Friedrich August von Hayek: A escola austríaca no topo do mundo

1974 foi um ano atípico para a história do prêmio que homenageia Alfred Nobel: dois economistas, com pensamentos diametralmente opostos em relação ao papel do estado para o desenvolvimento econômico, dividiram o maior prêmio dado a um economista vivo. Apesar do nome do sueco Gunnar Myrdal ser mais conhecido nos campos das nossas universidades, o foco deste artigo é sobre seu companheiro de prêmio, o austríaco Friedrich von Hayek.

Descendente da nobreza austríaca, Friedrich August von Hayek nasceu em 1899 em Viena, capital do extinto Império Austro-Húngaro. Sua educação foi a melhor que o dinheiro poderia comprar na época e, aos 23 anos, já ostentava o status de doutor em Direito e Ciência Política. Um ano mais tarde, sobre a tutela de Friedrich Wieser (outro grande expoente da Escola Austríaca, criador do termo utilidade marginal e custos de oportunidade) recebeu mais um doutorado, esse em Economia Política, pela Universidade de Viena.

Antes de conhecer as obras de Ludwig von Mises (mais precisamente Socialism: An Economic and Sociological Analysis, de 1922) o prodígio Hayek era interessado pelas ideias de um controle mais rígido da economia por parte do estado. Ele acreditava que esse controle poderia resolver a maioria dos males sociais. A leitura de Mises fez com que Hayek se libertasse de sua hipnose socialista e se transformasse em um árduo defensor do livre mercado (posição que conservou até sua morte).

Em 1931 foi convidado por Lionel Robbins a apresentar quatro palestras sobre economia monetária na London School of Economics and Political Science (LSE). Gostou tanto da ambiente de cordialidade inglês, que se naturalizou 8 anos após sua primeira palestra. Foi nos corredores desta universidade que Hayek teve seu primeiro contato com as obras de seu arquirrival.

Para o jornalista e escritor britânico Nicholas Wapshott, Hayek participou do maior debate econômico do século passado. Seu oponente? Ninguém menos que o economista mais influente do século XX: John Maynard Keynes. No debate entre titãs, o autor da obra (Keynes Hayek: The Clash That Defined Modern Economics) argumenta que Hayek não conseguiu dar uma resposta à altura para a publicação do Tratado keynesiano. 

Talvez Hayek não estivesse interessado numa nova abordagem da economia, mas sim numa defesa concisa das liberdades individuais diante o agigantamento estatal. O fato de sua obra mais famosa, The Road to Serfdom, de 1944, ser essencialmente política, já nos revela que as discussões do autor transcendem a esfera econômica. Também explica parte do embate intelectual travado com Keynes. Para o autor austríaco, as ideias defendidas por Keynes em seu best seller The General Theory of Employment, Interest and Money, de 1936, levariam a sociedade rumo à tirania. O próprio Keynes, em seu prefácio alemão da Teoria Geral, admitia que sua teoria “se adapta muito mais facilmente às condições de um estado totalitário”.

Obviamente, não está no escopo do artigo criar uma atmosfera que induza o leitor a acreditar que os livros de cabeceira de alguns líderes totalitários seja a Teoria Geral de Keynes. O que fica claro com o acompanhamento do embate entre Hayek e Keynes é que suas discussões não estão hermeticamente fechados no campo econômico.  A obra do austríaco, por exemplo, traz consigo a tese de que todo planejamento estatal resulta em totalitarismo. Para validar sua tese, Hayek usa como exemplo a Alemanha Nazista, a União Soviética e os demais países do bloco comunista.

Fora do campo político, Hayek desenvolveu argumentos que demonstravam a absurdidade econômica de existir um planejador central.

Contribuição Hayekiana para o debate do cálculo econômico

Um dos grandes debates sobre economia planificada e livre mercado, teve uma contribuição importantíssimo de Hayek. No começo do século XX, Ludwig von Mises (mestre de Hayek e autor mais importante da Escola Austríaca) lançou duras críticas ao modelo de planejamento central adotado por alguns países.

A crítica miseniana concentrava-se na ausência de mecanismos espontâneos de preços numa economia planificada. Em sua obra, Mises argumenta que uma economia socialista possuía os mesmos dilemas que uma economia de mercado, mas as ferramentas utilizada numa economia planificada para a solução desses dilemas, era equivocada. Fazer o cálculo econômico sem a posse privada de recursos, mercados livres e a figura do empresário, é impossível, argumentava Mises. “Onde não há mercado livre, não há mecanismo de preços; sem um mecanismo de preços, não há cálculo econômico”. (MISES, 1920, p.35)

Mises (assim como Hayek) acreditava que o sistema de preços é a melhor ferramenta para alocar os recursos escassos da sociedade. Numa economia planificada, essas informações se perdem e os agentes econômicos ficam impossibilitados de agir de maneira racional.

