“Não há pecado, exceto a estupidez.” – Oscar Wilde
‘Nunca atribua à maldade o que pode ser adequadamente explicado pela burrice.’ Essa é a Navalha de Hanlon, um epigrama que tenta demonstrar que, muitas vezes, ações, atos ou eventos ruins que poderiam ser ligados à vilania e maldade nada mais são do que consequências da mais bela e simples estupidez.
Os conceitos sobre o bem e o mal e sua complexidade afligem o homem e influenciam a sua psiquê há eras. As religiões antigas, principalmente as que mais influenciaram o desenvolvimento do mundo ocidental e sua cultura, são quase sempre maniqueístas, quase nunca existindo meio termo entre o certo e o errado, sempre com medidas absolutas perante os assuntos tratados. É claro que no mundo moderno a sociedade adaptou-se a esses conceitos, aprendendo que nunca uma verdade é absoluta e que compreender o certo e o errado, o ‘bem e o mal’, é realmente uma tarefa muito mais complexa e difícil (pelo menos uma parte do mundo moderno compreendeu).
Diversos estudiosos e filósofos se questionaram sobre esses assuntos e a influência disso na sociedade e no comportamento humano. Trabalhos que se destacam sobre essa análise e interpretação das ações e escolhas do indivíduo, em diversos contextos, são de Hannah Arendt e suas observações sobre o que motiva pessoas a atos considerados ruins e os de Ayn Rand e suas definições sobre egoísmo e bondade.
Voltando à premissa de que erros, atos cruéis e decisões historicamente ruins são mais guiados pela estupidez que pela maldade, antes de exemplos vamos analisar alguns conceitos sobre o que é de fato a estupidez e como ela move e influencia as decisões e interações humanas.
Uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa um dano a uma outra pessoa ou grupo de pessoas, sem, ao mesmo tempo, obter qualquer vantagem para si ou até mesmo sofrendo uma perda. Essa é uma das minhas definições favoritas, do historiador italiano Carlo Cipolla.
A este propósito, a natureza parece ter realmente superado a si mesma. O fator extraordinário acerca da estupidez é a sua onipresença, ou seja, tudo e todos estamos submetidos ao seu poder, o tempo todo, em todo lugar. Seja por nossas próprias ações ou, principalmente, de terceiros.
Não é difícil compreender como o poder político, econômico ou burocrático amplifica o potencial nocivo de uma pessoa estúpida. Mas devemos ainda entender o que torna uma pessoa estúpida tão perigosa; em outras palavras, em que consiste o poder da estupidez.
Essencialmente, os estúpidos são perigosos porque as pessoas sensatas acham difícil imaginar ou entender o comportamento delas. Uma pessoa inteligente pode entender a lógica de um bandido. As ações do bandido seguem um modelo de racionalidade, perversa, mas ainda racional. O bandido quer algo que você possui. O roubo não é justo, mas é racional e, se é racional, pode ser calculado, previsto. Pode-se, em resumo, prever as ações de um bandido, as suas manobras e assim preparar-se para isso.
Com uma pessoa estúpida tudo isso torna-se muito difícil. Ações aparentemente irracionais baseadas em interpretações totalmente errôneas ou até aleatórias de algum conceito ou ideia, ou até mesmo instinto, que alguém mais sensato compreenderia sem muitos pesares, acaba sendo mesmo muito difícil de decifrar quando se utiliza a racionalidade para interpretar uma decisão que, a maioria das vezes, não teve a menor base lógica para ser tomada.
A empatia perante ditadores ou ideologias ligadas a eles, ou até inação perante as ações que coloquem em risco a liberdade, sua ou de outros, é também um ato de estupidez.
Não há nenhum método racional para prever se, quando, como, onde ou por quê uma criatura estúpida levará adiante as suas decisões.
Portanto, frente a um indivíduo estúpido, corremos sempre o risco de ficar à sua mercê. No entanto, não podemos creditar ou classificar suas ações como necessariamente boas ou ruins, sequer propositais, somente como ações, em um contexto que raramente entenderemos por completo.
Não deveríamos permitir que decisões de pessoas estúpidas, principalmente em cargos de liderança, nos afetem direta ou indiretamente.
