Lei de Responsabilidade Fiscal 20 anos, o que nós aprendemos?

“Isto poderia ser claro que nenhuma instituição iria (ou poderia, talvez) prevenir um governo ou uma legislatura de executar déficits, se isto é o que eles estão realmente determinados a fazer”. (Alesina e Perotti, 1996).

No dia 04/05, comemoramos 20 anos desde a implantação da Lei Complementar 101/2000 ou Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O destino e suas ironias quis que comemorássemos seu 20º aniversário em meio a uma aguda crise fiscal, iniciada em meados desta década a partir de contabilidades criativas, e que será inevitavelmente ampliada durante a pandemia. 

Os cálculos do Professor Josué Pellegrine estimam uma necessidade de financiamento (NFSP) de aproximadamente R$980 bilhões em 2020, sendo R$267 bi referentes ao déficit primário já previsto para este ano mais o socorro aos Estados e municípios em trâmite no Congresso, mais R$454,4 referentes a medidas de enfrentamento ao COVID-19, chegando a um resultado primário de -R$721 bi. Some-se a isto um provisionamento de despesas nominais (serviços da dívida) estimadas na casa de R$380 bi, chegaríamos aos R$980 (ou 14% do PIB). Parte disto está sendo suavizado pela venda de reservas cambiais, cujo impacto, porém, é limitado, Pellegrine trabalha com um saldo líquido de 10% do PIB de NFSP em 2020. Nada impede, que estes cálculos sejam revistos para cima se: 1° os efeitos da pandemia durarem mais tempo do que o previsto e demandarem mais socorro do governo e, 2° se o custo de rolagem da dívida pública aumentar como aliás já está sinalizado.

A pandemia fez com que os objetivos de curto e longo prazo da política fiscal no Brasil, se descolassem. A PEC 10/2020 de autoria da Câmara, deu ao governo Federal as condições legais necessárias para que o governo financiasse todas as despesas de curto prazo da Pandemia através da emissão de títulos do Tesouro, que excepcionalmente podem ser comprados pelo Banco Central (prática vedada pelo art. 34 da LRF). No longo prazo, no entanto, o objetivo inevitavelmente será conter a trajetória de expansão da dívida. O fato é que a crise fiscal era um dado da realidade antes da pandemia, fruto de erros evitáveis da política econômica e não totalmente corrigidos nos anos recentes. Mas como lidar com ela? No Brasil, diferentemente do resto do mundo, o primeiro passo para lidar com um problema fiscal é considerar que ele existe, parece uma obviedade, no entanto, existem grupos de economistas que estão convencidos que uma dívida de 90% ou 95% do PIB não é um problema. Eu, evidentemente discordo e vejo que existem três formas de lidar: 1° elevar tributos, 2° cortar gastos públicos e, 3° privatizações.

Se após a Pandemia, o estoque de dívida for, por exemplo 90% do PIB e o PIB brasileiro crescer a uma média de 1% ano, tendo um custo de rolagem da dívida constante e próximo a 4% ano, o esforço fiscal para manter a relação dívida/PIB é de um superávit primário da ordem de 3% ano (próximo de R$180 bilhões). Se levarmos em consideração que o Brasil sem Pandemia já apresentava um déficit fiscal previsto para 2020 de R$124 bi, estaremos falando de um esforço da ordem de R$304 bilhões no primeiro ano do ajuste. Um esforço desta magnitude certamente exigirá uma combinação de aumento de impostos e corte de gastos. 

Pelo lado dos gastos, a reforma da previdência aprovada deve começar a ser sentida no caixa. Se estimou um potencial de economia total de R$900 bilhões em 10 anos, porém, dado que as novas regras incidem sobre trabalhadores que irão se aposentar, a maior parte desta economia ficará concentrada nos anos finais da estimativa. O gasto com pessoal do governo federal em 2019 foi da ordem de R$313 bilhões, esta rubrica estará congelada pelos próximos 2 anos, considerando que seriam gastos a simples reposição da inflação para tais salários, o efeito orçamentário disto é simbólico, próximo a R$22 bilhões em 2 anos. A margem para cortar despesas discricionárias, dentre elas, o investimento público foi praticamente exaurida nos anos anteriores e, talvez, teremos um congelamento real do salário mínimo em 2021 que pode criar uma folga de mais uns R$15 bi no orçamento.

Pelo lado dos gastos a situação está no limite, pelo lado das receitas, é preciso ser realista e dizer que novos impostos serão criados. Não que eu goste da ideia, mas a recriação da CPMF parece inevitável neste novo cenário. A estimativa do Ministério da Economia é de uma arrecadação próxima de R$150 bilhões. Recriar um imposto em períodos recessivos é sempre perigoso, por isto seriam necessárias duas ações adicionais: 1° aprovação da reforma tributária nos moldes do projeto da Câmara e, 2° sinalizar ao país que este seria um imposto temporário, com validade de no máximo 5 anos, para que a sociedade entenda este movimento como um esforço de ajuste e não como um aumento perene do tamanho do Estado.

Há ainda outras medidas como privatizações e revisões de incentivos fiscais a setores empresariais que podem ter grande impacto fiscal neste momento. Sobre isto, dissertarei em artigo futuro. Por hora, saliento que qualquer estratégia de ajuste, deve considerar a permanência das regras fiscais como a LRF e o Teto de Gastos, que têm um efeito disciplinador e distributivo sobre o Estado e um papel fundamental na credibilidade da política macroeconômica e na ancoragem de expectativas.

Notas

ALESINA, A. PEROTTI, R. Fiscal Discipline and the Budget Process. American Economic Review. 1996.

Benito Salomão

Doutorando em Economia PPGE-UFU, Visiting Research VSE-UBC.

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