Nobel 1982: George J. Stigler | por Claudio Lucinda

1982: O primeiro Prêmio Nobel para Organização Industrial

George Stigler ganhou o Prêmio Nobel no ano de 1982 por seus estudos seminais de estruturas industriais, o funcionamento dos mercados e causas e efeitos da regulação pública, de acordo com a Academia de Ciências da Suécia. Este não é apenas um prêmio oferecido para uma área específica da Ciência Econômica, mas também é um dos prêmios para um método específico de se fazer ciência econômica – a chamada “Teoria dos Preços” (ou “Teoria dos Preços de Chicago”). Vamos falar dos dois neste texto.

Para que possamos entender completamente as contribuições de Stigler à área de Organização Industrial, primeiro precisamos entender a evolução da área até os anos 50 e 60, a época das principais contribuições de George Stigler. Muitos economistas costumam afirmar que a forma moderna de análise do funcionamento dos mercados se iniciou com os livros de Alfred Marshall, Principles of Economics  e Industry and Trade. Nestes livros, é apresentado o que hoje conhecemos como o “modelo de competição perfeita”, e o autor afirma que este modelo é capaz de explicar boa parte do comportamento de mercado. 

A primeira edição do Industry and Trade é de 1919, já no final da vida do autor; logo depois começam a aparecer algumas contribuições já questionando esta premissa. A primeira delas, de Piero Sraffa, “The Laws of Returns under Competitive Conditions” (SRAFFA, 1926), apresenta um resultado hoje conhecido de alunos de Organização Industrial: em condições de retornos crescentes de escala, não é possível a obtenção de um equilíbrio em competição perfeita. 

Em 1933, dois livros criticam ainda mais a ideia que a competição perfeita seja capaz de explicar o comportamento de mercado, o The Economics of Imperfect Competition de Joan Robinson e o The Theory of Monopolistic Competition de Edward Chamberlin. Os dois livros questionam outro ponto: em muitos casos, as empresas são capazes de influenciar as condições segundo as quais vendem seus produtos. 

Em 1939, dois artigos, (HALL e HITCH, 1939 e SWEEZY, 1939) criticam outra premissa fundamental do modelo de concorrência perfeita: as empresas não parecem agir de acordo com uma demanda contínua. A demanda enfrentada pelas empresas seria mais elástica para aumentos de preços e menos elástica para redução de preços o que, para eles, seria uma motivação para estabilidade dos preços ao longo do tempo.

Não era mais possível imaginar que o modelo de competição perfeita seria capaz de explicar o comportamento de mercado, mesmo com ressalvas. A partir do final dos anos 30, a chamada “Escola de Harvard” (associadas aos nomes de Edward Mason e Joe Bain) se organiza em torno da seguinte ideia. Uma vez que, à época, parecia ser impossível o desenvolvimento de um paradigma teórico que pudesse substituir o modelo de competição perfeita para organizar o pensamento sobre o comportamento das empresas no mercado, os economistas deveriam se focar em documentar fatos estilizados sobre os diferentes setores, que depois poderiam servir de base para a elaboração de teorias. Essa abordagem acabou levando ao chamado Paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho. Neste contexto, começam a surgir as contribuições mais importantes de George Stigler à área de Organização Industrial.

George Stigler: Vida e Carreira

Nascido em 1911, George Stigler fez seus estudos de graduação e Doutorado na Universidade de Chicago, onde defendeu sua tese, em 1938 orientada por Frank Knight. Após seu doutoramento, durante a Segunda Guerra Mundial ele trabalhou com pesquisa para o esforço de guerra norte americano na Columbia University e, de 1947 a 1958, foi membro do corpo docente da mesma Universidade.  

A partir de 1958 e até sua morte em 1991, George Stigler foi Professor da Universidade de Chicago, com um elevado grau de envolvimento institucional, sendo editor do Journal of Political Economy, criando uma série de workshops em Organização Industrial e, em 1977, inaugurando o Center for the Study of the Economy and State (hoje Stigler Center for the Study of the Economy and State).

