5000,00, demorava mais de 12 meses para ser instalada e inclusive havia uma longa fila para quem quisesse instalar o serviço –, decide-se em 1996 que a privatização seria o melhor caminho (fato que ocorreu com leilões em 1997 e 1998). Quando da privatização, o Estado troca de fornecedor para regulador desta atividade: surge a figura da Anatel. Auxiliando as empresas, o setor público segue emprestando recursos (via BNDES) a este setor cada vez mais concentrado.
Muito se questiona sobre o porquê da decisão recente da Anatel de endossar a atitude de algumas operadoras de banda larga fixa a limitar o oferecimento de seus planos a franquias. Há pelo menos duas respostas para esta ocorrência: primeiramente, temos que, na busca pela formação de uma base de empresas de telecomunicação que possam apresentar ganhos de escala, usam-se recursos públicos subsidiados (leia-se: recursos do BNDES) para auxiliar nos planos de investimento das maiores empresas (Vivo, Tim, Claro e Oi controlam o setor, com um market share de 98,3% atualmente [1]). Em segundo lugar, a predominância do modelo de “grandes empresas garantindo acesso a todos” desde os primórdios da privatização: foram vendidas as empresas de telefonia fixa e móvel de cada um dos estados em 1997/98, segurou-se o “duopólio estadual” até 2001 para que estas pudessem ter ganhos de escala – período em que o BNDES concedeu os chamados “empréstimos-ponte”, para que se ampliasse a infraestrutura e, a partir desse ano, foi permitido que as empresas se unissem (e então surgiram os conglomerados que conhecemos hoje, com inclusive a Brasil Telecom, que posteriormente fora adquirida pela Oi).
Não, a questão está longe de ser o “capitalismo que oprime a todos nós” e nem “o capital financeiro internacional que fez parte da compra das empresas” (afinal, apenas relembrando o que já fora dito: antes da privatização o custo de se ter um telefone era altíssimo e demorado, o que está longe de ser a realidade atual), mas sim a estrutura de mercado que se colocou desde o momento da privatização e os incentivos públicos direcionados a esta estrutura.
De maneira mais clara: o que a Anatel permitiu foi que este setor realizasse a passagem de um precário setor público de uma só empresa (a Telebrás era controladora de cada empresa estadual) para um cenário em que a expansão do serviço foi extraordinária e melhorou muito a vida das pessoas, mas as deixou refém de um reduzido número de empresas (ou melhor dizendo: um oligopólio privado). O oligopólio é a representação prática de um mercado em que poucos agentes produtores e/ou prestadores de serviço têm poder de mercado suficiente para determinar os preços – o que é bem diferente do que se pretende com qualquer privatização, que é fomentar a competição entre as empresas e beneficiar o consumidor que delas se utiliza através justamente da briga por preços entre elas.
Trazendo a discussão para a realidade atual da proposta das operadoras que a Anatel endossa e que muito provavelmente será implementada, para o malefício de nós consumidores. A origem do problema é justamente essa concentração de mercado que foi permitida no período de privatização.
Trata-se de algo espantoso para a maioria dos cidadãos, que neste momento de leitura irão disparar que este que escreve é um lunático, uma vez que “o serviço é muito mais barato hoje”, “é bem mais fácil conseguir uma linha atualmente”, “o serviço privado é muito mais eficiente que o público”. Não discordo de nenhuma destas três afirmativas, aliás, concordo completamente com elas. Porém, a questão é maior do que a disponibilização do acesso em si: esta atitude das operadoras (que, aliás, algumas tem negado e outras não se pronunciam mesmo quando apresentam tal cláusula de limitação em seus contratos [2]) é uma clara demonstração do efeito negativo que se tem com a concentração deste mercado, que é nada menos que a sub-provisão de um serviço (com possível aumento proporcional de preço).
Para os que ainda estão incrédulos com a afirmação de que “não basta privatizar, também tem de abrir o mercado”, temos o caso da Romênia. Em um dos mercados menos regulados do mundo e, portanto, com menores níveis de barreira a entrada de novos ofertantes de serviço, há nove dentre as quinze cidades com internet mais rápida e mais barata em todo o planeta; isso ocorreu não por algum grande avanço tecnológico, mas sim pela livre entrada de ofertantes de serviço [3]. Enquanto isso, em nosso país, as barreiras burocráticas e regulatórias existentes estão longe de permitir que uma empresa com recursos e vontade de prestar serviços nesta área o faça livremente.
Há saída? Diríamos que o dano já fora feito previamente – com a proteção legal e o financiamento público aos grandes grupos –, mas não podemos descartar a possibilidade de que uma abertura de mercado possa reduzir o poder dos grandes players ao longo do tempo. Afinal, serviços independentes como o Whatsapp e a Netflix vem tirando o sono das grandes empresas de telecomunicação brasileiras há algum tempo e, se até na Romênia, cujo regime era culturalmente fechado ao extremo houve essa melhoria (durante a ditadura comunista de Nicolae Ceausescu o país só tinha acesso a informação e cultura diferentes do que propagava o regime em que viviam por meio de fitas VHS de filmes norte-americanos dubladas em solo romeno [4]), não podemos descartar que, em um país com grande infraestrutura instalada (apesar de suas deficiências de sinal) como é o nosso caso, essa melhoria possa ocorrer. A questão é bastante delicada – uma vez que envolve até uma possível cartelização [5] –, mas pode sim ser revertida com a redução das barreiras a entrada de novos agentes no setor de telecomunicações.
Caio Augusto de Oliveira Rodrigues – Bacharel em Economia Empresarial e Controladoria (habilitado em Economia, com ênfase em Políticas Públicas) pela FEA-RP/USP.
Referências [Abordagem histórica do texto] A abordagem histórica utilizada no texto todo tem como base a seguinte publicação acadêmica: https://uspdigital.usp.br/siicusp/cdOnlineTrabalhoObter?numeroInscricaoTrabalho=485&numeroEdicao=22&print=S [1] http://www.teleco.com.br/mshare.asp [2] http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/04/14/veja-quais-os-planos-de-sua-operadora-para-o-limite-da-internet-fixa.htm [3] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2384 [4] A história completa deste caso é descrita no documentário “Chuck Norris vs. Communism” – https://www.youtube.com/watch?v=WhZY0gjjRkc [5] http://gizmodo.uol.com.br/unicel-acusa-anatel-e-operadoras/