Fundo perdido

Quando a sonda da Petrobras perfurou a camada do Pré-sal e confirmou que havíamos encontrado o ouro negro por lá, todos se animaram. O nosso passaporte para o futuro havia sido liberado, mas teríamos de tomar cuidado para utilizar inteligentemente os recursos.

Dentre as políticas anunciadas e implementadas para gerir os recursos finitos encontrados no Pré-sal, foi criado o Fundo Soberano do Brasil (FSB) – criado em dezembro de 2008, Para alimentá-lo, o governo federal utilizou da economia fiscal de R$ 14,2 bilhões que fez em 2008, 0,5% do PIB – com o intuito de acumular recursos financeiros que entrariam no país e isolar a economia de uma possível apreciação cambial. Funcionaria da seguinte forma: i) os dólares entram para explorar o Pré-sal ou para comprar o petróleo; ii) com o fluxo positivo de dólares, a moeda nacional tende a apreciar; iii) com a apreciação da moeda os demais setores da economia não são competitivos e; iv) teríamos uma economia muito dependente do petróleo.

Pensando nisso e em manter a renda do petróleo longe das mãos rápidas de nossos dirigentes políticos, o FSB foi criado para utilizar bem os recursos dos royalties do Pré-sal pagos à união. A estratégia incialmente era acertada e a criação de tais fundos não é algo incomum. Dentre os maiores fundos de investimento do mundo, figuram os chamados fundos soberanos de países como Noruega, Abu Dhabi, Arábia Saudita e Kuwait também produtores de petróleo.

Tomemos como exemplo o maior fundo soberanos do mundo em 2015. A semelhança entre ele e o nosso fundo: ambos recebem aportes de rendas obtidas com o petróleo. A diferença é que o maior fundo soberano tem 825 bilhões de dólares de ativos sob gestão, enquanto o nosso FSB possuiu menos de 10 bilhões de dólares em seu auge. Estamos falando do Fundo de Pensões Governamental da Noruega.

Ambos deveriam adotar regras de investimento que visam isolar o patrimônio das flutuações internas da economia. Como assim? Bem, se a economia do país é dependente de uma commodity finita (no caso o petróleo na Noruega e o que foi tentado aqui no Brasil) e o preço da commodity cair, a economia deve sentir o impacto. Assim, o valor dos ativos do país também deve seguir essa direção. Logo, para evitar que o valor dos ativos flutue na mesma direção da economia, tais fundos soberanos geralmente adotam estratégias de investimento que proíbem ou limitam a alocação de recursos em ativos domésticos (sejam títulos de seus governos, sejam ações de empresas locais).

Assim, o patrimônio investido que deve ser usufruído por todos os habitantes do país não apresenta risco semelhante ao da economia, atuando como um seguro. Economia pra baixo? Pode-se usar a renda do fundo para aliviar a queda no curto prazo. Economia pra cima? Poupa-se mais para aumentar o patrimônio e incrementar a renda futura e coibir grandes oscilações na economia.

Inspirado nesse modelo, a estratégia adotada pelo Brasil foi essa, correto? Bem…como sabemos, gostamos de certas inovações. Abaixo, a carteira de investimentos do FSB no segundo semestre de 2015:

  • 0,10% em Títulos Públicos Nacionais
  • 0,15% em Operações Compromissadas
  • 7,84% em Ações do Banco do Brasil
  • 91,90% na Conta única Especial 2 (CE2) que disponibiliza recursos para o Tesouro Nacional basicamente gastar.

Ou seja, 92% do Fundo Soberano do Brasil foi-se e virou despesa pública em 2012. Nada amigável com as futuras gerações. Mas podemos verificar onde foi investido o dinheiro, antes de virar “receita” para aumentar o gasto público.

Até meados de 2012, quando boa parte dos investimentos foram vendidos para começar a cobrir as contas públicas, o FSB possuía a seguinte carteira de investimentos [4]:

  • 46,86% em ações ordinárias da Petrobras (PETR3)
  • 21,25% em ações preferenciais da Petrobras (PETR4)
  • 8,80% em ações ordinárias do Banco do Brasil (BBAS3)
  • 22,95% em títulos públicos nacionais (NTN-B, LTN e NTN-F).

Ou seja, do capital inicial de 14 bilhões de reais, boa parte estava investido em ações…da Petrobras, justamente a empresa da qual o FSB deveria se desvencilhar. O restante estava investido em outros ativos nacionais.

Conforme observamos, os investimentos feitos pelo FSB não estão muito em linha com a ideia de isolar o patrimônio das gerações futuras das flutuações da economia interna. Os investimentos em ativos nacionais só fazem sentido se sua rentabilidade for maior que dos ativos estrangeiros ou se pelo menos batermos a meta de rentabilidade estabelecida. Seria esse o caso?

Vejamos abaixo a rentabilidade acumulada em moeda local do FSB em comparação com o fundo soberano norueguês, que não pode investir em ativos nacionais.

[caption id="attachment_7005" align="alignnone" width="962"]Fontes: Ver [3] e [5]. Elaboração própria. Fontes: Tesouro Nacional e Nbim. Elaboração própria.[/caption]

Desde que foi criado em 2009 o FSB apresenta um retorno acumulado de 38,4% e o fundo norueguês no mesmo período mostra um retorno acumulado de 95%. Talvez a diferença seja fruto das políticas de investimento que funcionaram na Noruega, ao isolar os efeitos das flutuações econômicas do país no patrimônio acumulado.

Além disso, o FSB usa como benchmark a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), cujo retorno acumulado no período foi de 47,7%. Isso mesmo, o nosso fundo soberano não bateu nem a sua referência, que já é baixa (negativa em termos reais). Já o fundo norueguês acumula retorno de 48,8% acima de sua referência.

A nossa tentativa de emular um fundo soberano com certa seriedade parece que deu errado. A política de investimento e a alocação de recursos eram falhas, o que resultou em perda do patrimônio do fundo se comparado ao benchmark. Não à toa, o FSB está sendo liquidado como uma das medidas para encontrar algum dinheiro para cobrir o rombo fiscal.

Queimamos um bom dinheiro que não poderíamos.

  palhuca          

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

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