Lá ele também se tornou um dos principais membros da chamada “Escola de Chicago”, que entre outras características se definida metodologicamente pelo uso da “Teoria dos Preços” – tão fortemente identificada com este centro de pesquisa que é conhecida também como “Teoria dos Preços de Chicago”.

Um paper recente (Weyl, 2019), propôs a definição de “Teoria dos Preços” como sendo um tipo de análise econômica que tenta simplificar um modelo complexo, ainda que não completamente detalhado, em vetores de “preços” que podem responder um problema alocativo específico. 

Um exemplo deste tipo de abordagem está em seu artigo The Economics of Information (Stigler, 1961), que começa com uma questão bastante simples: por que observamos dispersão de preços (ou seja, preços diferentes para produtos idênticos aos olhos dos consumidores)? Stigler começa assumindo este vetor de preços sumariza um comportamento bastante complexo de vendedores e compradores na busca e fornecimento de informação. A partir daí, e com um arcabouço matemático avançado para a época, é capaz de derivar conclusões poderosas sobre onde podemos esperar maior e menor dispersão.

Com o uso da “Teoria dos Preços”, Stigler começou a criticar o ponto de vista dominante em Organização Industrial, o chamado Paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho mencionado anteriormente. Nesta crítica, três pontos foram essencialmente importantes: 

  1. A certeza que a teoria neoclássica (interpretada pela “Teoria dos Preços de Chicago”) podia explicar a realidade com sucesso, 
  2. Os casos polares das estruturas de mercado (monopólio e competição perfeita) podiam explicar bastante do comportamento das empresas no mercado
  3. Um tom ácido em suas contribuições, entendido pelos amigos como humor, e por outros, como ataques pessoais mal disfarçados. 

Como diz o press release do Prêmio Nobel, ele conseguiu mostrar que fenômenos tais como rigidez de preços, recursos sub utilizados e o uso de filas para racionamento, coisas que são encontradas regularmente em economias de mercado, conseguem ser explicados de forma consistente dentro de um arcabouço neoclássico. Ou seja, não seriam limites da teoria neoclássica e nem haveria a necessidade de intervenção governamental.

Ao estudar o funcionamento do mercado, Stigler também se deparou com um aspecto que condiciona em muitas dimensões a ação das empresas e consumidores: a ação governamental.

Aqui também esses aspectos da abordagem stigleriana se sobressaíram. A principal diferença de foco foi partir do princípio que devemos entender por que essa intervenção ocorre, e não porque essa intervenção deveria ocorrer.

E ao se fazer esta pergunta, Stigler termina concluindo que algumas regulações acabam protegendo grupos específicos de produtores ao invés do público em geral, o qual estas regulações deveriam proteger. Além disso, já nos anos 40, Stigler também mostra que a intervenção governamental na economia (como por exemplo, em leis que limitam o valor dos aluguéis) pode ter efeitos importantes diferentes dos pretendidos pelos seus idealizadores. Estes dois aspectos – a regulação poder ser o resultado da ação dos agentes regulados e a ela pode ter efeitos colaterais adversos sérios – são contribuições que pautam pesquisas na área até os dias atuais, na chamada Teoria Econômica da Regulação.

38 anos depois: Como a Ciência avançou

A crítica da Escola de Chicago e da “Teoria dos Preços” afetou profundamente a forma com que a área de Organização Industrial enfrenta seus desafios, ainda que a “Teoria dos Preços” não seja mais o paradigma dominante na área de Organização Industrial, como aponta Weyl (2019).

Atualmente, existem duas linhas de análise em Organização Industrial, que em grande medida estão associadas com diferentes formas de se responder ao desafio colocado pela Escola de Chicago e a “Teoria dos Preços”. 

A primeira delas, que é predominante nos principais periódicos de Economia, respondeu ao desafio da Escola de Chicago com modelos também formalizados e, a partir do final dos anos 70 e começo dos anos 80, utilizando cada vez mais intensivamente o ferramental de Teoria dos Jogos. 

