Se tem um problema no Brasil que é apartidário é a baixa produtividade. Independentemente do período que você resolva analisar, pelo menos desde a redemocratização, o resultado vai ser mais ou menos o mesmo: ruim. Isso quer dizer que a renda per capita do brasileiro (que é uma medida de quanto a gente produz de riqueza por cada habitante) vem patinando e, apesar dos investimentos, não temos evoluído se nos compararmos a países desenvolvidos, como os EUA. Isso é um problema que tem sido comum a todos os países emergentes, mas a situação do Brasil é ainda pior.
Os livros-texto de economia elencam três ingredientes na receita do bolo da produtividade: o tamanho da força de trabalho (ou seja, a quantidade de pessoas disponível para trabalhar), a qualidade dessa força de trabalho (medida normalmente em anos e estudo dessa população) e o capital físico instalado (quantidade de máquinas e outros bens de produção). Desde os anos 90, o Brasil tem aumentado esses ingredientes. Portanto, era esperado que a nossa produtividade aumentasse na mesma proporção. Mas isso não ocorreu. O problema para esse bolo ter desandado deve estar em como estamos misturando os ingredientes, ou seja, no cozinheiro.
Mas onde será que o cozinheiro está falhando? Será que estamos induzindo o investimento nos setores errados ou será que estamos investindo mal dentro dos setores produtivos? Provavelmente as duas coisas, mas ao contrário do que aconteceu com a China, onde havia um espaço enorme para ganho de produtividade através do deslocamento da força produtiva do campo para as cidades, no Brasil o processo de urbanização já é mais antigo. Com isso, há mais espaço para ganharmos produtividade melhorando a nossa eficiência produtiva dentro dos setores do que transferindo recursos de um setor produtivo para o outro.
Vários fatores fizeram a nossa produtividade estagnar. Entre eles podemos citar: uma legislação trabalhista que distorce as decisões de negócios (algumas coisas são feitas dentro ou fora das firmas, não porque faz sentido produtivo, mas devido a legislação), instituições pouco confiáveis (o que aumenta o risco, e consequentemente o custo de se investir no país) sistema tributário complexo e ineficiente, burocracia excessiva e uma infraestrutura muito precária. Esses problemas geram como consequências uma má alocação dos bens de capital, do capital humano e da nossa força de trabalho, aumentam o custo de entrada de novas firmas no país, elevam os preços dos insumos e dos produtos finais para o consumidor e por fim diminuem a nossa capacidade de produzir.
O que podemos fazer então para melhorar a nossa produtividade que reflete na riqueza da nossa população?
- Criar um ambiente de negócios que incentive a competição: o Estado brasileiro durante muitos anos, nos diferentes governos, serviu como muleta para firmas improdutivas, dando uma série de benefícios para empresas que não ficariam em pé sem eles. É claro que temos que nos preocupar com a geração de empregos, mas será que é justo que toda a população pague para manter vidas empresas que dariam prejuízo e iriam a falência não fossem os benefícios que conseguem do governo?
- Diminuir a burocracia, o custo de se fazer negócios e facilitar o comércio: Podemos citar várias pequenas ações, que sozinhas podem não chamar atenção mas que em conjunto mudam muito a realidade do empreendedor brasileiros: simplificação dos procedimentos de conformidade tributária e obrigações acessórias (unificando com os Estados); criação do E-Social e da nota fiscal eletrônica de serviços; facilitação da abertura e fechamento de empresas (REDSIM); criação de um portal único de comércio exterior; duplicata eletrônica; cadastro positivo de crédito; lei de recuperação judicial; letra imobiliária garantida; lei de patentes, entre outras pequenas medidas para fomentar grandes negócios (com o perdão do trocadilho infame).
- Reduzir a má alocação de capital: A Reforma Tributária é fundamental nesse ponto. A nossa legislação tributária leva a várias distorções que prejudicam a produtividade. Há distorções de todos os tipos: distorções geográficas (devido a guerra fiscal entre os Estados empresas são construídas não onde seria a vocação natural, mas onde há maiores benefícios fiscais), distorção no tamanho das firmas (por questões tributárias, os empresários decidem fazer dentro das firmas, ou seja, aumentar a verticalização, em áreas que faria mais sentido fazer fora das firmas, ou vice versa). Além da Reforma Tributária, outro ponto fundamental para reduzir a má alocação do capital é mudar a forma de atuação do BNDES. A criação da TLP, em substituição da TJLP foi um passo importante nesse sentido. O BNDES deve atuar como banco fomentador do desenvolvimento oferecendo crédito para setores cujo desenvolvimento beneficia o país como um todo (como por exemplo o de tecnologia de ponta e inovação), mas não um crédito absurdamente barato que nada mais é do que um presente. É importante também que esse crédito seja concedido de maneira horizontal e transparente e não para escolhidos como “campeões nacionais”.
- Diminuir a má alocação do trabalho: A polêmica reforma trabalhista deu um importante passo nesse sentido. Ao contrário do que se falou, o objetivo não é precarizar o trabalho, mas sim reconhecer situações que já existiam na prática e facilitar a formalização. A flexibilização melhora a produtividade porque faz com que as decisões de contratação ou demissão sejam tomadas em função do negócio, aumentando a produtividade como um todo. As leis da tercerização e da imigração (que tem caráter humanitário além de econômico) também são importantes para melhorar essa alocação.
- Melhorar a qualidade da força de trabalho: O Brasil investe muito dinheiro em educação, mas isso não significa que investe bem. Aumentamos a quantidade de anos na escola e também reduzimos o analfabetismo, mas a qualidade do ensino não melhorou da mesma forma. Existe ainda no Brasil uma grande resistência a avaliar e premiar as melhores iniciativas de ensino e os melhores professores, mas a criação de um sistema de incentivos poderia melhorar a qualidade do ensino. Hoje o bom e o mau professor recebem o mesmo salário, assim como a boa e a má escola recebem o mesmo tipo de investimento, com isso os agentes educadores não tem incentivo para melhorar a qualidade do ensino. Além disso, a forma de educar, bem como a escolha do que é ensinado não acompanhou a revolução tecnológica dos últimos anos. É fundamental para a produtividade preparar uma força de trabalho que possa lidar com o mundo informatizado.
Para concluir é importante mencionar que os benefícios de medidas que aumentam a produtividade são normalmente difusos, ou seja, para cada pequena coisa feita, todos ganham um pouco. As perdas, porém, tendem a ser concentrados em poucas empresas ou indivíduos ineficientes, que obviamente não querem perder seus privilégios. Por isso, aumentar a produtividade não é um caminho simples, pelo contrário, é árduo e duro, mas é necessário caso desejamos ser um país mais rico.
Renata K. Velloso Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia.Referências:
Palestra do secretário de promoção da produtividade João Manoel Pinho de Mello sobre esse assunto no Insperhttp://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/05/140519_produtividade_porque_ru
http://www.oecd-ilibrary.org/development/oecd-development-pathways_23087358