Em 1973, o russo Wassily Leontief recebeu o prêmio Nobel de economia. Na nominação ao prêmio, ao PhD em economia e então professor de Harvard foi atribuído o feito de “desenvolvimento do método de Insumo-Produto e de sua aplicação a importantes problemas econômicos”. Ainda segundo a nominação, “o professor Leontief é o único e incontestado criador da técnica de Insumo-Produto. Essa importante inovação deu às ciências econômicas um método empiricamente útil para destacar a interdependência geral no sistema de produção de uma sociedade. Em particular, o método fornece ferramentas para uma análise sistemática das transações interindustriais em uma economia”.
A pesquisa e o desenvolvimento do método de Insumo-Produto (IP), nas palavras de Leontief em sua biografia, publicada no advento do recebimento do Nobel, partiram da insatisfação do pesquisador em relação à incapacidade da chamada análise parcial em fornecer uma base suficientemente ampla para a compreensão fundamental da estrutura e operação dos sistemas econômicos. Assim, Leontief se propôs, em 1931, a formular uma teoria geral do equilíbrio capaz de implementação empírica.
A análise de IP trata-se da junção de uma ferramenta (a matriz) e um modelo (o modelo de IP ou Leontief), inspirados na obra de fisiocratas como Willian Petty, Richard Cantillon e Francois Quesnay (com a Le Tableau économique) e nos fundamentos teóricos da análise de equilíbrio geral de Walras. Leontief propôs a organização das informações econômicas na forma de matrizes balanceadas e formulou as concepções de um modelo teórico baseado no fluxo circular da renda e ao problema da sua distribuição entre as classes envolvidas dentro do processo produtivo. A partir do seu desenvolvimento, a análise de IP ganhou espaço como importante ferramenta para o entendimento das questões sistêmicas na economia e o planejamento de políticas públicas.
A matriz de insumo-produto (MIP) pode ser entendida como uma fotografia da estrutura econômica em um determinado momento do tempo, na qual podem ser observados os fluxos entre diferentes setores produtivos e desses com a demanda final e o valor adicionado. As relações demonstradas na MIP são apenas contábeis, formuladas para demonstrar o equilíbrio (ex-post) entre oferta e demanda em uma economia. Para uma análise a respeito do grau de encadeamento, do grau de complementariedade produtiva, bem como dos impactos sistêmicos de uma determinada política pública é preciso aplicar um modelo teórico sobre os fluxos da MIP, o qual é denominado modelo de insumo-produto, também conhecido como modelo de Leontief.
O modelo de IP possibilita acessar o impacto de variações na demanda final de um setor específico no valor da produção dos setores da economia, bem como no valor da produção total da economia. Isto é, dadas as interdependências setoriais, uma alteração na demanda final de um determinado setor impacta a produção do próprio setor e dos demais setores de forma encadeada, de modo que um novo vetor do valor bruto da produção para os setores da economia é gerado (LEONTIEF, 1986). Trata-se de um modelo linear com as seguintes hipóteses: equilíbrio geral da economia com um determinado nível de preços, coeficientes tecnológicos constantes, inexistência de ilusão monetária, retornos constantes à escala e preços relativos fixos e constantes, o que implica oferta infinitamente elástica de fatores (Miller e Blair, 2009). Além disso, pode ser considerado um modelo do tipo demand-led, assumindo-se que a demanda final é exógena e gera a produção e os rendimentos necessários para atendê-la.
Nas palavras de Leontief, “A análise de Insumo-Produto é uma extensão prática da teoria clássica de interdependência geral que vê a economia total de uma região, um país ou mesmo do mundo todo como um sistema simples, e parte para descrever e para interpretar a sua operação em termos de relações estruturais básicas observáveis” (Leontief, 1987, p. 860). Essa preocupações aparecem em seu artigo de 1928, “Die Wirstschaft Als Kreislauf” (Leontief, 1928), baseado no seu trabalho de doutorado e que foi parcialmente traduzido para o inglês em Leontief (1991), “The Economy as a Circular Flow”, assim como no seu célebre artigo de 1936, “Quantitative Input-Output Relations in the Economic System of the United States” (Leontief, 1936).
