As fronteiras entrepostas na ciência são tênues. Da economia evolutiva, que utiliza termos da biologia para teorias econômicas, à economia institucional, com grande carga das ciências sociais e política, não há uma longa distância, a todo momento as grandes áreas se cruzam e se complementam.
Com a literatura não é diferente, ela vem para refletir um estado momentâneo, relembrar o passado, ou até mesmo para “prever” futuros distópicos. Encontrar traços da organização sócio-econômica em ficções científicas não é tarefa árdua, muito pelo contrário, é um terreno bastante fértil.
Em 1932 o autor Aldous Huxley lançou o que seria uma das distopias mais expressivas do mundo moderno: Admirável Mundo Novo. Essa obra retrata uma sociedade condicionada biologicamente e psicologicamente para garantir o funcionamento de um sistema completamente centralizado, pautado no consumo e na satisfação momentânea, que estaria vigente no ano 2540. Instituições, economia e ficção científica talvez estejam mais próximas do que se imagina.
“O comportamento desviante não pode ser tolerado em tal situação porque representa uma ameaça crucial aos traços de estabilidade e asseguração da coletividade […]”
O trecho acima poderia ser parte do sci-fi escrito por Huxley, mas está na página 74 do livro de Douglass North, em que o autor exemplifica a importância das instituições informais em uma sociedade. Quem é aluno de Economia provavelmente já ouviu sobre a frase de North: “é tudo instituição”.
Primeiro, trata-se de uma piada exagerada? Segundo, a afirmação de North tem um bom fundo de verdade, já que o seu estudo lhe rendeu um nobel. Explicando de forma simplista, a vertente institucionalista da economia trata das regras do jogo do mercado. Imagine as empresas como organizações e as instituições como as regras que ditam como se dá a interação entre as organizações.
Sabe aquela papelada que você entrega para a imobiliária? Instituições. As eleições municipais, estaduais e federais? Instituições. Você achar errado roubar a sobremesa do seu amigo no R.U? Instituições também! As instituições estão ligadas à cultura, às normas formais e, consequentemente, ao desenvolvimento de uma nação.
“A mudança institucional molda a maneira pela qual as sociedades evoluem no decorrer do tempo e por isso é a chave para a compreensão histórica.”
A sociedade descrita em Admirável Mundo Novo tem suas bases em instituições definidas em prol do “bem-estar” de todos. Lá, os bebês não nascem, decantam em tubos de ensaio.
Desde cedo a hipnopedia condiciona cada classe, ou casta, a realizar com prazer a sua atividade predeterminada, alguns são destinados ao comando, outros trabalham em fábricas e moram nos arredores de Londres. Não há razão para se angustiarem dos seus ofícios, pois como lembra a personagem Lenina Crowne ao vê-los, eles foram condicionados a tal tarefa desde cedo e, caso sintam algum sentimento “incômodo”, sempre há uma dose de soma no final do dia.
A sociedade da juventude, da beleza, do consumo e da alegria parece funcional seguindo as regras estabelecidas. Para eles, nações que não tenham tamanha “organização social” são consideradas como selvagens.
Entre distopia e instituições econômicas, o desenvolvimento econômico é um ponto intrínseco. Para início de conversa, o que seria o desenvolvimento econômico para uma nação?
Na distopia de Huxley, o desenvolvimento está relacionado, principalmente, ao desapego dos sentimentos, ao consumo e à inovação. Para uma sociedade real, o desenvolvimento pode se relacionar, também, à capacidade de consumo, ou a garantia de direitos iguais para todos, à dignidade, à liberdade, etc. Diferentes pontos de vista não faltam.
E o que as instituições têm a ver com o desenvolvimento? Há teóricos do desenvolvimento econômico que dirão que o subdesenvolvimento está relacionado às instituições arcaicas. Na CEPAL, por exemplo, há quem critique o fato de termos importado máquinas e modos de produção dos países desenvolvidos e não desenvolvido os nossos próprios modos de produção a partir dos fatores disponíveis em nossa região. Do outro lado, muitos dirão que a roda não precisa ser inventada: se determinada regra se mostrou eficiente em um país, não há razão para não replicar.
Diante de toda essa salada fictícia-econômico-institucionalista, fica a dúvida, qual é a chave para o desenvolvimento de uma nação? Seriam as regras rígidas de Huxley? A cultura de Celso Furtado? O fim do crescimento econômico em detrimento da preservação dos recursos naturais dos economistas ecológicos? A liberdade como desenvolvimento de Amartya Sen? Seria a solução replicar as “instituições modernas” dos países desenvolvidos? Afinal, a ortodoxia econômica pode nos transformar na distopia descrita por Aldous Huxley?
Bem, ideias não faltam, e se eu puder dar um pitaco, acredito que um pouco de tudo. Não é tudo instituição, mas com certeza elas importam.
Ana Letícia
É assistente administrativo na Centro Agroecológico Tamanduá