Economia narrativa: a linguística pode explicar a Grande Depressão?

Em 2013, Robert Shiller ganhou o Prêmio Nobel de Economia de 2013 “por sua análise empírica dos preços dos ativos”. Shiller é reconhecido, entre outras coisas, por questionar e aprimorar a hipótese dos mercados eficientes, que diz que os preços das ações negociadas na bolsa refletem todas as informações públicas disponíveis. O economista de Yale aponta, por exemplo, que as flutuações do mercado são grandes demais para tal hipótese ser plenamente verdadeira. Agora, Shiller destina seus estudos à importância das narrativas econômicas e no início de outubro de 2019, lançou o livro Economia Narrativa. Que história é essa?

Um encontro entre economia e linguística

Shiller discutiu as narrativas econômicas, em 2017, ao longo de um artigo de 56 páginas com o mesmo título: Narrative Economics. Ele define a área como “o estudo da disseminação e dinâmica das narrativas populares, as histórias, particularmente, de interesse humano e emoções (como essas mudam com o tempo), para entender as flutuações econômicas” [1]. Eu resumiria essa já concisa definição como “linguística aplicada à macroeconomia”.

Usando modelos básicos de proliferação de doenças virais, Shiller argumenta que ideias e conceitos se espalham da mesma maneira. Desde o cubo mágico até a curva de Laffer, ideias se espalham como epidemias. Assim sendo, podemos usar de equações diferenciais para estudar como as ideias se alastram e transformam a sociedade, desde que sejam devidamente adaptadas a esse novo contexto. Para a economia, isso deve ser especialmente útil para entender os ciclos macroeconômicos, em que o comportamento de um agente depende tanto do que ele acredita que outros agentes acreditam (expectativas).

No artigo, pergunta-se por que a economia moderna não é capaz de explicar satisfatoriamente crises como a Grande Depressão. Para Shiller, a resposta está parcialmente no fato de que os economistas não prestam atenção suficiente às narrativas importantes para pessoas comuns quando essas crises acontecem. Quando o fazem, geralmente, a atenção não é bem direcionada.

Por exemplo, economistas prestam pouca atenção ao ponto de vista das donas de casa enquanto a Grande Depressão estava em curso, embora gerenciar as compras domésticas fosse um trabalho quase exclusivamente feminino nos anos 20 e 30. Não entender como essas mulheres tomavam as decisões de compra significa não entender a lenta recuperação do consumo das famílias e as razões por trás da gravidade e duração da crise.

Economia e linguística: essa combinação faz sentido?

O que essas duas disciplinas têm em comum? O que elas podem ganhar aprofundando um diálogo quase inexistente até hoje? Alguém pode argumentar que tanto a economia quanto a linguística estão interessadas, em última instância, na tomada de decisão e interações entre pessoas, criando estruturas sociais complexas ao longo do caminho. Por esse motivo, as duas disciplinas têm muitas estruturas análogas e as ideias de uma delas podem ajudar a outra a se desenvolver.

Por exemplo, ambas obtiveram novos insights importantes da psicologia, com o desenvolvimento da economia comportamental, por um lado, e da linguística cognitiva, por outro. Pode-se até tentar colocar as duas disciplinas sob o guarda-chuva das ciências cognitivas. Quando a economia tenta ver a linguística como um objeto de estudo, temos a economia da linguagem. Seu objetivo é entender como as línguas que alguém fala – com todas as estruturas linguísticas subjacentes – afetam o comportamento econômico.

Um artigo controverso sobre esse assunto foi publicado na American Economic Review em 2013 [2]. Ele tenta associar uma demarcação mais forte da passagem do tempo na língua com um comportamento menos orientado para o futuro, ou seja, menor nível de poupança. Assim, foram despertadas críticas tanto de economistas, que apontaram falhas metodológicas, quanto de linguistas, que afirmou que o artigo simplifica demais estruturas complexas de linguagem. No entanto, o trabalho certamente tem mérito ao colocar este debate nos holofotes.

Do outro lado do universo da Linguagem & Economia, termo proposto em 2012 por dois economistas [3], a linguística também tenta estudar a economia em sua própria perspectiva. Parece que a maioria dos artigos com essa intenção faz uma análise textual de artigos e discursos econômicos, tentando entender como algumas escolhas comunicativas revelam ideias e concepções prévias que os economistas têm ao tentar entender o mundo [4].

Alguns especialistas em ambas as áreas apontam semelhanças entre a teoria linguística evolutiva e a teoria econômica evolutiva [5]. Em um processo comparável à evolução biológica, as línguas se desenvolvem de maneira adaptativa, o mesmo ocorre com instituições e comportamentos econômicos.

Linguística e tecnologia: processamento de linguagem natural

Há um interesse crescente no processamento de linguagem natural (PLN) aplicado à economia e finanças. Por exemplo, um problema prático seria como uma série de tweets polêmicos do Elon Musk afeta o preço das ações da Tesla? Em 2018, a primeira conferência sobre economia e PLN foi realizada em Melbourne [6]. Um dos nove trabalhos apresentados no evento trata exatamente da relação entre os sentimentos expressos no Twitter e as flutuações do mercado de ações.

O desenvolvimento de técnicas de PLN permite que economistas explorem vastos bancos de dados textuais. Até recentemente, isso era restrito a abordagens quantitativas ingênuas para o estudo da linguagem, o que ignora a complexidade da semântica. Isso pode ser e é explorado no mercado financeiro. Claramente, o desenvolvimento de novas teorias, como está fazendo Shiller, é necessário para que a economia aproveite ao máximo essa revolução. O que o futuro reserva para a economia linguística (ou seria linguística econômica?) Depende… da narrativa.

Tomás Aguirre

É estudante de Ciência de Computação na USP e medalhista da Olimpíada Internacional de Economia.

Notas

[1] Narrative Economics, Shiller, 2017.

[2] The Effect of Language on Economic Behavior, Keith Chen, 2013.

[3] How can Language be linked to Economics? A Survey of Two Strands of Research, Zhang & Grenier, 2012.

[4] Keywords: The New Language of Capitalism, 2018, John Patrick Leary.

[5] Evolutionary Linguistics and Evolutionary Economics, Hashimoto, 2006.

[6] Economics and Natural Language Processing, Association for Computational Linguistics, 2018.

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