Renata Kotscho Velloso* | Você no Terraço
No mundo ideal ninguém usaria drogas. As pessoas seriam educadas sobre os seus malefícios e voluntariamente optariam por não consumir. Simples assim. Esse mundo ideal não existe. No mundo real, criminalizar o uso de drogas mata mais gente do que legalizá-las.
A consciência difere os seres humano dos outros animais. Nós sabemos quem somos e sabemos também que iremos morrer um dia. Essa consciência muitas vezes é difícil de suportar, e por isso talvez faça parte do instinto humano essa necessidade de fuga. Existem pesquisas[1] que demostram que usamos substâncias psicoativas como álcool, ópio e cogumelos alucinógenos desde a pré-história. Esse instinto começa já na primeira infância. Quem não brincava de ficar girando repetidamente para depois parar e continuar ver o mundo girando?
Essa necessidade ou vontade é tão forte nos seres humanos que a proibição das drogas acaba não impedindo o consumo e tem como efeito colateral toda uma rede criminosa que acaba gerando mais mortes do que o próprio consumo. Atrelado a isso é criada uma série de mitos que acabam empobrecendo o debate. Vamos a eles:
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Um tema que precisa ser abordado, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil é o número de vidas que perdemos no combate as drogas. Quantos policiais, traficantes e pessoas que não tem nada a ver com a história morreram nas ações que passamos a chamar de guerra contra as drogas? Quantas dessas pessoas eram menores de idade?
Esse é outro ponto que não podemos esquecer. Parece óbvio que queremos impedir o consumo de drogas por crianças e a adolescentes, assim como controlamos o acesso deles ao álcool e ao tabaco. Mas quando proibimos uma substância para todos e criminalizamos apenas os adultos acabamos induzindo um número grande de adolescente para o tráfico. São os famosos aviõezinhos que acabam morrendo na linha de frente do crime.
Essas vidas contam, assim como também contam as vidas que perdermos ao deixarmos de tratar por medo da criminalização. Tudo que é proibido gera um estigma que leva ao medo. Com isso, muitas pessoas que sofrem com o efeito do abuso de drogas deixam de procurar ajuda médica com medo de que ao confessarem um crime acabem na prisão. Viciados precisam de atendimento médico e não de cadeia.
A legalização permitiria ainda levantarmos recursos para várias ações capazes de salvar vidas entre elas a educação da população e o tratamento de viciados. Estima-se que o mercado de drogas ilegais esteja na faixa de 320 bilhões de dólares ao ano[6]. Somado a isso apenas os EUA gastam cerca de 51 bilhões de dólares por ano na guerra às drogas[7]. Dessa maneira, ao legalizar as drogas os governos poderiam recolher impostos e ao mesmo tempo deixariam de gastar dinheiro no combate. Todo esse recurso poderia ser canalizado para o tratamento dos doentes e educação da população.
[caption id="attachment_4705" align="aligncenter" width="650"]O preço das drogas hoje é definido muito mais a partir do custo de distribuição do que de produção. A margem de lucro entre o custo de produção e de venda da cocaína é de cerca de 100 vezes! Para evitar o boom no consumo o governo precisa estipular um preço que freie o comportamento mas ao mesmo tempo impeça a criação de um mercado negro paralelo. Mas em um mercado com margens tão altas isso não é tão difícil e a arrecadação de impostos tende a ser grande. Uma estimativa[8] mostra que a legalização apenas da maconha para uso recreacional na Califórnia levaria a um aumento de US$ 1.4 bilhões na arrecadação de impostos.
Por fim acho que vale a pena uma última reflexão filosófica. Precisamos nos desapegar da ideia do Estado paternalista, que define o que o indivíduo pode ou não fazer com a sua vida. As pessoas precisam ser educadas, precisam estar conscientes dos riscos que determinadas escolhas acarretam. Porém, desde que não cause danos a terceiros, é o indivíduo que deveria dar a última palavra sobre o que ele quer ou não fazer com o seu próprio corpo. Somos adultos afinal, não precisamos de tutela do Estado.
*Renata Kotscho Velloso
é formada em Administração Pública pela FGV e em Medicina pela Unicamp.
Faz parte da equipe fundadora do Hilab, projeto baseado na metodologia
de inovação em saúde da Universidade de Stanford e que tem como objetivo
fomentar novas ideias para a saúde na América Latina.
[As opiniões expressas neste texto são da autora, e não refletem necessariamente a posição do Terraço Econômico, que só quer mesmo ver o circo pegar fogo. Por isso, se você quer participar desse debate, mande seu texto para terracoeconomico@gmail.com] [1] http://www.huffingtonpost.com/2015/02/12/prehistoric-drug-use-thousands-of-years_n_6622446.html [2] http://www.drugabuse.gov/publications/drugfacts/nationwide-trends [3] http://www.webmd.com/mental-health/addiction/substance-abuse [4] http://www.drugscience.org/Petition/C6C.html [5] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18569039 [6] http://www.economist.com/node/13237193 [7] http://www.drugpolicy.org/drug-war-statistics [8] http://www.drugpolicy.org/drug-war-statistics