Após o duro quadriênio que se abateu sobre a sociedade brasileira, a partir das turbulências verificadas nos governos Dilma/Temer, o ano de 2019 começa sob a administração de um novo governo, e com o novo governo, surge a expectativa de que a economia melhore e o progresso material seja restabelecido no Brasil.
Mas entre as expectativas e a realidade existe uma longa travessia de duras reformas, algumas importantes, outras urgentes. O governo novo começa a partir de problemas antigos, o processo eleitoral que elegeu o presidente Jair Bolsonaro, manteve o ambiente de polarização social exacerbado desde a eleição de 2014. Além da postergação excessiva da reforma da previdência, com a amplificação perigosa dos seus impactos fiscais, somado ao colapso financeiro de governos estaduais e municipais, e ao baixo potencial de crescimento da economia brasileira, herdada das distorções microeconômicas da política heterodoxa dos governos Lula/Dilma.
Os desafios são imensos, e em se tratando da conjunção de crises econômica e política, que se auto alimentam na medida em que os problemas não se resolvem, o relógio acaba assumindo a função da oposição. O economista que vos escreve, acompanhou in locu o nascimento e o desenvolvimento do governo Macri na Argentina, tal como aqui, o novo governo argentino nasceu a partir de um longo período populista, onde os problemas econômicos, a corrupção e o alastramento da pobreza, permitiram a eleição de um outsider em oposição à política dominante naquele país.
Três anos se passaram, e na ausência de reformas econômicas que controlassem a expansão dos gastos públicos, revisasse subsídios dados à setores empresariais, elevasse o nível de abertura econômica permitindo a ampliação da concorrência, entre outros problemas que existem por lá – como também existem no Brasil -; mas na ausência destas medidas, a economia argentina apresenta uma taxa básica de juros superior a 60% ao ano, inflação superior a 40%, além de acumular consecutivas maxi desvalorizações cambiais que derretem o valor da sua moeda e dos salários.
Esta breve introdução, com este paralelo acerca do que se passa hoje com a Argentina, ilustram o que se deve esperar para a economia brasileira em 2019, e talvez 2020, 21 e 22. Em outras palavras, se o governo não agir rápido, corrigir os problemas econômicos, para que as reformas tenham tempo de apresentar seus efeitos benéficos sobre a inflação, o emprego e os salários, corre-se o risco de que a própria ampliação destes problemas econômicos comprometam o entendimento político, o andamento das reformas que dependem de aprovação legislativa; projetando para o quadriênio 2019 – 22, o ciclo vicioso do quadriênio 2014 – 18.
O Brasil chega em 2019 com um déficit primário do setor público de 1,5% do PIB, ou R$139 bilhões previstos na LOA para o ano, além de um déficit nominal (quando se inclui as amortizações financeiras da dívida pública) superior a R$400 bi, ou o equivalente a 8% do PIB. Assim, o Brasil corre o risco de chegar em dezembro de 2019 com uma dívida pública de R$5.8 trilhões, ou o equivalente a 85% do PIB. Por esta razão, é preciso equilibrar a dosagem entre o otimismo e a prudência para formular as expectativas com relação ao ano que se inicia.
Tudo isto, em um mundo que deverá, na melhor das hipóteses, crescer menos no próximo biênio, alguns analistas internacionais inclusive, já preveem uma crise financeira global cujo epicentro é a economia dos EUA. Diante disto, só é possível compreender os desdobramentos futuros para a economia brasileira, a partir deste cenário dado, através da decomposição dos nossos vetores de crescimento, a partir do lado da demanda e da oferta.
1 – A economia pelo lado da demanda:Segundo a literatura de fronteira do conhecimento em macroeconomia, o crescimento de curto prazo se dá por componentes guiados pelo lado da demanda agregada, isto é, o consumo, o investimento, o comércio externo e a política fiscal. Diante disto, a demanda é amplamente influenciada pelo conjunto de políticas macroeconômicas (monetária, fiscal e cambial). Começando pelo consumo das famílias, vê-se ainda uma importante obstrução ao crescimento guiado por este componente, isto por que, o contingente de pessoas com dívidas atrasadas e restrições cadastrais que inviabilizam o crédito, ainda é grande, correspondendo em cerca de 59 milhões de pessoas. Diante disso, o consumo de bens duráveis e semiduráveis deve permanecer nos níveis baixos verificados em 2018. A boa notícia é que o consumo de bens correntes e não duráveis deve sofrer alguma elevação este ano, em função sobretudo da baixa inflação, do reajuste real do salário mínimo e da queda gradual do desemprego.
Já os investimentos, considerados pela literatura como o mais importante componente de demanda agregada, uma vez que este gasto desloca a curva de crescimento econômico da economia, não apenas no presente, mas também no futuro. Este depende da taxa de juros e também das expectativas acerca das condições econômicas futuras. A taxa de juros da economia brasileira, a SELIC, está em 6,5%, isto é o seu menor nível da história, com uma inflação de 4%. Temos uma taxa real de juros em 2,5%, isto demonstra que a política monetária – já excessivamente expansionista – terá pouco ou nenhum efeito sobre os investimentos. As expectativas, demasiadamente otimistas acerca do comportamento da economia em 2019, podem sim desencadear um novo ciclo de investimentos na economia brasileira, o problema é que expectativas se alteram com o decorrer do tempo, e o otimismo de hoje pode se transformar no pessimismo de amanhã, como no supracitado caso da Argentina. Para evitar a reversão de expectativas, é importante que o governo atue rapidamente com as reformas anteriormente mencionadas, e ganhe a confiança dos agentes.
