Nobel 1975: Koopmans e Kantorovich | por Matheus Assaf

O prêmio Nobel de 1975: programação linear e teoria da alocação ótima de recursos

Tjalling Koopmans e Leonid Kantorovich dividiram o prêmio Nobel de economia em 1975 por suas contribuições para a teoria da alocação ótima de recursos. Os dois viveram em mundos separados pela política do século XX. O holandês Koopmans realizou seu trabalho com suporte financeiro do setor militar dos Estados Unidos, enquanto Kantorovich teve na burocracia soviética apoio para sua pesquisa. Embora em mundos distintos, os dois lidaram com problemas comuns ao capitalismo do pós guerra e do socialismo soviético. A história dos vencedores do prêmio de 1975 nos ajuda a observar como a fabricação da teoria econômica no pós guerra é composta por enredos entre ciência, sociedade e seu tempo histórico específico.

A programação linear lida com problemas que estão presentes em todo lugar na teoria econômica. Rigorosamente, ela soluciona problemas que maximizam uma função linear restrita a um conjunto convexo de soluções. Isto é, ela calcula como ter um melhor resultado para um determinado programa tendo em vista os recursos escassos necessários para efetivá-lo. Koopmans e Kantorovich foram levados para esse tipo de problema abstrato tendo em vista demandas reais de busca de eficiência durante o planejamento da II Guerra Mundial e da Guerra Fria nos Estados Unidos e na União Soviética. O avanço da programação linear, em particular no Ocidente, decorreu de um esforço conjunto da matemática e da economia que amalgamou as duas disciplinas e as transformou na segunda metade do século.

Os vencedores do prêmio

Tjalling Koopmans

Koopmans nasceu em 1910. Iniciou seus estudos no período anterior à guerra na Universidade de Leiden como físico e matemático. A partir de 1936, seus interesses em pesquisa com economia e econometria se aprofundaram. Trabalhou na Liga das Nações em Genebra analisando séries temporais e colaborando com o planejamento ótimo do transporte marítmo de mercadorias. Essa experiência lhe serviu para imigrar para os Estados Unidos ainda antes do Eixo tomar o controle da Europa Continental, com um emprego em Washington no planejamento do transporte marítmo de suprimentos para a Europa. Através do seu contato com o economista Jacob Marschak, Koopmans se juntou à Cowles Comission em 1944. O instituto de pesquisa, ligado à Universidade de Chicago e depois a Yale, foi de grande importância para o desenvolvimento da teoria econômica de equilíbrio geral e econometria no pós guerra. Membros do instituto nesse período incluem outros vencedores do prêmio Nobel: Kenneth Arrow, Gerard Debreu, Herbert Simon entre outros. Koopmans substituiu Marschak como diretor do instituto em 1949. O espaço da Cowles foi fundamental para as inovações em programação linear.

A estrutura militar montada para a II Guerra pelo exército americano incluiu a formação de diversos setores de pesquisa focados em resolver problemas complexos de alocação de recursos para a economia de guerra. A demanda por esse tipo de pesquisa manteve-se em meio à Guerra Fria. Em 1948, a União Soviética bloqueou os acessos à Berlim Ocidental como forma de pressionar os Estados Unidos e aliados a deixarem a cidade. O governo americano reagiu enviando suprimentos para a cidade usando sua força aérea, em uma operação de muito alto custo. A demanda de um planejamento científico que pudesse otimizar os custos levaram à criação em outubro daquele ano do Project for the Scientific Computation of Optimum Programs (SCOOP). O matemático-chefe do projeto foi o americano George Dantzig. A otimização, estudada há séculos na matemática, tranformaria-se em parte de uma “matemática aplicada”.

