Uma das ideias que mais divide opiniões e está novamente em voga nos últimos tempos é a de permitir ou não que sejam cobradas mensalidades/anuidades de quem tem capacidade de pagar em universidades públicas. Como isso seria realizado em termos práticos? Neste artigo, uma singela sugestão é dada para que o debate saia do quase sempre presente “é difícil demais para fazer” ou “tem que cortar por cortar, é um absurdo o Estado custear tudo isso”.
Utilizando das Diretrizes Orçamentárias da USP para 2019, vamos aos dados do que se espera arrecadar e do que se tem de desembolso previsto para este ano. A receita esperada é de R$ 5.699.549.507, enquanto as despesas somam R$ 5.699.343.665. A maior parte da receita vem da participação de ICMS paulista que a universidade recebe e a maior destinação das despesas é com pessoal.
Deixando de lado como as alocações são feitas internamente e qual o perfil médio dos alunos que se utilizam dessa estrutura, retomemos o questionamento: como fazer essa cobrança?
Primeiramente, dever-se-ia separar os orçamentos de graduação, pesquisa e extensão. As universidades públicas paulistas (USP, Unesp e Unicamp) têm muitos alunos, mas o desembolso considerável (e importante) advém de sua pesquisa. Tendo dois orçamentos em separados, sendo um de pesquisa e extensão e outro de ensino, ficaria mais mensurável o retorno social dos investimentos públicos realizados. Na visão deste que aqui escreve, em uma ordem decrescente de prioridades, estão a pesquisa, a extensão e o ensino.
Considerando que já temos dois orçamentos em separado, ideal seria manter o custear da parte de pesquisa e extensão com os desembolsos públicos. Isso porque, assim como na educação básica, temos nestes dois pontos da tríade o maior retorno público – uma vez que, na prática, aquele que se utiliza do ensino de uma universidade pública de ponta acaba tendo mais benefícios privados (em sua própria vida e carreira profissional) do que públicos.
Quanto ao orçamento específico do ensino, quando do momento da entrada de novos alunos, exigir-se-ia uma nova apresentação: caso os provedores declarem imposto de renda, devem apresentar suas declarações dos últimos três anos antes da aprovação no vestibular. Dentro dessa declaração, o foco seria verificar qual a declaração de valor de desembolsos com educação do(a) filho(a) que acabou de ser aprovado. Caso superasse um limite mínimo, uma porcentagem desse valor seria a anuidade a ser paga.
Um exemplo numérico para ilustrar a ideia. Imagine que os pais do aluno Roberto pagaram para ele, nos três anos de ensino médio, mensalidades de R$1000,00 (totalizando “anuidade” de R$12.000,00). Vamos imaginar também outros dois alunos: a Bruna, cujos pais pagaram nos três anos do ensino médio uma mensalidade de R$2000,00 (totalizando “anuidade” de R$24.000,00) e o João, que fez o ensino médio em escola privada, mas com bolsa parcial, tendo pago R$500,00 por mês (totalizando uma “anuidade” de R$6.000,00).
Supondo um “nível mínimo” de R$10.000,00 de declaração no Imposto de Renda e uma porcentagem de 70%, João teria acesso integralmente custeado pelo desembolso público, Roberto pagaria uma anuidade de R$8400,00 (mensalidades de R$700,00) e Bruna pagaria uma anuidade de R$16.800,00 (mensalidades de R$1400,00).
É importante salientar que isso não excluiria a necessidade do Estado seguir financiando essas universidades, mas tornaria o sistema socialmente mais justo, porque quem tem capacidade financeira de pagar (através de critérios objetivamente observados) o faria. Possivelmente haveria incentivo para uma declaração destes valores de desembolsos com educação no Imposto de Renda como inferiores aos dados reais, mas é notoriamente sabido que um dos sistemas mais interligados (e, portanto, difíceis de serem ludibriados) é o da Receita Federal e, no fim das contas, essa atitude deliberada e por tanto tempo (ao menos três anos) geraria suspeitas.
Mais do que oferecer direcionamentos, o que este artigo pretende é apresentar que existe sim solução objetiva para tornar as universidades públicas socialmente mais justas sem que isso desequilibre a entrada de novos alunos e o andamento das atividades que mais apresentam retorno público (como pesquisa e extensão).
Inverter a lógica atual de investimentos educacionais públicos — concentração no ensino superior e pouco foco na educação básica/fundamental — não é tarefa fácil e não é algo que será feito da noite para o dia (ou em poucas canetadas, como tem se pretendido pelo atual Ministério da Educação). Mas, enquanto tal dominante prática não se equaliza, podemos aos poucos (e, isso sim, de maneira mais rápida do que se imagina) tornar o atual financiamento do ensino superior socialmente mais justo.
Caio Augusto — Editor do Terraço Econômico