Faz alguns dias que o ano de 2020 começou, deixando para trás uma década que foi, para o Brasil, extremamente atribulada. Há dez anos, os termos do debate econômico eram bem outros, com algumas miragens que previam até crescimento econômico em ritmo chinês. O que se viu, ao contrário, foi a economia perdendo dinamismo ano após ano, já sem o impulso que vinha de fora.
“Malaise” é como os franceses chamam o mal-estar. Era o ano de 2013 e a economia, apesar da desaceleração, operava quase que em pleno emprego. Naquele ano, não se sabe exatamente por que, uma multidão achou por bem tomar as ruas. Os protestos começaram com uma minoria de extrema esquerda contra o aumento no preço das passagens de ônibus. Terminaram com uma multidão de classe média bradando contra tudo o que está aí, num surto de civismo absolutamente improvável, e que as explicações ad hoc atribuem a uma malaise germinada por anos de rumores sobre desvios de dinheiro e serviços públicos falhos.
O fato é que, depois das jornadas de junho, a popularidade da então presidente nunca mais seria a mesma. O país nunca mais seria o mesmo. O prolongado mal-estar coincidiu com o esgotamento definitivo do crescimento econômico e com a descoberta do já indisfarçável enrosco fiscal. Em 2014, até o pibinho desapareceu, enquanto o país entrava de vez no vermelho.
Nas eleições daquele ano, a estratégia dos governistas foi atribuir os males a um cenário internacional que diziam ruim. A candidata à reeleição evitou reconhecer os erros na condução da política econômica, o que lhe garantiu a vitória apertada nas urnas, mas a levou a cometer um estelionato tão evidente quanto desmoralizador.
Eleita, no dia seguinte passou a aplicar as medidas que ela própria negava e atribuía a seus adversários. Eram medidas corretas, só que não encontraram respaldo nem do eleitorado enganado e nem da gigantesca, embora cadente, base aliada. O resto é a história da crise.
Joaquim Levy, o fiscalista chamado para sanear as contas públicas, durou pouco no Ministério da Fazenda. Ao mesmo tempo, os rumores de desvios ganhavam contornos de concreto: a cada dia, um novo empreiteiro se dispunha a entregar os malfeitos e os seus comparsas do mundo político. A população voltou às ruas, desta vez com uma pauta mais definida. Queria ver a presidente pelas costas.
A reboque das ruas, vieram os parlamentares, que meses depois selariam o destino da presidente. O vice assumiu propondo uma “ponte para o futuro”, mas nem chegou a erguer o segundo pilar, a reforma da previdência, e foi alvejado por novas delações. Terminou o mandato sem entregar a obra completa.
Depois de um processo eleitoral conturbado, protagonizado por um parlamentar do baixo clero e por um ex-presidente condenado, o país respirou um pouco de confiança. Confiança aos poucos desgastada devido a um governo que, por alguma razão, gosta de semear crises.
A década termina, ao menos, com a solução do grave problema fiscal bem encaminhada. Depois de anos de intenso debate, finalmente a reforma da previdência foi aprovada. E de pé os principais pilares daquela ponte para o futuro, surge agora com uma agenda positiva de modernização do estado e de melhoria do ambiente de negócios.
A aprovação da reforma da previdência veio a despeito da atuação errática do governo, que ora fustiga e ora afaga as instituições. O paradoxo do presidente que verbaliza imposturas autoritárias e, como consequência, vê o Congresso cada vez mais fortalecido e decisivo, é mostra da força da democracia brasileira. As atribulações da década testaram, mas não esgarçaram as instituições democráticas – o que não dispensa a eterna vigilância.
Agora em 2020, a economia parece acelerar o seu passo; a essa altura, também já deve(ria) estar claro que quaisquer delírios napoleônicos não prosperarão. Depois e apesar de tudo, quem diria, o país ainda corre o risco de se ajeitar.
Allyson Rafael
Mestrando em Economia pela UFABC