Observando esses fatos passamos a notar o quanto diversos indivíduos, principalmente a partir do estado, tem influência direta sobre nossa vida, nossa propriedade e nossa liberdade, e se não deveríamos diminuir todo esse poder que as decisões de tais indivíduos, em conjunto ou não, podem ter sobre nós.
Vejamos alguns exemplos de grandes decisões históricas que influenciaram drasticamente o destino da humanidade, embora alguns pareçam egoístas ou até cruéis, o que prevaleceu, claro, foi a estupidez.
Mao Tsé-tung e O Grande Salto Adiante
Agente: Mao Tsé-tung
Ação: Morte, por diversos motivos principalmente a fome, de 30 a 40 milhões de pessoas.
Causa: Tirar todos os agricultores das próprias terras para tentar iniciar uma revolução industrial insustentável.
O Grande Salto Adiante foi uma campanha lançada por Mao Tsé-tung, que pretendia tornar a República Popular da China uma nação desenvolvida em tempo recorde, acelerando a coletivização do campo e a industrialização urbana. Fez todos seus agricultores saírem de suas terras a procura de metais e irem trabalhar em industrias primitivas, tentando ter o crescimento econômico e industrial de um país europeu o mais rápido possível.
O plano, totalmente inflexível, foi um desastre, resultando em mais de 30 milhões de mortes, em decorrência da fome. O fracasso se deu graças a secas, inundações, falta de pessoal técnico, a ausência ou destruições de plantações por toda a China, o deslocamento da mão de obra do campo para a indústria e a insuficiência de transporte ferroviário, entre diversos erros econômicos e de planejamento. Possivelmente, o erro mais mortal da história.
Stalin e O Grande Expurgo
Agente: Josef Stalin
Ação: Destruição da elite militar e administrativa da URSS e assassinato de milhares de civis.
Causa: Paranoia, medo de traição e abuso de poder para manter-se a frente da URSS.
O Grande Expurgo foi uma ação persecutória violenta movida pelo ditador soviético Josef Stalin contra seus opositores políticos no próprio Partido Comunista, civis, militares e intelectuais russos.
Na luta pela consolidação do poder, Stalin liquidou cerca de dois terços dos quadros do Partido Comunista da URSS, ao menos 5.000 oficiais do Exército acima da patente de major, 13 de 15 generais de cinco estrelas do Exército Vermelho e centenas de milhares civis, considerando-os todos “inimigos do povo”. Dos 139 membros dirigentes do Partido Comunista 98 foram executados. Nas décadas de 1920 e 1930, 2.000 escritores, intelectuais e artistas foram presos e 1.500 morreram em prisões e em campos de concentração e trabalhos forçados denominados Gulags.
Hitler e a Campanha Contra a URSS (Operação Barbarossa)
Agente: Adolf Hitler
Ação: Destruição do Exército Nazista.
Causa: Tentar Invadir a URSS, que tinha mais armas e soldados, durante o Inverno Russo.
Considerada a maior e mais feroz campanha militar da história em termos de mobilização de tropas e baixas sofridas, na qual 4,5 milhões de soldados do Eixo invadiram a União Soviética numa frente de 2900 km sendo também utilizados 600.000 veículos automotores e 750.000 cavalos. Um fator crucial para a derrota nazista foi o rigoroso inverno que além de congelar os soldados alemães e as armas, fez os veículos pararem de funcionar em temperaturas tão baixas, o que retardava ainda mais o avanço dos soldados. O inverno russo é tido como um dos principais fatores da derrota nazista na Batalha de Stalingrado.
A crueldade Nazista e seu antissemitismo também demonstram-se como características de estupidez. Pelo preconceito por si só ser um ato estúpido, a quantidade de gênios e cientistas judeus que fugiram para as forças rivais às nazistas foram cruciais para o desenrolar e finalização da Guerra. A sua crueldade com outros povos, seu excesso de confiança e soberba absurda por considerarem-se superiores foram fatores que cegaram diversas das decisões mais importantes deste regime.
Com a ruína da Operação Barbarossa, ficaram complicadas as futuras operações dentro do território soviético, tendo todas demais tentativas falhado, foi aberto um novo front na Segunda Guerra, a Frente Oriental, onde foram concentradas mais forças do que em qualquer outro teatro de guerra da história. Sendo assim, ficou inevitável que neste front ocorressem algumas das maiores batalhas, como a Batalha de Stalingrado e a Batalha de Kursk, que foram as mais incríveis, sanguinárias e militarmente complexas da história da humanidade. As estratégias e ocorrências durante elas são ainda estudadas por estrategistas e teóricos da guerra. As atrocidades e as enormes baixas criadas por essas batalhas acabariam influenciando decisivamente o curso da Segunda Guerra Mundial.
