Os EUA e o Brasil na OCDE – talvez não seja o que você está pensando

Após a visita do Presidente Brasileiro à terra do Mickey em meados de março, escrevi por aqui sobre a inusitada torcida desta que vos fala pelo dueto Bolso-Trump, no contexto da acessão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O quid pro quo entre a posição brasileira na Organização Mundial do Comércio (na esteira do debate global pela reforma do organismo) e o apoio norte-americano para a entrada do Brasil foi um dos assuntos que deram o que falar nas rodas de comércio e política internacional, atraindo desde ferrenhos opositores ao que foi chamado de demonstração clara do famoso complexo de vira lata brasileiro, até verdadeiros fã-clubes daquilo que seria o começo de uma “nova era” entre o Brasil e seus quase vizinhos do andar de cima.

Minha posição sobre tal negociação continua a mesma exposta em meu recente artigo, pois de fato nada concreto aconteceu desde então que fizesse mudar meu posicionamento sobre a questão. O que me motiva então a trazer esse assunto à tona novamente? Justamente isso; por nada de concreto ter acontecido na seara desta discussão, mas mesmo assim termos visto recentemente uma série de posicionamentos sobre o tema, trazendo verdades absolutas com bases em certezas no mínimo frágeis – a meu ver.

Sendo mais direta, me refiro ao ocorrido no dia 7 de maio passado, na ocasião da reunião do Conselho dos membros da OCDE. Após o aludido apoio público do presidente norte-americano à acessão brasileira à organização, a reunião do Conselho poderia dar uma sinalização sobre o futuro do Brasil na OCDE – especificamente, se os países membro permitiriam ou não o início do processo de acessão brasileiro. Era o esperado por muitos, inclusive partes do próprio governo brasileiro.

Porém, tão logo finda a reunião de países membro, manchetes nos principais veículos brasileiros já noticiavam a “manutenção do bloqueio dos EUA à acessão do Brasil à OCDE”, e o “descumprimento da barganha acertada entre Bolsonaro e Trump”. Políticos da oposição pegaram então carona no furo jornalístico, indo além – chamando atenção ao fato de o Brasil ter já aberto mão de suas vantagens comerciais a pedido do novo amigo, sem levar nada em troca.

E o que tenho a ver com isso? Longe de mim defender a honra ou moralidade da amizade entre Donald Trump e Jair Bolsonaro; porém, dado a relevância do tema para o desenvolvimento econômico brasileiro, torna-se importante elucidar os fatos no contexto em que se encaixam – muito além da relação entre Brasil e EUA, e o “puxa-saquismo” ou não de Bolsonaro perante aquele que talvez gostaria de chamar de seu novo melhor amigo.

Primeiro, quanto ao posicionamento do Brasil na OMC, é incorreto afirmar que o Brasil já abriu mão de suas “vantagens”, como afirmou por exemplo o líder do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Pimenta. Primeiro, por mudanças nas tratativas quanto ao tratado especial e diferenciado (“Special and Differential Treatment”) na OMC por parte do Brasil ainda estarem em análise pelos órgãos relevantes; segundo pelo fato de que qualquer adaptação dificilmente incluirá questões já negociadas, conforme já declarado pelo Itamaraty – tornando o argumento do deputado no mínimo precipitado, no máximo incorreto.

Voltando então para a OCDE. O fato é que os EUA realmente não mudaram o posicionamento sobre a acessão brasileira à OCDE durante a reunião de Conselho no dia 7 de maio. Isso então significa que mantiveram o bloqueio, como observado em 2017 quando do envio formal do pedido brasileiro para acessão? Não. Em 2017, os EUA se posicionaram concretamente contra o pedido brasileiro, apoiando somente a acessão da Argentina. No caso da reunião recente, não houve um novo entendimento norte-americano excluindo o Brasil. Porém, isso tampouco significa que os EUA apoiaram o início da acessão brasileira, como por muitos esperada.

Como sempre, a realidade encontra-se em algum lugar entre versões otimistas e pessimistas. Em verdade e de forma resumida, nada mudou.

Ao não permitir a deliberação da acessão de novos membros, os EUA efetivamente travam a discussão de aumento da instituição. Para além do Brasil, Trump defende uma reforma na organização, a começar por seu Secretário Geral Angel Gurría (que dizem as más línguas, não se dá lá tão bem com o amigo Donald). Assim como seu posicionamento na OMC, os EUA reivindicam que o status quo de tais organizações não mais refletem a realidade do cenário global, e que estas deveriam passar por mudanças – porém, sem propor muitas alternativas. Deste modo, discussões como a acessão brasileira (e Argentina, ou mesmo de países europeus que aguardam posicionamento oficial, como Romênia e Bulgária) ficam travadas e um tanto quanto sem luz no fim do túnel.

Não obstante, continua a ser importante a mudança do posicionamento norte-americano perante o pedido de acessão brasileiro, uma vez que o equipara com outros países que aguardam também ansiosamente na “fila por sua vez”. Nesse sentido, o posicionamento oficial do Ministério das Relações Exteriores norte-americano na forma de sua Embaixada no Brasil (no dia 8 de maio), que destacaram o apoio ao Brasil tornar-se membro pleno da OCDE, ilustra a relevância do quid pro quo discutido em Washington – mesmo que ainda não concretizado na prática.

Dito isso, vale frisar que o caminho para a acessão será longo, a começar não somente pelo apoio dos EUA, mas de todos os outros países membro da OCDE, dado que a decisão para início do processo deve ser unânime. E, infelizmente ou felizmente (a depender do ponto de vista), ele não dependerá apenas da dinâmica brasileira, americana, argentina ou qualquer outra. Há além de nosso “umbigo tropical” um importante debate muito mais amplo sobre a reforma e modernização de organizações marca do sistema de Breton Woods – cada vez mais aflorado em foros como OMC, União Europeia, ONU entre outros. A realidade da economia e política mundiais de hoje não é a mesma do pós-Segunda Guerra, a o arcabouço institucional internacional precisa refletir isso; porém, alinhar todos ao redor de uma efetiva mudança não será nada simples, a começar pela dificuldade de negociação diante de líderes justamente como Donald Trump.

De qualquer maneira, como defendi em meu recente artigo sobre o tema, o esforço brasileiro para o alinhamento com melhores práticas da organização (na forma de adesão a instrumentos legais da OCDE) acarretará em melhoras significativas para o arcabouço institucional do país, em áreas importantes como comércio, tributação, mercado de capitais e meio ambiente. Isso independente de Bolso-Trump, Trump-Gurría ou qualquer outro samba político.

Torçamos para que o samba não atrapalhe os passos que realmente importam ser dados.

Rachel de Sá

Mestre em Economia Política Internacional pela London School of Economics, mestranda em Economia, Desenvolvimento e Políticas Públicas pelo IDP, e graduada em Relações Internacionais pela PUC-SP. Idealizadora do canal do Terraço Econômico no Youtube, acredita que educação financeira é para todos, e sempre busca explorar a linha tênue entre ciência política e economia.

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