O trabalho reportado em Leontief (1936), que pode ser considerado o trabalho seminal do professor e pesquisador e o que o levou ao Nobel, foi desenvolvido a partir de um financiamento recebido em 1932 para a construção da primeira matriz de insumo-produto para a economia norte americana (para os anos de 1919 e 1929). Segundo Leontief: “O estudo apresentado […] pode ser melhor definido como uma tentativa de construir, com o material estatístico disponível, um Tableau Économique dos Estados Unidos para 1919 e 1929” Leontief (1936, p.105). Vale realçar que a construção de matrizes IP e a aplicação do modelo de Leontief envolve uma ampla gama de informações e manipulações matemáticas (como inverter uma ampla matriz) e que, naquele tempo, não havia computadores. Então, podemos dizer, sem desmerecer a sofisticação e a utilidade do método criado, que o grande esforço braçal na organização dessas informações em matrizes e na aplicação do modelo já valeria à Leontief um prêmio. O próprio Leontief reporta em sua biografia que começou a usar uma máquina de computação mecânica em larga escala em 1935 e o Mark I (o primeiro computador eletrônico em larga escala) em 1943.
Leontief também se destaca por ter trabalhado no desenvolvimento de programação linear para solucionar e estudar questões econômicas e também é conhecido pelo “Paradoxo de Leontief”, que contrasta de forma empírica a teoria de que as exportações de um país refletem seu fator mais abundante – trabalho ou capital, analisando as informações para os Estados Unidos. Como Leontief apontou, embora os EUA fosse mais abundante em capital do que a maioria das outras nações, a maior parte de suas exportações era de bens intensivos em trabalho; por outro lado, a maioria das suas importações eram de bens intensivos em capital.
Deixando um pouco de lado os aspectos metodológicos e econômicos, merece atenção alguns aspectos pessoais da vida do nosso Nobel: Wassily Leontief nasceu em 05/08/1906 em São Petersburgo, estudou de 1921 a 1925 na Universidade de Leningrado, se formando em economia. Fez o seu doutorado na Universidade de Berlim sob a supervisão de von Bortkiewicz. De 1927 a 1930 trabalhou na Universidade de Kiel. Em 1928/1929 trabalhou na China como consultor do Ministério das Estradas de Ferro. Em 1931 se mudou para os EUA, indo trabalhar no National Bureau of Economic Research, Nova Iorque. Em 1932, se tornou professor no departamento de economia da Universidade de Harvard, EUA, onde começa a construção das primeiras matrizes de insumo-produto para a economia americana. Estas matrizes, juntamente com o modelo matemático, são publicadas em 1936 e 1937. Leontief foi professor na Universidade de Harvard até 1975, tendo recebido o prêmio Nobel de economia em 1973. No período de 1975 a 1999 foi professor no Departamento de economia da New York University, vindo a falecer em 05/02/1999 (GUILHOTO, 2011).
Fato que também deve ser comentado é que Leontief foi orientador de mais quatro prêmios Nobel: Paul Samuelson (1970), Robert Solow (1987), Vernon L. Smith (2002) e Thomas Schelling (2005). Assim, podemos dizer que Leontief, além de um pesquisador digno de Nobel, também era um excelente orientador. Ou, melhor não, já que pela lei geral da estatística e que rege a Ciência Econômica, correlação não é causalidade.
Voltando aos méritos de Leontief que o levaram a ser laureado com o Nobel, conforme Baumol (2000), o trabalho de Leontief “é na verdade um salto para frente, e não simplesmente uma mera extensão daqueles que são chamados de seus predecessores. A contribuição de Leontief é revolucionária, não incremental. Ela transforma abstrações de aplicação duvidosa num instrumento analítico operacional e amplamente utilizável” (BAUMOL (2000, p. 142).
Entre os economistas contemporâneos de Leontief que se preocuparam com a teoria da produção, acumulação e distribuição (fluxo circular), e que de alguma forma têm o seu trabalho relacionado com o de Leontief, podemos citar John Richard Hicks (1904-1989), Piero Sraffa (1898-1983), John von Neumann (1903-1957), e Nicolas Georgescu-Roegen (1906-1994). Entre outros economistas de importância no século XX e que tiveram o seu trabalho relacionado com o de Leontief: Alfred Kähler (1900-1981), Paul Anthony Samuelson (1915-2009), John Richard Nicholas Stone (1913-1991) e Luigi L. Pasinetti (1930-) (LAGER, 2000).
A análise de IP vem sendo extremamente útil para quantificar os impactos de políticas públicas e mudanças no cenário econômico, especialmente em um contexto ex-ante, isto é, de planejamento. Além disso, é a base para a mensuração de uma série de indicadores econômicos estruturais, também muito úteis para o planejamento de políticas públicas. São exemplos os Índices de Rasmussen-Hirschman (Rasmussen, 1956; Hirschman, 1958) os Índices Puros de Ligação (Sonis et al., 1995), os multiplicadores e a abordagem de Campo de Influencia (Sonis e Hewings, 1991). Esses índices são importantes na identificação de setores chave para o crescimento das economias, fornecendo subsídios para a formulação de políticas públicas no âmbito setorial e também regional.
Vale a nota que a aplicação de Hirschman (1958) da análise de IP para fundamentar a teoria do crescimento desequilibrado disseminou esta ferramenta como instrumento de identificação de setores propulsores do crescimento econômico e, portanto, para o planejamento de políticas públicas. Este autor vislumbra na intervenção estatal via investimentos coordenados uma estratégia de superação do subdesenvolvimento, visualizando as complementaridades interindustriais como elemento motivador do crescimento. As contribuições de Leontief, e, a partir do seu instrumental, de Hirschman, foram e ainda são largamente utilizadas para o planejamento em economias em desenvolvimento.
A análise de IP tem sido aplicada a uma ampla gama de temas e para o planejamento econômico em vários aspectos, como análises de impacto de pacotes de investimentos (público e privado), gastos públicos, políticas de transferência de renda, modificações tributárias, meio ambiente e recursos naturais e, mais recentemente, em estudos sobre emissões de gases de efeito estufa (GEE). Outra aplicação recorrente é o uso das matrizes IP como base de dados para as matrizes de contabilidade social e para os modelos de equilíbrio geral computável.
Podemos dizer que a importância da obra de Leontief para a Ciência Econômica e que faz jus à láurea que recebeu se confirma pelo fato de que, ainda hoje, passados 84 anos do seu primeiro trabalho publicado com o instrumental, o método e a teoria ainda sejam extensamente utilizados para análises de planejamento econômico. Sem sombra de dúvidas, Leontief cumpre com os requisitos para um prêmio Nobel: o de contribuição perene de sua obra.
No banquete da premiação do Nobel, em 1973, Leontief finalizou seu discurso: “Dizem-nos que os espíritos malignos ameaçam diminuir as luzes, mas tenha certeza de que não terão sucesso. Enquanto estava vindo do Grand Hotel para cá, olhei para cima e vi as estrelas brilhantes; elas estão extraordinariamente brilhantes hoje à noite”.
Que a Ciência Econômica seja agraciada com novas estrelas brilhantes que lancem luz aos caminhos do planejamento econômico, instrumento tão necessário nesses tempos sombrios, assim como foi Wassily Leontief.
Débora Freire
Professora e Pesquisadora do Cedeplar/UFMG.
Notas:
Baumol, W.J. (2000). “Leontief’s Great Leap Forward: Beyond Quesnay, Marx and von Bortkiewicz”. Economic Systems Research. Vol. 12, N. 2, Junho, pp. 141-152.
Guilhoto, J. J. M. (2011). Análise de insumo-produto: teoria e fundamentos.
Hirschman, A. O. (1958). The strategy of economic development (No. 04; HD82, H5.).
Lager, C. (2000). “Production, Prices and Time: a Comparison of Some Alternative Concepts”. Economic Systems Research. Vol. 12, N. 2, Junho, pp. 231-253.
Leontief, W. (1928). “Die Wirstschaft als Kreislauf”. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozilpolitik. 60, pp. 577-623.
Leontief, W. (1936). “Quantitative Input-Output Relations in the Economic Systems of the United States”. Review of Economics and Statistics, 18, pp. 105-25.
Leontief, W. (1986). Input-Output Economics. Segunda Edição. New York: Oxford University Press.
Leontief, W. (1987). “Input-Output Analysis”. em Eatwell, J., M. Milgate, e P. Newman (eds. ). The New Palgrave. A Dictionary of Economics, vol. 2., pp.860-64.
Leontief, W. (1991). “The Economy as a Circular Flow”. Structural Change and Economic Dynamics, 2, pp. 177-212.
Miller, R. E., & Blair, P. D. (2009). Input-output analysis: foundations and extensions. Cambridge university press.
Rasmussen, P. N. (1956). Studies in inter-sectoral relations (Vol. 15). E. Harck.
Sonis, M., & Hewings, G. J. (1992). Coefficient change in input–output models: theory and applications. Economic Systems Research, 4(2), 143-158.
Sonis, M., Guilhoto, J., Hewings, G. J., & Martins, E. (1995). Linkages, key sectors and structural change: some new perspectives. The Developing Economies, 32(3), 233-270.