Impostos Amargos: tributar produtos açucarados realmente funciona?

Onde quer que você vá, onde quer que você esteja, um tema certamente será levantado por alguém em uma conversa de mais de alguns minutos: saúde e nutrição.

Nenhum tema agita mais a sociedade pós-industrial do que os temas ligados à nossa saúde. As pessoas, seja por uma real preocupação com seu bem-estar ou por uma mera questão estética, desenvolveram uma compulsão bizarra por atingir e manter certos padrões estéticos e de indicadores nutricionais a quase todo custo.

Um interessante desdobramento dessa preocupação mundial com saúde é a convergência das políticas públicas em nível global  para certos tipos de intervenção que buscam adequar as pessoas a certos padrões de saúde. Dentre essas políticas de intervenção pública, nenhuma tem sido tão popular entre os formadores de opinião e políticos quanto a ideia da aplicação de um imposto sobre bebidas açucaradas; como refrigerantes, sucos industrializados, certos energéticos, etc. Esse tipo de intervenção, além de politicamente atraente pela ideia de se elevar a arrecadação, é geralmente apoiada por alguns dados de organizações engajadas no tema da redução da obesidade e doenças associadas à ingestão demasiada de açúcar, como a diabetes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) é uma delas e, em um curto relatório recomendando um imposto sobre açúcar para certos países, ela apresenta alguns dados:

-O número de pessoas obesas triplicou no mundo desde 1975;

-As estimativas são de que cerca de 39% dos adultos em 2014 tinham sobrepeso e 13% eram obesos;

-O número de crianças e adolescentes obesos cresceu de 11 milhões em 1975 para 124 milhões em 2016; 

-O número de pessoas com diabetes cresceu de 108 milhões em 1980 para 422 milhões em 2014.

Para solucionar esse problema, a OMS sugere a adoção de intervenções que diminuam o consumo de alimentos e bebidas com grandes quantidades de açúcar. Os impostos sobre bebidas com açúcar, segundo a OMS, são eficientes nesse sentido, pois elevam os preços para os consumidores e podem chegar a reduzir o consumo de açúcar em 20%; reduzindo a incidência de obesidade e diabetes na população onde ele é aplicado (considerado magnitudes constantes). A lógica é que o imposto levará a um aumento de preços que reduzirá os ganhos relativos do consumo das bebidas açucaradas e, por consequência, os consumidores irão recorrer a produtos substitutos mais saudáveis e ainda gerarão receita tributária que deve ser direcionada ao serviços de saúde para assistência dos problemas ligados ao excesso de peso e diabetes.

Muito bonita a proposta, mas será que funciona realmente?

Primeiramente, políticas de tributação sobre bens que causam danos à saúde (os chamados “Impostos Morais”), como tabaco e refrigerantes, dependem em grande parte da sensibilidade de preços de consumidores e produtores; isto é, quanto do imposto será repassado pelos produtores em seus preços e quanto essa variação de preços influenciará o comportamento dos consumidores. Segundo, políticas como a de taxar bebidas com açúcar geralmente têm algo em comum. Todas elas seguem uma regra quantitativa de políticas públicas de saúde, onde uma determinada quantidade de libras-peso de substância nociva que devem ser perdidas são calculadas com base no múltiplo de um déficit de 3500 calorias por tipo de produto alvo da política, seguindo uma regra calorias-p

or-peso. No caso do açúcar, essa medida equivale a 453.5 g de açúcar por litro ou quilo. Esse número então é jogado dentro de modelos econométricos estáticos de substitutos únicos (os bens substitutos são homogêneos e perfeitos para o produto nocivo) e a partir disso é calculado o impacto da política na redução de peso e outras comorbidades.

Esse método é geralmente aceito por formuladores de políticas em diversos países, todavia técnicas mais atuais tendem a gerar resultados diferentes. Ao se usar modelos dinâmicos com bens substitutos múltiplos ( bens substitutos heterogêneos e não-perfeitos para o produto nocivo) e olhando dados de experimentos de laboratório para o caso das cidades americanas, pesquisadores acharam que o impacto de tais políticas são bem inferior àqueles estimados com os modelos estáticos. Enquanto esse previa uma redução de 1.60 Kg/ pessoa com a adoção do imposto, o modelo dinâmico estimou que a redução seria de apenas 0.97 Kg. Além disso, o modelo de substitutos múltiplos também estimou que, mesmo se todos os americanos deixassem de ingerir bebidas açucaradas, os níveis de sobrepeso e obesidade se manteriam 50.8% e 27.7% acima do considerado normal ou saudável, respectivamente (Lin et al 2011). Logo, esses impostos não seriam eficazes para o combate à obesidade, mas somente para incremento da receita tributária.

Entretanto, isso é um modelo teórico. Você poderia contestar a validade de seus pressupostos e sua lógica. Mas, o que será que os dados do mundo real dizem sobre isso?