Napoleão e a Campanha Contra a Rússia (1812)
Agente: Napoleão Bonaparte
Ação: Destruição do Exército Francês.
Causa: Tentar invadir a Rússia, que tinha mais armas e soldados, durante o Inverno Russo.
A Campanha para a Rússia de Napoleão foi o principal ponto de virada durante as Guerras Napoleônicas. Reduziu drasticamente a dimensão das forças francesas para uma pequena fracção e provocou uma grande mudança na política europeia uma vez que enfraqueceu dramaticamente a hegemonia francesa que dominava praticamente absoluta a Europa.
A batalha resultou na maior e mais sangrenta ação durante as Guerras Napoleônicas. Envolveu mais de 250 mil soldados e resultou em pelo menos 70 mil vítimas. Os franceses capturaram o campo de batalha, mas não conseguiram destruir o exército russo. Além disso, os franceses não conseguiram substituir as suas perdas, enquanto os russos podiam fazer isso facilmente. As derrotas francesas tornaram-se ainda mais catastróficas com o início do inverno russo, centenas de franceses acampavam para dormir nas longas noites nas estepes geladas e simplesmente amanheciam congelados devido ao inverno ou então assados pela proximidade das fogueiras que montavam na tentativa de escapar do frio. O inverno russo é tido como o principal fator na derrota de Napoleão.
A falta de suprimentos e constantes ataques de camponeses russos e tropas não oficiais russas também foram fatores importantes para a derrota francesa. Napoleão abandonou os seus homens e voltou para Paris para proteger a sua posição como Imperador e preparar-se para resistir aos avanços dos russos e outras batalhas contra outras nações.
Aníbal e a Invasão a Roma
Agente: Aníbal, general cartaginês.
Ação: Destruição de mais da metade de seu exército por avalanches.
Causa: Sair da África, contornar os territórios da Espanha, França e os Alpes para tentar invadir Roma de “surpresa”.
Aníbal, sem dúvidas um dos maiores generais e estrategistas da história, como todo cartaginês, tinha um único objetivo: dominar Roma. Cartago jamais poderia lidar com o poder bélico marítimo romano, ou um ataque direto por terra aos renomados generais da República Romana. Aníbal teve a ideia de dar a volta pela península ibérica e atacar Roma pelos Alpes, ideia que os senadores romanos jamais imaginaram ser plausível. E não era.
O General Cartaginês não sabia nada sobre as terras que ia passar ou os povos que habitavam lá. Seu exército passou a ter baixas desde seus primeiros contatos com os bárbaros ainda na Espanha. Ao chegar aos Alpes, o exercito foi sendo dizimado pelo terreno hostil, diversas avalanches, a fuga de seus animais e perda de comida e suprimentos. Ao chegar em Roma, depois da longa viagem e com menos da metade de seus homens, mas não sem antes causar a maior derrota romana em uma batalha, na Batalha de Canas, durante a Segunda Guerra Púnica, foi derrotado. E ainda teve que voltar às pressas para Cartago para tentar evitar um ataque direto de Roma à sua capital.
Menelau e a Guerra de Troia
Agente: Menelau, rei de Esparta.
Ação: Destruição da cidade de Troia e abandono militar das cidades gregas por mais de uma década.
Causa: Fuga de sua esposa, Helena, com um dos príncipes de Troia.
Segundo, principalmente, Ilíada de Homero, a Guerra de Troia foi causada pelo rapto de Helena, esposa do rei espartano Menelau, por Páris, um dos príncipes de Troia. Isso ocorreu quando Páris foi a Esparta, em missão diplomática, e acabou apaixonando-se por Helena.
A fuga de Helena deixou o rei espartano enfurecido, fazendo com que este organizasse um poderoso exército unindo-se até com outras Cidades-Estado gregas. O general Agamenon foi designado para comandar o ataque aos troianos. Através do mar Egeu, mais de mil navios foram enviados para uma batalha que duraria mais de dez anos, causaria a destruição de Troia e diversas consequências para a história grega.