Em 1937, Oscar Lange entra no debate estabelecendo o que seria um modelo de socialismo de mercado. Lange argumentava que, se bem administrada e com um conjunto de regras estabelecidas, esse modelo resultaria em eficiência econômica e bem-estar social máximo. O que diferencia o livre mercado e o socialismo de mercado, era a posse dos meios de produção: neste novo modelo, esses meios continuariam sendo do Estado. Ou seja, a dinâmica de mecanismo de preços existiria no mercado de bens, serviços e trabalhos. Só não existiria no mercado de bens intermediários e de capital. O planejador central, dizia Lange, possuía uma gama de informações de escassez e excesso superior aos dos capitalistas individuais e por isso, ele pode ajustar os preços para que eles fiquem em equilíbrio.

Por mais que Lange mostrasse que a eficiência de uma economia estática é teoricamente possível com a figura do planejador central, o fracasso das economias planificadas estava ficando cada vez mais evidente com os passar dos anos. Antes do colapso da União Soviética e da Alemanha Nazista, alguns economistas já argumentavam que esse sistema é inviável no longo prazo.

No começo da década de 1940, Hayek entra no debate. O planejador central, dizia o austríaco, jamais poderia ter informações necessárias para a tomada de uma decisão racional. Como a economia é dinâmica (e não estática, como nos modelos de Lange) os conhecimentos necessários para se fazer o cálculo econômico encontram-se dispersos na sociedade, nunca é “dado” a uma única mente – e nunca será. 

As informações são criadas e ampliadas a cada instante por meio de interações e iniciativas individuais. O mercado, por meio da dinâmica de preços, coordena tais planos de maneira mais racional que o planejador central. Além de ser um transmissor de informações que orienta a ação do indivíduo, a alocação eficiente de bens numa economia de mercado depende disso. Toda “arrogância fatal” (expressão do próprio Hayek) que o planejador central possui foi o responsável pelos maiores fenômenos de escassez que ocorreram no século XX. 

Contribuição de Hayek para o pensamento econômico

As ideias que fizeram com que Hayek ganhasse o prêmio Nobel já estavam preliminarmente expostas em duas de suas obras: Monetary Theory and the Trade Cycle, de 1929 e The Pure Theory of Capital, de 1941. As obras complementam a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE) desenvolvida por seu mestre, Ludwig von Mises.

O argumento central concentra-se nas taxas de juros excessivamente baixas (e manipuladas) estabelecidas pelo Banco Central. Essa taxa de juros manipulada (frutos da expansão do crédito bancário) transmite informações erradas ao empresário, incentivando-o a cometer erros sistêmicos. Todo esse investimento “errado” (sobreinvestimentos, para usar o termo que Hayek usava) concentra-se na aquisição de bens de capital, deixando as firmas com excesso de capacidade produtiva. O problema é que quando a economia de desacelera, ocorre uma quebra simultânea nas empresas que captaram esses recursos.

Quando o governo encontra-se nessa situação (ou seja, a de expansão monetária), duas são as ferramentas que ele pode usar: ou ele freia o processo inflacionário com a interrupção da expansão monetária ou ele continua essa impressão indiscriminada de papel moeda. No primeiro caso, inevitavelmente ocorrerá um período de recessão, ou seja, período de recuperação desses erros alocativos. A economia voltará ao seu estado normal, antes da expansão monetária. Já na segundo, a situação pode se agravar tanto, que a moeda utilizada nas transações correntes perde completamente sua função de reserva de valor. Os chamados fenômenos hiperinflacionários, como aconteceu na Alemanha e na própria Áustria no período entreguerras, são oriundos desse moto perpétuo inflacionário.

O temor do governo entrar em um período de recessão, faz com que ele seja incentivado a criar o cenário perfeito para que a expansão monetário se perpetue. A recessão é dolorosa, mas necessária para que os sobreinvestimentos sejam liquidados.

A sugestão de Hayek para prevenir essas distorções é promover um crescimento monetária neutro – mudanças no suprimento de moeda que facilitem o comércio, mas não causem inflação. Em síntese: as tentativas do estado em socorrer a economia por meio de expansões monetárias em períodos de recessão, faz com que agrave ainda mais o problema. A solução de Hayek para o problema é a interrupção imediata da expansão monetária (boom inflacionário) para que haja o reajustamento, por meio da recessão, das informações que ocorreram no momento da expansão.