Lionel Robbins escreveu em 1932 que a economia era a ciência que estudava o comportamento humano como relação entre fins e meios escassos com usos alternativos. Como esse era fundamentalmente o problema que tinha em mãos, Dantzig foi à Cowles Comission em 1947, em busca de uma solução dada pelos economistas para esse problema matemático. Na Cowles, Dantzig conheceu Koopmans, que embora não tivesse resposta pronta para seu problema, entusiasmou-se com o projeto de pesquisa de notável similaridade com seus problemas de transporte ótimo de mercadorias com que havia trabalhado por anos durante o esforço de guerra. Em dezembro de 1948, no encontro da American Economic Association ambos juntaram-se aos matemáticos Albert Tucker e Harold Kuhn e os economistas Oskar Morgenstern e Wassily Leontief para planejar uma conferência focada na teoria da programação linear que tornaria-se seminal para a economia do pós-guerra. 

A conferência Activity Analysis of Production and Allocation foi realizada em Junho de 1949 na Cowles Comission. Esse encontro de matemáticos e economistas introduziu uma série de elementos novos para a teoria econômica: além da programação linear, suas aplicações em teoria dos jogos e pesquisa operacional, e técnicas matemáticas como uso de conjuntos convexos, hiperplanos separadores e teoremas de ponto-fixo. Entre os participantes, além dos organizadores mencionados anteriormente (com exceção a Leontief), estavam Arrow, Simon, Paul Samuelson e David Gale. A conferência também foi fundamental para transformar a matemática, criando a nova área da programação (ou otimização) matemática.

Após as contribuições na conferência seminal de activity analysis, Koopmans manteve seu interesse na teoria da alocação de recursos. A consolidação da aplicação da programação linear na teoria econômica veio em seu livro publicado em 1957, Three Essays on the State of Economic Science. Ainda nesse tema, pensando em problemas de otimização intertemporal de programas, Koopmans expandiu seu interesse para modelos de crescimento ótimo, dessa vez em parceria próxima com o economista francês Edmond Malinvaud. O modelo de crescimento ótimo de Koopmans, publicado em 1963 em uma conferência realizada no Vaticano, foi um dos vetores (junto com o trabalho de David Cass) para o resgate do modelo de Ramsey. O modelo de crescimento ótimo, conhecido também como Ramsey-Cass-Koopmans, é um pilar da macroeconomia contemporânea, em modelos de real business cycles (RBC) ou DSGE.   

Leonid Kantorovich

Kantorovich nasceu em uma família burguesa de origem judaica em São Petesburgo em 1912. Mostrando aptidão matemática desde jovem, entrou na universidade da então Leningrado aos 14, tornando-se professor com 22 anos. Na primeira metade da década de 1930, antes dos anos mais fechados da União Soviética sob a influência de Josef Stalin e os efeitos da II Guerra Mundial, Kantorovich esteve em contato com matemáticos ocidentais como John Von Neumann e Albert Tucker. O início da carreira do matemático soviético foi marcada pelo seu interesse em tópicos de análise funcional, em especial a teoria dos espaços semiordenados. A partir do fim da década, com a necessidade de guerra de regrar o planejamento da produção, Kantorovich debruçou-se sobre tópicos de planejamento ótimo, otimização intertemporal e economia matemática. 

Não foi através do interesse da política soviética em usar métodos matemáticos para planejar a economia que o levou ao tópico. Em parte pela falta de apoio dos modelos ao seu plano de coletivização agrícola no início da década, Stalin denunciou os economistas e planejadores econômicos e foi um apoiador do desenvolvimento de uma nova teoria econômica particular ao sistema econômico soviético. Economistas sob Stalin eram vistos como defensores do capitalismo ocidental e alguns dos mais famosos teóricos como Nikolai Kondratiev e Grigory Feldman foram perseguidos e executados nos anos 1930. Entretanto, os métodos de programação linear e otimização foram de grande valia para o planejamento industrial e para o setor militar soviético e Kantorovich permaneceu protegido enquanto matemático puro, embora sob escrutínio. 