A manutenção do atual estado de expectativas é crucial para o sucesso econômico do governo que nasce, principalmente em se tratando de uma conjuntura na qual os demais instrumentos da política macroeconômica estão obstruídos. O hiper endividamento do setor público inviabiliza a adoção de uma política fiscal expansionista, aumento de gastos públicos (sobretudo investimentos) ou corte de impostos, como em 2008 (em resposta à crise financeira). Já a política cambial, é prejudicada por um mundo que cresce menos, e que demanda menos dos nossos produtos, consequência de uma guerra comercial irresponsável entre a primeira e a segunda economias mundiais. Desvalorizações cambiais neste sentido, não produzem melhoras no saldo externo do país e, tão pouco, crescimento conduzido pelas exportações.
2 – A economia pelo lado da oferta:As condições pelo lado da oferta, que são os aspectos ligados à demografia e a formação da força de trabalho, também do capital que leva em consideração a infraestrutura física do país, além do crescimento da produtividade que é a métrica de produção a partir dos recursos dados, não exercem efeitos imediatos na economia. Uma agenda de fomento do crescimento pelo lado da oferta influencia nosso crescimento de longo prazo, dado que o perfil demográfico de um país não muda de um ano para o outro, incorporando novos trabalhadores no mercado de trabalho. Nem tão pouco, a taxa doméstica de poupança (que financia os investimentos e, portanto, na acumulação de capital) sofre alterações no curto prazo, as propensões a consumir e a poupar são constantes no curto prazo.
No que se refere à produtividade, esta se relaciona com políticas microeconômicas e fatores institucionais. Questões como qualidade da educação, grau de abertura econômica e concorrência incentivam a inovação, e a composição setorial da economia cuja predominância são a de setores com retornos crescentes de escala, como a indústria de transformação ou serviços de alto teor tecnológico que assumem o protagonismo de setores cujos retornos de escala são decrescentes, como a construção civil, o comércio e os serviços em geral. No Brasil, as condições educacionais, o marco regulatório da concorrência, os incentivos públicos à criação de monopólios via BNDES, a insegurança jurídica, tributação complexa e regressiva e a composição setorial, permanecem inalterados. Em outras palavras, pelo lado da oferta o Brasil precisa de um choque de capitalismo e simplicidade, sem o qual, todo o crescimento que surgir, será meramente momentâneo.
Para o ano de 2019, o desenvolvimento dos negócios pode melhorar gradualmente, a partir da consolidação da confiança nas reformas do governo, a indústria de transformação – setor que mais sofreu durante a crise recente – continuará tendo problemas, já que a capacidade ociosa e os estoques ainda são elevados, o setor externo é problemático para os setores exportadores, sobretudo no que se refere ao fraco desempenho econômico dos países do Mercosul. Já a construção civil, depende largamente da disponibilidade de crédito para o fomento de seus negócios, diante disto, pelas mesmas razões apresentadas nas perspectivas para o consumo de bens duráveis, o alto endividamento das famílias, somado à elevação dos juros voltados a financiar a casa própria no começo de janeiro, ainda produzem restrições pelo lado da demanda, ao crescimento mais vigoroso neste setor.
A boa notícia pode vir dos setores primário e terciário, a agropecuária que passou longe da crise dos últimos anos, deverá continuar puxando a economia brasileira para cima, sobretudo no que se refere ao setor de grãos, que devem apresentar um desempenho melhor do que o setor pecuário este ano. O horizonte começa a melhorar também para os setores de extração, principalmente o setor de petróleo e gás que deve se beneficiar tanto das políticas de saneamento da Petrobrás – verificadas na gestão Pedro Parente – quanto dos problemas vividos pela Venezuela, que abrem uma nova janela de oportunidades para os negócios externos deste setor no Brasil. O setor de mineração e siderurgia deve continuar apresentando um crescimento tímido, pautado pelo ritmo mais lento do crescimento global e pelo fraco desempenho do setor de construção civil.
Finalmente, no que se refere ao setor terciário, espera-se um crescimento acelerado do setor de serviços, e com ele uma recuperação dos níveis de emprego, a recuperação dos serviços deverá se dar tanto nos serviços de maior intensidade tecnológica, como T.I., serviços médicos, educacionais, consultorias, entre outros. Como também para os serviços de menor produtividade e de caráter mais informal, como restaurantes, turismo, beleza pessoal, entre outros. Já as vendas no varejo devem apresentar um comportamento maior do que em 2018, pautadas principalmente pelos bens de consumo não correntes, como alimentos, bebidas, vestuário, calçados, fármacos e papelaria, isto se dará pela combinação de inflação baixa, elevação real do salário mínimo e pelo recuo gradual do desemprego.
Benito Salomão Doutorando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia.