Nobel 1980: Lawrence Klein | por Pedro Garcia Duarte

Lawrence R. Klein e a formulação científica de política macroeconômica

Lawrence Robert Klein (1920 – 2013) recebeu em 1980 o “Prêmio do Banco Central Sueco em Economia em Memória a Alfred Nobel” por seu esforço de criar modelos econométricos para aplica-los na análise de ciclos econômicos e de política econômica. Este seu trabalho, que marcou toda sua carreira, começou a ser desenvolvido no final dos anos 1940, anos depois que ele concluiu sua tese de doutorado no MIT sob a orientação de Paul Samuelson —Klein foi o primeiro orientando de Samuelson e o primeiro doutor em economia no MIT (programa de doutorado criado apenas nos anos 1940), com a tese The Keynesian Revolution defendida em 1944 (tese esta que virou um livro de grande sucesso publicado em 1947). Além do Prêmio do Banco Central Sueco, Klein, como seu orientador, também recebeu a prestigiosa honraria da American Economic Association, a John Bates Clark Medal, em 1959.

Para entender a importância dos modelos econométricos de Klein e outros autores, é preciso fazer um apanhado de como se deu o desenvolvimento da economia no século XX. Embora estudos empíricos em economia, tanto de ciclos econômicos como de estimação de demanda, tenham longa história (Morgan 1990), é apenas em 1930 que um grupo internacional de economistas das mais diversas matizes teóricas cria a Econometric Society: uma sociedade para estimular estudos em economia que juntassem economia com matemática e estatística. Para Ragnar Frisch, esta junção era a marca da então nascente “econometria”, rompendo a dicotomia da matemática usada em economia (no século XIX) de modo abstrato e dedutivo e da estatística usada de modo indutivo. A combinação de matemática com estatística e economia se apresentava como uma nova forma de pensar as questões econômicas, mais científica, que ganhou o apoio de economistas tão diversos como Frisch (Noruega), Joseph Schumpeter e Friedrich Hayek (Áustria), Irving Fisher, Harold Hotelling e Charles Roos (EUA), John Maynard Keynes e Arthur L. Bowley (Inglaterra), François Divisia (França), Luigi Amoroso e Corrado Gini (Itália), e Jan Tinbergen (Holanda), dentre muitos outros.

Em 1937 Tinbergen produz o primeiro modelo macroeconométrico: ele representou e estimou as equações que caracterizariam o funcionamento da economia holandesa. Logo em seguida a Liga das Nações o contratou para produzir um modelo macroeconométrico da economia norte-americana. Usando dados de 1919 a 1932, Tinbergen estimou 22 equações que continham 31 variáveis. Trata-se de um feito excepcional para uma época em que inexistiam computadores!

Em 1944, o economista norueguês Trygve Haavelmo, que estava também interessado no uso de modelos econômicos como guia para políticas econômicas, publicou um longo artigo que mudou a maneira com que os economistas faziam modelos (que serviu de base para sua tese de doutorado defendida em 1946 na Universidade de Oslo). Anteriormente, os economistas derivavam de suas teorias relações exatas entre variáveis econômicas de interesse (expressas por equações), que eram então medidas empiricamente (com uso de estatística) e julgadas se eram representações boas ou não. Haavelmo traz uma abordagem probabilística para a economia: os dados econômicos são fruto de alguma distribuição de probabilidade e cabe ao econometrista especificar corretamente os principais determinantes de uma dada variável de interesse, sabendo que há fatores residuais, não modelados, que acabam compondo o termo de erro de uma relação econômica —que é, portanto, probabilística. Esta nova forma de caracterizar as relações econômicas iniciou a fase moderna da econometria, que vem até nossos dias.

Haavelmo desenvolveu este trabalho nos Estados Unidos, onde foi um bolsista da Rockefeller Foundation (1940-42) e estatístico no departamento em Nova York da Norwegian Shipping and Trade Mission (Nortraship) (1942-44). Após um ano como adido comercial na embaixada da Noruega em Washington, DC, ele torna-se pesquisador da Cowles Commission for Research in Economics em 1946-47, quando retorna para a Noruega, finda a Segunda Guerra Mundial. A Cowles Commission foi uma fundação de pesquisa criada em 1932 pelo economista e magnata Alfred Cowles III, que também era entusiasta da econometria e apoiou financeiramente a revista acadêmica que a Econometric Society começou a publicar em 1933, chamada Econometrica

Assim, retornamos a Lawrence Klein. Após a nova abordagem probabilística de Haavelmo, o modelo macroeconométrico de Tinbergen precisava seriamente ser revisto e atualizado. Então a Cowles Commission atribui a Klein esta tarefa, no final dos anos 1940. Em 1950, Klein publica Economic Fluctuations in the United States 1921–1941, que é seu primeiro esforço de construir um modelo macroeconométrico tendo por base os trabalhos de Tinbergen e de Haavelmo. Nele, está clara a metodologia de Klein e dos modelos que sucederam seu trabalho, com dois princípios: primeiro, modelos macroeconométricos são para serem revistos, atualizados, expandidos de tempos em tempos; segundo, a desagregação do modelo é pautada pela disponibilidade de (bons) dados. 

Mas é na Universidade de Michigan que Klein orienta Arthur Goldberger e os dois constroem um modelo médio (que em sua primeira versão continha 15 equações estruturais para se estimar e 5 identidades macroeconômicas) para a economia norte-americana. Este modelo tem inspiração na teoria keynesiana e é publicado no livro An Econometric Model of the United States 1929–1952, tornando-se a base para grande parte dos modelos subsequentes. O famoso modelo Klein-Goldberger tinha como objetivo tanto fazer previsões anuais sobre a atividade econômica como também discutir políticas econômicas alternativas através de simulações.