Em 1937, Kantorovich foi contratado pelo laboratório da indústria soviética de madeira compensada para enfrentar um problema de corte ótimo dos insumos de produção, de forma a minimizar o desperdício. Sua solução para tal problema em 1939 foi publicada como Working Paper na Universidade de Leningrado, mas circulou pouco, mesmo na União Soviética. Seus principais trabalhos foram feitos ainda durante a guerra, antes das soluções de Koopmans e Dantzig no ocidente. Seu trabalho entretanto só circulou após a queda do stalinismo. Aplicado com sucesso à indústria, os métodos de otimização de Kantorovich foram também utilizados com sucesso pelo exército soviético para solucionar problemas como o corte ótimo de chapas de aço para produzir tanques ou distribuição ótima de explosivos em um campo minado – o que fazia também os resultados de Kantorovich segredos bem guardados de Estado. Kantorovich recebeu o Prêmio Stalin em ciência e engenharia em 1949.

Após a morte de Stalin e a denúncia dos seus atos por Khrushchev no Congresso do Partido Comunista em 1956, Kantorovich e a economia matemática saíram de um ostracismo na União Soviética e passaram a contar com apoio oficial. Em um embate com a ortodoxia da economia política soviética, diversos institutos foram criados para o estudo dos métodos de otimização. Ao lado do economista Vasily Nemchinov, Kantorovich formou um laboratório de estudos na cidade siberiana de Novosibirsk aberto em 1960. A abertura do laboratório contou com a presença de diversos matemáticos soviéticos como Kolmogorov, Lyapunov, Pontryagin e Markov. Kantorovich criticou a ortodoxia econômica soviética por sua descrença em métodos matemáticos e defendeu o uso das ferramentas de otimização no planejamento econômico socialista. Com a flexibilização do bloqueio entre os mundos, Koopmans e Kantorovich puderam intercambiar os seus trabalhos através da cortina de ferro a partir da segunda metade dos anos 1950. A solução de Kantorovich publicada em 1939 foi traduzida e publicada em inglês em 1960. Em 1965, mais uma vez Kantorovich foi reconhecido pelo governo soviético recebendo o Prêmio Lenin. A partir de 1971, passou a trabalhar diretamente junto ao Gosplan, divisão de planejamento econômico central da URSS. Nos anos 1980, um dos economistas do laboratório siberiano de Kantarovich, Abel Aganbegyan, foi um dos líderes da Perestroika realizada sob o governo de Gorbachev. 

Teoria Econômica e Sociedade

Em 1975, Herbert Scarf escreveu na Science sobre os vencedores do prêmio Nobel de economia naquele ano: “As técnicas de activity analysis (aperfeiçoadas por Koopmans e Kantorovich) exemplificam a teoria pura da tomada de decisões, e dessa forma, são notavelmente indiferentes a instituições econômicas e formas organizacionais.” A matemática aplicada da otimização era a mesma nos dois mundos da Guerra Fria, sendo verdadeira nos dois lugares. Entretanto, o desenvolvimento das duas teorias abstratas também foi estimulada por problemas reais vividos pelos dois sistemas econômicos em ampla competição pela eficiência durante e depois da II Guerra Mundial. Nesse enredo de ciência e sociedade, problemas teóricos puros e soluções práticas determinadas por questões de um tempo específico modularam a economia matemática desenvolvida na década de 1950 e que até hoje constitui pilar da economia contemporânea, tanto na macroeconomia quanto na microeconomia. As contribuições de Koopmans e Kantorovich vistas sob uma ótica histórica nos ajudam a compreender a formação da teoria econômica em conjunto com uma história geral do período em que ela foi desenvolvida.

Matheus Assaf

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Notas (para quem quiser ir mais adiante):

Bockman, Johanna e Michael Bernstein. Scientific Community in a Divided World: Economists, Planning, and Research Priority during the Cold War. Comparative Studies in Society and History 50, vol 3, 2008.

Düppe, Till e E. Roy Weintraub. Siting the New Economic Science: The Cowles Comission’s Activity Analysis Conference of June 1949. Science in Context 27, issue 3, 2014.

Erickson, Paul, Judy Klein e outros autores. How Reason Almost Lost its Mind: The Strange Career of Cold War Rationality. University of Chicago Press, 2013. 

Gardner, Roy. L. V. Kantorovich: The Price Implications of Optimal Planning. Journal of Economic Literature 28, n. 2, 1990.

 

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