Esta formalização teve dois efeitos. O primeiro deles é que algumas conclusões derivadas de modelos baseados em “Teoria dos Preços” podiam ser matizadas ou até revertidas; o segundo reduziu a própria necessidade da utilização da “Teoria dos Preços” para a análise de fenômenos econômicos. Ou seja, com a melhora na qualidade do instrumental econômico, reduziu-se a necessidade de utilizar estatísticas sumárias como os preços para aproximar os resultados de modelos parcialmente especificados. 

No campo teórico em Organização Industrial, o esforço passou a ser em modelos mais completamente especificados, mas com poucas variáveis de decisão e cujo equilíbrio pode ser completamente especificado – o maior exemplo desta abordagem é outro ganhador do Prêmio Nobel, Jean Tirole.

Além disso, a disponibilidade maior de dados permitiu uma análise empírica mais aprofundada das conclusões dos modelos. A partir do começo dos anos 80, observamos com a “Nova Organização Industrial Empírica”, esforços em estimar parâmetros estruturais dos modelos usados para explicar o comportamento das empresas.

Uma segunda abordagem, surgiu também em parte como resposta às conclusões da Escola de Chicago. No entanto, a resposta dessa linha conceitual partiu por abandonar o paradigma neoclássico e se baseiam em modelos evolucionários como em Nelson e Winter (2009) e Dosi (1981). 

Empiricamente, esta abordagem se caracteriza pelo desenvolvimento de Modelos Baseados em Agentes (Agent Based Modelling), construindo modelos em que agentes, operando de acordo com regras bastante simples, conseguem replicar fatos estilizados do mercado. 

De qualquer maneira, como afirma Weyl (2019), a partir dos anos 90 o paradigma de Teoria dos Preços acaba por ser eclipsado nas contribuições ao pensamento econômico, tanto no campo teórico quanto empírico.  Mesmo na dimensão empírica a importância das contribuições de Teoria dos Preços ficou sendo cada vez menor, com a divisão do campo em duas áreas. Uma delas, mais focada em “inferência crível”, se afastou da utilização de medidas sumárias dos dados como formas de validação de modelos mal especificados , enquanto a outra, chamada “econometria estrutural” parte de modelos mais completamente especificados para buscar  parâmetros destes modelos.

Concluindo, o que a história deste prêmio nos mostra é a importância do pensamento econômico formalizado na disputa de ideias em economia; a Escola de Chicago e a Teoria dos Preços ganhou seu espaço nos anos 60 e 70 por isso e, a partir dos anos 80, passa a perder espaço também por causa disso.

Claudio Lucinda

claudiolucinda@usp.br

 

Links Recomendados

https://www.hetwebsite.net/het/profiles/stigler.htm

https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1982/press-release/

https://www.hetwebsite.net/het/profiles/stigler.htm

http://nasonline.org/publications/biographical-memoirs/memoir-pdfs/stigler-george.pdf

http://wwwbusiness.murdoch.edu.au/econs/wps/177.html

https://pubs.aeaweb.org/doi/pdfplus/10.1257/jel.20171321

 

Notas

DOSI, Giovanni et al. Technical change and survival: Europe’s semiconductor industry. LEM Book Series, 1981.

Hall, R. and Hitch, C. 1939. “Price Theory and Business Behaviour” Oxford Economic Papers Vol. 2, pp. 12-45

NELSON, Richard R e WINTER, S. An evolutionary theory of economic change. harvard university press, 2009.

SRAFFA, Piero. The laws of returns under competitive conditions. The economic journal, v. 36, n. 144, p. 535-550, 1926.

STIGLER, George J. The economics of information. Journal of political economy, v. 69, n. 3, p. 213-225, 1961.

Sweezy, P. 1939. “Demand Under Conditions of Oligopoly” The Journal of Political Economy Vol. 47, pp. 568-573

WEYL, E. Glen. Price theory. Journal of Economic Literature, v. 57, n. 2, p. 329-84, 2019.

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