Estudantes de universidades públicas – como eu fui – bem entendem essa questão: os meses de abril e maio vão chegando e com eles chega a famigerada “época de greve por melhores salários”. Essa época não vigorou na Universidade de São Paulo pelo menos nos anos de 2011, 2012 e 2013. Coincidentemente, neste período, João Grandino Rodas era o Reitor e ouvia-se que este estava aumentando consideravelmente os salários – por isso que não se via greve. Logo após o fim da gestão de Rodas, entra Marco Antônio Zago e anuncia: estamos gastando mais de 100% de nosso orçamento apenas com salários. Parece clichê, mas, afinal: como é que ninguém viu isso acontecer antes?
A resposta é simples: mesmo quem entende de restrição orçamentária e acompanhou a situação não conseguiria mudar o andamento porque seria taxado de ilógico (por estar lutando por “aumentos menores de salário”) e porque essas decisões são tomadas em colegiados pré-estabelecidos pela universidade (e não em discussões em que todos podem dar suas opiniões de maneira mais aberta). Após todo este ocorrido, Zago entrou na justiça contra a gestão de Rodas e perdeu, com a alegação da defesa de que havia reservas e estas não só poderiam como deveriam ser usadas (mesmo sabendo que os recursos que financiam a Universidade – uma parcela do ICMS paulista – é sujeito a flutuações econômicas) [1].
Essa história contada acima pode parecer um assunto isolado e distante, talvez até restrito a quem estuda e/ou trabalha na USP. Porém, o assunto é bastante sério e tem impactos reais sobre grande parte do setor público e demanda uma reflexão muito maior sobre o orçamento público: aumentar gastos sustentados sem o mesmo aumento em receitas sustentadas* é um risco que, apesar de não ser crime, é um ato de irresponsabilidade. Voltando ao ponto de que não se trata de um caso isolado. Os estados têm passado por uma crise orçamentária notável diante da diminuição de arrecadação advinda da crise econômica que o nosso país enfrenta – e, curiosamente, somente agora perceberam que a despesa com salários aumentou muito mais do que devia (72% a mais que a União [2], esta que já é conhecida pelos seus mais de 100 mil cargos comissionados [3]).
Antes de seguir para o ponto “o que seria mais prudente fazer”, um adendo importante: com este artigo não estou defendendo que os salários são “altos demais” e nem que simplesmente demitir pessoas para aliviar isso seria a solução de todos os problemas, mas sim estou fazendo um alerta das reais razões que levam a isso quando entidades públicas passam por crises como a atual.
Então, afinal, o que seria mais prudente fazer daqui pra frente? Humildemente, proponho que sejam criadas instâncias de avaliação de dois aspectos importantíssimos que tem faltado no trato com a coisa pública neste país. Primeiro, a necessidade de fazer novas contratações e a possibilidade financeira disto no médio prazo. O primeiro motivo é um tanto quanto óbvio. Se um serviço está sendo prestado eficientemente por uma equipe de cinco pessoas, não há motivos para que se contratem outras mais. O segundo é um pouco mais complicado, mas não é impossível de se acompanhar: é preciso aplicar o questionamento “podemos arcar com este desembolso sustentado hoje, mas poderemos amanhã?” e sempre estar atento para separar recursos que tem periodicidade daqueles que irão ocorrer pontualmente.
Se ainda assim parece algo distante, vamos para um exemplo microeconômico de orçamento: imagine uma família que tem um orçamento mensal de R$3.000,00 que é praticamente todo coberto pelos gastos mensais e, infelizmente, não possui reservas financeiras; caso um dos membros desta família jogue na loteria e ganhe um prêmio de, digamos, R$6.000,00, será que é hora de usar este dinheiro para dar a entrada em um novo imóvel – que comprometerá o orçamento da família por pelo menos dez anos, o que já pode ser considerado longo prazo – só porque se tem o dinheiro para a entrada? No caso da Universidade de São Paulo, cujo orçamento ronda R$5 bilhões anuais, a opção de adentrar ao campo das reservas financeiras como se estas fossem um “prêmio a ser usado” e não um “alívio em caso de crise” parece prudente?
Não procuro defender o reitor atual (Zago), nem culpar o anterior (Rodas) e muito menos os governadores dos estados que tanto aumentaram seus gastos diante do boom de arrecadação fiscal que o país passou, mas a questão da restrição orçamentária é clara: usar recursos de reserva (ou que sabidamente estão ocorrendo acima do normal, de maneira não usual) para cumprir obrigações de todo dia (ou, como contabilmente se costuma dizer: usar recursos de longo prazo para cobrir as contas do curto prazo) é algo que passa longe da sustentabilidade fiscal ao longo do tempo. Trata-se de uma situação bem distante do das pedaladas fiscais [4] por não ser um crime tipificado em lei (o de “esconder a dívida” em entes controlados), mas certamente é um ato de irresponsabilidade cujos custos são observados por todo o país atualmente.
Caio Augusto de Oliveira Rodrigues – Bacharel em Economia Empresarial e Controladoria (habilitado em Economia, com ênfase em Políticas Públicas) pela FEA-RP/USP
*Relação entre gastos sustentados e receitas sustentadas: usei esta comparação para me referir a salários e outros tipos de desembolsos públicos que ocorrem com periodicidade (e não apenas uma vez) e são aprovados pensando-se apenas na disposição de caixa do tempo presente (e não se esta irá continuar o suficiente para cobrir esses desembolsos). Referências: [1]http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/04/1765064-universidade-busca-bode-expiatorio-para-crise-afirma-ex-reitor-da-usp.shtml [2]http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/04/folha-de-salario-dos-estados-cresceu-72-mais-que-da-uniao-rj-lidera.html [3]http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/11945 [4]http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2371