A partir da década de 1960 o mundo assiste uma enorme proliferação de modelos macroeconométricos, também usados pela iniciativa privada para previsões econômicas. Os modelos vão se tornando maiores e mais complexos e nasce a nova organização de sua produção, com grandes times de pesquisadores e a participação de inúmeros alunos de doutorado que tipicamente trabalhavam em partes específicas do modelo macroeconométrico. Lawrence Klein, então na Universidade da Pennsylvania, fica no centro de uma vasta rede de colaboradores.

Na década de 1960, já com a disseminação dos computadores, dois importantes modelos foram desenvolvidos. O primeiro foi o modelo usado pelo banco central norte-americano (Fed), o chamado modelo “MPS” que começou a ser elaborado na segunda metade da década de 1960 e foi implementado pelo Fed em 1970. MPS se refere às instituições das pessoas envolvidas no seu desenvolvimento: MIT (onde estava Franco Modigliani), University of Pennsylvania (onde estava Albert Ando), e o Social Science Research Council (agência financiadora); no Fed havia uma equipe de economistas, com destaque para Frank de Leeuw. Este modelo, na sua primeira versão, continha 60 equações retratando o funcionamento de uma economia fechada (sem comércio com outros países). O segundo importante modelo foi o chamado modelo Brookings, que tem por base o primeiro modelo trimestral feito por Klein que aparece no início dos anos 1960, com 37 equações. Klein então junta esforços com James Duessenberry (Universidade de Harvard) e inicia um gigantesco projeto na Brookings Institution para construir um grande modelo macroeconométrico trimestral. Os dois dirigiam um time de notáveis acadêmicos em diferentes universidades e o modelo Brookings nasce com 200 equações (com cerca de 150 delas sendo estimadas econometricamente). Com o passar do tempo mais dados toraram-se disponíveis permitindo maior desagregação do modelo que então chega à impressionante marca de mais de 400 equações (utilizando uma amostra temporalmente curta, de 1949 a 1960, com dados trimestrais).

Da Universidade de Pennsylvania, Klein inicia em 1967-68, como parte de discussões de um comitê da Social Science Research Council, um projeto ainda mais ambicioso: de trazer para a discussão sobre estabilidade doméstica em uma economia a ligação internacional com outras economias. Nasceu assim o Projeto LINK, que estudava o mecanismo de transmissão internacional de fluxos de comércio (exportação e importação) entre países. LINK era um sistema de modelos: ele agrupava modelos econométricos de cada país, com as variáveis internacionais que são dadas para um país isoladamente sendo determinadas conjuntamente pela economia global. Isto foi possível tanto por Klein liderar grupos de pesquisadores em diferentes países, e também no Fundo Monetário Internacional, que faziam modelos macroeconométricos, como também por decidir não padronizar os diferentes modelos. No início dos anos 1970, o Projeto LINK continha modelos de 13 economias desenvolvidas (Bélgica, Canadá, França, Alemanha Ocidental, Itália, Japão, Holanda, Suécia, Inglaterra, EUA, Áustria, Austrália, Finlândia), um modelo da União Soviética, modelos de economias em desenvolvimento (agrupadas em 5 categorias), e um modelo para o restante do mundo.

Os modelos macroeconométricos de Klein e nele inspirados tiveram longa vida em bancos centrais, em institutos de pesquisa, organismos internacionais (como o FMI) e empresas. Seus usuários acreditavam ter ferramentas muito poderosas para pensar as relações (macro)econômicas e prever variáveis de interesse. A trajetória de Klein coroa os esforços iniciais de Tinbergen e Haavelmo. Dos anos 1940 aos dias atuais, muitos economistas desenvolveram os modelos macroeconométricos para poderem aperfeiçoar substancialmente a arte da formulação de políticas econômicas, transformando-a mais em ciência do que arte. Os desenvolvimentos econométricos e computacionais transformaram o computador no laboratório que os economistas tanto almejaram: com seus modelos macroeconométricos os economistas podiam simular as consequências de políticas econômicas alternativas antes de interferir de fato na economia de um dado país. Claro que há limitações importantes nestes exercícios, e os economistas tinham consciência disto, buscando sempre rever os modelos tentando aprimora-los, na medida do possível. Hoje em muitos países os bancos centrais utilizam modelos que são tecnicamente distintos dos que vimos aqui, mas que seguem o espírito de Klein de construir ferramentas para a formulação e análise científicas de políticas macroeconômicas.

Pedro Garcia Duarte

Senior Research Fellow, INSPER

Notas:

Boumans, Marcel; Duarte, Pedro Garcia (2019). The History of Macroeconometric Modeling. Número especial da History of Political Economy, v. 51, no. 3.

Duarte, Pedro Garcia (2011). A contribuição da econometria para o debate macroeconômico. Em: Duarte, Pedro Garcia; Silber, Simão; Guilhoto, Joaquim, orgs.O Brasil e a Ciência Econômica em Debate: O estado da arte em economia (vol.2).São Paulo: Saraiva, 2011, p. 229-251.

Haavelmo, Trygve (1944). The Probability Approach in Econometrics. Econometrica, 12 (supl.): 1-115.

Klein, Lawrence (1950). Economic Fluctuations in the United States 1921–1941. Cowles Commission Monograph, no. 11. 

Klein, Lawrence (1976). Project LINK: Linking National Economic Models. Challenge, v. 19, no. 5. 

Klein, Lawrence; Goldberger, Arthur S. (1955). An Econometric Model of the United States, 1929-1952. Amsterdam: North Holland Publishing.

Morgan, Mary S. (1990). The History of Econometric Ideas. Cambridge: Cambridge University Press.

 

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