Coronavírus e os controles positivos da população: por que Malthus estava errado?

O Convid-19 (popularmente conhecido como novo coronavírus) está se espalhando pelo mundo. Já se sabe que existem mais casos fora da China do que dentro. Apesar das mortes causadas em quase todos os continentes, não existe tratamento específico para o tratamento do infectado.

Além da China, outros 52 países já registraram casos de infecção por coronavírus incluindo o Brasil. Só em Hubei (epicentro do vírus) já conta com mais de 2,2 mil mortos pela doença. A OMS emitiu um alerta sobre o risco desse vírus tornar-se uma pandemia global. Por enquanto, o vírus é tratado como emergência de saúde pública de preocupação internacional.

Diante esse cenário alarmante, para dizer o mínimo, a história da ciência econômica nos presenteia com personagens que viriam com bons olhos essa quase pandemia. As ideias que moldam a economia nem sempre são amistosas. Algumas vezes, no lugar da opulência e do progresso, encontramos uma perspectiva desalentadora e descarnada. 

O pensamento de Thomas Robert Malthus surge como pano de fundo para diversos assuntos sensíveis aos olhos de muita gente como, por exemplo, crescimento e controle populacional, controle de natalidade, restrições morais, abstinência sexual, etc.

Mas afinal, quem foi Thomas Malthus?

Thomas Malthus foi um economista inglês que desenvolveu importantes contribuições para os estudos demográficos. Nascido na época clássica da economia, tornou-se pastor anglicano em 1797 e estabeleceu íntimo diálogo com  o economista David Ricardo.

As ideias malthusianas estão alicerçadas no controle do aumento da população. A miséria que infesta a sociedade ocorre não em virtude das más instituições humanas, mas devido a capacidade de proliferação da raça humana. Em sua obra mais influente (An essay on the principle of population as it affects the future improvement of society) Malthus decide demonstrar isso.

O pensamento malthusiano foi desenvolvido numa época duríssima para as classes mais baixas da sociedade. A inglaterra do século XIX passava por grandes transformações sociais em virtude da lei dos cereais (a famosa Corn Laws) em que o governo britânico impunha altas tarifas à importação de cereais e a Revolução Industrial que promoveu uma urbanização desenfreada.

Malthus argumenta que a população aumenta a taxa de 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64 e assim por diante, enquanto os meios de subsistência aumentam, na melhor das hipóteses, somente a taxa de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7. Ou seja, para Malthus, a população aumenta geometricamente enquanto os meios de subsistência aumentam, na melhor das hipóteses, aritmeticamente. A este fenômeno ele deu o nome de lei da população.

A miséria humana é uma consequência inevitável dessas duas leis. Para diminuir esse futuro sombrio, Malthus propôs duas formas de controle populacional: preventivos e positivos.

Os controles preventivos de crescimento da população são aqueles responsáveis pela redução da taxa de natalidade. As pessoas que não pudessem sustentar seus filhos deveriam adiar o casamento ou nunca casar. Essas restrições morais, segundo Malthus, eram os controles mais eficientes.

Os controles positivos da população [1] são aqueles que aumentam a taxa de mortalidade. Esses controles são a fome, a miséria, a praga e a guerra. Esses males eram necessários para limitar o tamanho da população.

Se os controles positivos pudessem ser superados (isto é, não haver mais guerras, fossem erradicadas todas as doenças infecciosas e uma distribuição de renda tão eficaz que não restaria pessoas famintas no mundo) as pessoas enfrentariam fome devido ao aumento populacional que faria pressão sobre a oferta de alimentos. Essa oferta, como foi dito nos parágrafos anteriores, cresce lentamente comparada ao crescimento populacional.

Se Malthus estivesse vivo hoje, certamente diria que o coronavírus é um controle positivo da população e louvaria tal doença. Essa conclusão parte dos próprios escritos do autor britânico em seu Essay on the principle of population de 1817:

“[…] Todas a crianças nascidas além do que seria preciso para manter a população nesse nível devem, necessariamente, morrer, a menos que seja aberto espaço para elas pelas mortes de adultos […] Para agir de maneira consistente, portanto, deveremos facilitar, em vez de tentar, de maneira tola e em vão, impedir as operações da natureza para produzir essa mortalidade […] Mas, acima de tudo, devemos reprovar remédios específicos para doenças avassaladoras e aqueles homens benevolentes, mas muito enganados, que estavam fazendo um serviço para a humanidade projetando esquemas para a total extirpação de determinadas doenças.” 

E por que Malthus estava errado?

Bem, comecemos pelo básico. A base empírica de Malthus é bem frágil. A ideia de que a população cresce em progressão geométrica e os meios de subsistência em progressão aritmética é derivada da observação que o autor fez dos Estados Unidos do começo do século XIX. No entanto, se de fato ocorresse isso, as conclusões seriam diferentes daquelas expostas por Malthus.

Se com uma população maior existem mais bocas para serem alimentadas, por outro lado existem mais mãos e pés para produzir e mais cabeças para pensar. As pessoas começarão a se especializar naquilo que são mais eficientes, naquilo que possuem maior vantagem comparativa em relação aos outros.

Com essa especialização, o trabalhador torna-se mais produtivo e gera mais valor para a sociedade resultando assim um aumento no padrão de vida. Façamos uma comparação com o passado e a conclusão é clara: com o aumento da população, aumentou-se também a prosperidade e, ao contrário do que argumentava Malhus, uma diminuição da pobreza.

Na imagem abaixo, notamos que na época das guerras napoleônicas (começo do século XIX) quase toda a humanidade vivia na extrema pobreza. Com o passar das décadas, esse número foi reduzido concomitante ao aumento do número de pessoas que são estão situados na extrema pobreza.

Na metodologia utilizada, estão na “extrema pobreza” as pessoas que possuem um consumo diário de até US$1,90 por dia. (Valor ajustado para diferentes realidades de preço dos países e para a inflação).

A partir da segunda metade do século XX, houve um considerável aumento do número de pessoas que não estão situadas na extrema pobreza. Muitos foram os fatores para tal progresso (que vão desde o término da segunda grande guerra até o florescimento do capitalismo em nações que antes não o deslumbrava) mas gostaria de ressaltar um: a Revolução Verde.

Com o aumento da produtividade do solo devido às inovações tecnológicas no início da década de 1960, o mundo presenciou uma expansão significativa nas áreas cultiváveis. Os defensivos agrícolas (fertilizantes, inseticida, herbicida, etc) tornaram os solos mais férteis e o controle efetivo de pragas permitiu a intensificação das lavouras.

Devemos encarar o coronavírus não como “resultados e leis naturais inevitáveis” como argumentava Malthus em relação às doenças que possuem um potencial pandêmico. A equipe de pesquisadores que descobrir algum tratamento efetivo para os infectados pelo vírus, deve ser lembrada na história da medicina como os salvadores e não como algozes da humanidade.

Maxwell Marcos

Estudante de graduação do curso de Economia pela Universidade de Taubaté. Apreciador das obras de Nelson Rodrigues e Theodore Dalrymple, acredita que o papel de uma Universidade é criar uma elite intelectual que discuta os problemas do país ou se possível da humanidade.

Notas:
[1]- MALTHUS, Thomas. “Essay on the principle of population”, 1817.

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