A maioria dos casos analisados de imposto sobre açúcar tomam dados isolados de uma única cidade ou então de nações inteiras. O problema é que dados isolados de uma única cidade não dão uma boa visão da eficiência relativa desses impostos e, por serem os casos analisados em sua totalidade restritos à apenas algumas cidades, dados do país inteiros tendem a ser pouco adequados para uma correta análise.

Porém, em uma pesquisa recente, os pesquisadores superaram essas limitações. A vantagem dessa pesquisa foi ela ter reunido uma amostra maior de dados ao englobar uma população maior do que as pesquisas anteriores e em um período de tempo melhor definido. Os dados incluem um período de 12 meses das compras domésticas dos cidadãos de múltiplas cidades americanas, analisando os 6 meses pré-implementação e os 6 meses pós-implementação do imposto sobre bebidas com açúcar (Cawley et al 2020).

Os dados dos pesquisadores apontam que, na análise de quatro cidades distintas( Philadelphia, Oakland, San Francisco e Seattle), em geral a introdução de um imposto sobre bebidas açucaradas tem o efeito positivo de reduzir o consumo das bebidas taxadas em 53 unidade em média, ou 12% do total da média comprada nos 6 meses antes da implementação do imposto. Contudo, os resultados são heterogêneos se analisados caso a caso. O declínio do consumo foi em grande parte puxado pelos dados da Philadelphia, onde um imposto de 1,5% por unidade resultou em uma redução mensal de consumo de 27,7%, ou uma redução mensal de 10 calorias ingeridas. Mas nas outras cidades analisadas( Oakland, San Francisco e Seattle), a redução foi quase insignificante e, em geral, 20% abaixo da magnitude da alíquota do imposto.

Uma explicação dada pelos autores da pesquisa para esse fenômeno é semelhante à do modelo dinâmico. O imposto aplicado na Philadelphia, além de ter uma taxa maior que a das outras cidades, era mais abrangente do que os outros ao englobar tanto bebidas com açúcar como bebidas sem açúcar; ou seja, englobava uma variedade maior de substitutos. Fora isso, os pesquisadores apontam também que uma outra explicação é que muitos consumidores simplesmente podem mudar seus mercados de consumo. Como George Stigler nos lembra em seu livro de introdução à microeconomia, os mercados são espaços geográficos de área definida pela convergência de preços, equilíbrio, em um determinado local. Assim, quando os preços relativos são alterados por um dado imposto, como o sobre bebidas açucaradas, os consumidores simplesmente vão para localidades próximas onde eles possam satisfazer suas preferências mantendo-se seus excedentes, considerando que os custos de saída para essas localidades próximas seja baixo. 

Tomando isso, Rojas e Wang (2017) colocam que uma política de tributação sobre açúcar só poderá ser eficaz em atingir seus objetivos se tomar a maior dimensão possível dos mercados. Ao invés de políticas localizadas que podem ser afetadas por mercados substitutos, a tributação deve ser tomada em escala nacional de forma a anular distorções. Somente uma política pública de nível federal teria o efeito desejado de redução do consumo de açúcar pela população dado uma mudança de comportamento por variação de preços.

Portanto, dado os dados recentes e a teoria, a eficácia de uma política pública de saúde do tipo dos impostos sobre bebidas com açúcar é bastante dual e muitas vezes falho. Antes de se pensar em implantar isso no Brasil é interessante analisar os casos internacionais e o que a teoria tem a dizer. Dado o que temos até o momento, imposto é uma medida bastante deficiente para se solucionar os problemas relacionados com o sobrepeso e a diabetes caso seja aplicado apenas em âmbito local. Uma uniformidade tributária nacional com relação a esses produtos seria interessante, sobretudo considerando que políticas diferenciadas de tributação sobre bens de consumo ou insumos podem afetar os incentivos; como no caso da Zona Franca de Manaus.

Notas

-LIN, Biing-Hwan et al. Measuring weight outcomes for obesity intervention strategies: the case of a sugar-sweetened beverage tax. Economics & Human Biology, v. 9, n. 4, p. 329-341, 2011.

-CAWLEY, John; FRISVOLD, David; JONES, David. The impact of sugar‐sweetened beverage taxes on purchases: Evidence from four city‐level taxes in the United States. Health Economics, v. 29, n. 10, p. 1289-1306, 2020.

– STIGLER, George J. Análise Microeconômica: Teoria dos Preços. São Paulo, Atlas, 1970; 

– ROJAS, Christian; WANG, Emily Yucai. Do taxes for soda and sugary drinks work? Scanner data evidence from Berkeley and Washington. SSRN (September 23, 2017), 2017.

 

Sávio Coelho

Analista Financeiro e de Dados. Tem interesse nas áreas de teoria da firma, política fiscal e finanças quantitativas.
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