O discurso de Hayek quando ganhou o prêmio Nobel, foi uma bomba para o mainstream econômico. O austríaco começa criticando a arrogância de economistas que deram soluções econômicas desastrosas que foram acatadas imediatamente pelos governos. Essas soluções foram todas oriundas do tratamento errôneo de uma ciência social com a mesma metodologia de uma ciência natural. Em relação a esse erro metodológico,  Hayek já havia desenvolvido alguns argumentos em sua obra  The Counter-Revolution of Science, de 1952.

No decorrer do discurso, Hayek critica, além da abordagem cientificista usada na economia, a visão mainstream das causas do desemprego, discorre também sobre os fenômenos de complexidade organizada que a economia lida e, em relação ao conhecimento disperso na sociedade, Hayek termina seu discurso afirmando: 

“[…] O reconhecimento dos limites insuperáveis do seu conhecimento deveria ser, para aquele que estuda a sociedade, uma lição de humildade tal, que ele desejasse manter-se longe de qualquer eventual cumplicidade com o esforço fatal do homem no sentido de controlar a sociedade — esforço que não apenas faz do homem um tirano de seus concidadãos, mas também pode levá-lo a destruir uma civilização que não foi engendrada por cérebro algum: uma civilização que tem prosperado como resultado dos esforços livres de milhões de indivíduos. ”

 A transcrição completa, pode ser encontrada neste sítio. Na última frase de seu discurso, Hayek deixa implícito outra contribuição para a ciência política. Os fenômenos realmente complexos da sociedade emergem de uma espécie de ordem espontânea, ou seja, algo que não foi criado pela vontade deliberada de ninguém. Linguagem, moeda, comércio, costumes, redes sociais… todas instituições que não precisaram de uma ordem estatal para começar a existir. 

Ler as obras de Friedrich von Hayek serve como antídoto para economistas presunçosos que acreditam conhecer todos as nuances de uma economia de mercado. Como nos mostrou o autor austríaco, não existe nada mais perigoso que uma autoridade central planejando o quê, quando e onde deve ser produzido algo. A falsa percepção de terem poderes oniscientes fez com que esses planejadores sejam tão mortíferos quanto pragas e desastres naturais.

Uma breve reflexão do que foi o século XX nos mostra isso. Apesar de existirem duas guerras mundiais, foi o advento de regimes coletivistas que fizeram-no ser o século mais sangrento da nossa história. No campo intelectual, Hayek lutou contra esses regimes. Sua humildade em reconhecer nossa eterna ignorância em relação ao alto grau de complexidades informacionais no sistema de mercado, faz com que suas obras sejam obrigatórias para aqueles que desejam uma defesa concisa contra aqueles tiranetes que planejam controlar nossas vidas em nome da “razão” e da “ciência”.

Numa época em que grandes economistas se orgulhavam em ser “homens do seu tempo”, menosprezando aqueles que desenvolveram bases sólidas para economia, somente um economista maior que o século poderia nos puxar de volta à realidade. Frederick von Hayek devolveu aquilo que o século XX havia nos tomado: a humildade em reconhecer nossas limitações diante a complexidade da realidade.

Maxwell Marcos

Estudante de graduação do curso de Economia pela Universidade de Taubaté. Apreciador das obras de Nelson Rodrigues e Theodore Dalrymple, acredita que o papel de uma Universidade é criar uma elite intelectual que discuta os problemas do país ou se possível da humanidade.

Notas

VON MISES, Ludwig. O cálculo econômico sob o socialismo. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2012. 54 p. Disponível em: http://rothbardbrasil.com/wp-content/uploads/arquivos/calculo.pdf. Acesso em: 26 jul. 2020.

VON HAYEK, Friedrich August. Friedrich von Hayek – Prize Lecture. The Nobel Prize. 11 de dez. de 1974. Disponível em: <https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1974/hayek/facts/> Acesso em: 28 de jun. de 2020.

M. Keynes, The General Theory of Employment, Interest and Money, edição alemã (Duncker & Humblot, Berlim, 1936), prefácio.

MURRAY N. ROTHBARD (Estados Unidos). Hayek e o Prêmio Nobel. Mises: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia, Nova York, v. 2, n. 4, p. 605-609, dez. 2014. Semestral. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/268425045.pdf. Acesso em: 20 jul. 2020.

 

 

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