Mauá: o Brasil que ‘’quase’’ deu certo & Vargas: o Brasil que fracassou

Por Frederico Moreira*

Se fizermos uma pergunta aparentemente ingênua ao cidadão brasileiro sobre quem foi Getúlio Vargas e quem foi Barão de Mauá, a maioria das respostas desconhecerão a segunda personalidade brasileira. Isso diz muito a respeito do que somos como nação e qual a nossa orientação em termos de cultura política. É fato notório que Getúlio Vargas se tornou uma das personalidades mais conhecidas do Brasil, ao contrário do empresário Barão de Mauá; estes homens não viveram na mesma época nem sob o mesmo regime político, mas ambos são personagens importantes da história política nacional e nos indicam qual caminho seguir e qual não seguir.

Naturalizou-se no Brasil a proeminência de nomes políticos históricos, mas não por conta de uma História que é ensinada nas escolas focadas no político.  Tem mais a ver com cultura estatista brasileira desenvolvida desde quando os portugueses aqui se instalaram. Apesar disso, Barão de Mauá foi talvez o empresário brasileiro mais importante que executou suas atividades econômicas longe da velha tradição brasileira de submeter-se e aliar ao Estado. Apostou em indústrias quando todos arriscavam em agricultura, diversificou os investimentos enquanto a maioria se concentrava em uma única atividade. Não sem motivo, irritou o Imperador e as elites política e econômica.

Mauá acreditava que o desenvolvimento viria de uma iniciativa privada forte e competitiva, livre para atuar e concorrer entre si, baseado nos ensinamentos dos ingleses do século XIX (‘’liberalismo de resultados’’), que confrontavam diretamente o senso comum português e brasileiro sobre a economia: tudo aquilo que os ingleses diziam dar errado, os portugueses e brasileiros aplicavam. Sendo assim, para o Imperador a economia deveria ser um instrumento do bem comum e não a busca individual pelo lucro. Assim, o empresário só poderia causar irritação no monarca e nas elites.

Diversos foram os discursos contra esses ‘’novos ricos’’ que estavam sempre em busca de maiores ganhos, mais mercados, mais clientes, mais investimentos, mais lucros, especulação… Diversas também foram as ações políticas do Estado Monárquico para frear o ímpeto empresarial de Mauá e de seus seguidores. O Imperador D. Pedro II, bem como a maioria das elites brasileiras, acreditava ser ele o centro do desenvolvimento da nação, ao contrário da teoria inglesa. Esse estatismo se encontra de maneira cristalizada na mentalidade coletiva brasileira.

Não muito diferente, Getúlio Vargas, já na fase republicana de nossa história, ampliou exponencialmente a atuação do Estado na economia e na vida das pessoas ao expropriar empresas de diversos ramos econômicos e nacionalizá-las a seu bel-prazer e também transformou a cultura em assunto de Estado. No fim, entrou para a história como pai dos pobres, auxiliado pela sua máquina de propaganda altamente massiva, o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda. Tamanha era sua força que pessoas foram às ruas para gritar a volta de Getúlio quando ele foi deposto em 1945 e o país entrou em choque e comoveu-se na profunda perplexidade quando ele próprio meteu-lhe uma bala no peito.  Vargas morreu, mas o varguismo não!

O empresário Barão de Mauá morreu em 1889 sem ter um pronunciamento público sequer pelo que fez ao país, não houve cortejo fúnebre público em seu enterro. Mauá só teve reconhecimento como brilhante homem de negócios e a frente de seu tempo na Inglaterra. A história nacional o relegou ao ostracismo, fazendo pequenas concessões ao empresário em livros didáticos e filmes nacionais com pouca inserção para os brasileiros. Assim como no século XIX, o Brasil ainda enxerga a cultura empresarial/empreendedora como uma avarenta classe de usurpadores e exploradores (quanto mais rico, mais deplorável o sujeito deve ser), ao mesmo tempo em que vangloria, no passado e no presente, políticos e atitudes que inferiorizam a sociedade civil em benefício do corpo burocrático e político do Estado.

Os principais referenciais históricos do brasileiro (que são os estatistas) ajudam a compreender a tragédia anunciada que é o país. Vargas, um político que perseguiu, assassinou, censurou, mandou prender, governou ditatorialmente… mas que trouxe certas benesses ao povo, acabou entrando para a história como herói nacional; um homem que olhou a sociedade civil de cima para baixo e reforçou a tradicional ideia das elites políticas brasileiras de enxergar a sociedade como inferior ao Estado, de impor, por meio da força, suas vontades.

Mauá pelo contrário, inovou, gerou emprego, gerou receita para o Estado, empreendeu…sonhava com um Brasil competitivo, teve o Banco do Brasil tomado pelo governo após inúmeras intervenções e mesmo assim nunca criticou em público o Imperador; devido à perseguição do governo aos seus empreendimentos e de sua teimosia em realizar negócios, a contra gosto de seus sócios ingleses, com o poder público da época, acabou falindo; mas pagou todas as suas dívidas e aos 70 anos, retomou suas atividades e conseguiu recuperar seu patrimônio. Mauá morreu rico, sem dívida alguma, e com um legado de inovação, superação e senso de dever há muito esquecido pelos brasileiros.

Escolhemos heróis nacionais que de heróis não tem nada. Relegar ao ostracismo Barão de Mauá e ao estrelado exemplar a trajetória de Getúlio Vargas é o atestado de nossa infame tradição política estatista, intervencionista. Que só enxerga salvação no Estado, que é pacífica em relação ao dirigismo estatal, que se deixa levar, de forma incauta, pelo discurso secular do Estado como sendo superior a nós, pela sombria verticalidade dessa relação.  Somos cúmplices de nosso próprio subdesenvolvimento econômico, político e social porque matamos, todos os dias, por meio de nossa mentalidade pateticamente estatista, que permite leis e ações estatais e governamentais intervencionistas, um novo espírito empreendedor; tal qual fizeram e fazem com Mauá. E tragicamente acreditamos que a solução para sairmos do subdesenvolvimento é por meio do dirigismo estatal, do intervencionismo e do estatismo, ‘’santa paciência, hein, Batman.’’ Mas mesmo assim, uma leva de empreendedores consegue boas coisas neste país – isso demonstra a força de um espírito que nada contra a maré. No mais, fica a pergunta: qual projeto de Brasil devemos seguir, o projeto de Mauá ou o de Vargas – o da inovação ou o do imobilismo parasitário?

*Frederico Moreira é historiador graduado pelo Centro Universitário de Belo Horizonte e escreve para o blog Caneta Política http://canetapolitica.blogspot.com.br/

Referências:

Jorge Caldeira. Mauá, Empresário do Império. Editora Rua Tupi, São Paulo: 1995, 2º edição.

Antonio Paim. A Querela do Estatismo. São Paulo: 1999,2º Edição.

Vinícius De Bragança Müller e Oliveira. Positivismo e Estatismo, assim como o Petróleo, continuam sendo nossos! Disponível em http://entrementes.blog.br/positivismo-e-estatismo-assim-como-o-petroleo-continuam-sendo-nossos/  . Acesso em 09/04/2016