Nobel 2006: Edmund Phelps | por Rafaela Vitória

I knew that my method lacked the beauty of stochastic rational expectations equilibrium. But I liked its pragmatic and concrete qualities.

Edmund Phelps

Não poderia ser mais atual revisar o trabalho de pesquisa premiado em 2006 pela sua contribuição na análise dos impactos intertemporais de políticas macroeconômicas. Edmund Phelps, 87 anos, é um economista americano professor pela Universidade de Columbia nos EUA e fundador do Centro de Capitalismo e Sociedade.  Entre suas principais contribuições estão os fundamentos microeconômicos da macroeconomia (“micro-macro”), a taxa natural de desemprego e a regra de ouro da taxa de poupança. 

Phelps é considerado um economista altamente criativo e sua pesquisa sobre os temas desemprego,  inflação e taxa de poupança teve grande impacto na macroeconomia e no desenvolvimento de políticas econômicas. Phelps nasceu em 1933, se formou em economia pela Amrest e aos 26 anos já tinha PhD por Yale. Na década de 60, foi professor visitante em MIT, trabalhando com Robert Solow, Paul Samuelson e Franco Modigliani, todos, futuros ganhadores do Nobel. Desde 1971 é professor da Universidade de Columbia, em Nova York. Seu trabalho pode ser descrito como um projeto de colocar na teoria econômica as pessoas como elas são, tomadoras de decisões sem o total conhecimento de informações, se baseando muitas vezes em expectativas.

Entre os anos 60 e 80, Phelps trabalhou nas fundações microeconômicas das teorias de  emprego e inflação, apontando que trabalhadores, consumidores e empresas tomam decisões sem acesso a toda a informação e, nesse contexto, Phelps se dedicou ao estudo da determinação de renda, da margem das empresas e recuperações econômicas lentas ou em excessos. Seus estudos serviram como base para sustentar o princípio keynesiano que uma redução na oferta monetária não irá simplesmente resultar em queda de preços e renda sem efeito prolongado no nível de emprego. Nos anos 80 e 90, Phelps deixou de lado as análises monetaristas de curto prazo para desenvolver a macroeconomia estruturalista. Se afastando das teorias keynesianas sobre as deficiências na demanda, se dedicou a determinar que havia desemprego estrutural na economia, resultado da redução no investimento e desaceleração dos ganhos de produtividade. 

Uma das questões mais importantes na política econômica é atingir vários objetivos ao mesmo tempo, como inflação baixa, pleno emprego e consumo crescente.  Balancear inflação e emprego é um grande desafio e torna fundamental a  análise de conflitos entre os objetivos de políticas de curto prazo e de longo prazo. Assim como determinar a troca do consumo entre gerações do presente e do futuro se faz essencial na implementação de políticas de bem estar social ao longo do tempo. O conflito está justamente em determinar o que pode ser alcançado hoje em contrapartida ao que podemos ter no futuro, muitas vezes um em detrimento do outro. Podemos aqui fazer um paralelo com políticas econômicas adotadas no Brasil nos últimos anos. Estímulos ao consumo e gastos crescentes do setor público tiveram resultados positivos de curto prazo, com o crescimento momentâneo da economia e da renda média no final dos anos 2000, mas no longo prazo, resultaram tanto em processos inflacionários como em uma dívida pública crescente e baixa taxa de poupança, impactando o crescimento na década seguinte.  

O estudo de Phelps sobre a relação entre emprego e inflação tem como base a curva de Phillips original, pano de fundo do debate entre keynesianos e monetaristas, que definiram na de década de 50 as relações entre o nível de salário  nominal e a taxa de desemprego. Na ausência de expectativas, a curva de Phillips é uma relação inversa entre salários e desemprego. O crescimento da demanda agregada reduz a taxa de desemprego, resultando em um aumento da inflação apenas em um momento. Phelps questionou essa visão, porque inflação não depende apenas de nível de desemprego mas também das expectativas, desenvolvendo a curva de Philips acelerativa: o aumento da expectativa de inflação causa também um aumento da inflação corrente. Expectativas do tipo backward looking determinadas de forma estática ou adaptativa, ao transmitirem o passado para o presente e futuro, podem levar a processos aceleracionistas da inflação, pois choques de oferta que causam inflação hoje podem ser usados amanhã para formar as novas expectativas, e assim sucessivamente.

Essa moderna visão sobre a expectativa da inflação é hoje usada por diversas autoridades monetária em seu processo de elaboração de políticas. Aqui no Brasil, um dos importantes componentes da análise de inflação feita pelo Comitê de Política Monetária é a expectativa de inflação, que o Banco Central coleta na sua pesquisa semanal com os agentes de mercado. Inversamente ao processo aceleracionista, expectativas bem ancoradas podem conter choques de oferta na inflação presente, contribuindo para a definição de uma política monetária mais eficiente.

Essa reformulação da curva de Philips parece simples mas teve consequências fundamentais. Porque implica que no longo prazo, à medida que os agentes conhecem a taxa de  inflação, a economia tenderá para o equilíbrio da taxa de desemprego, que depende do funcionamento do mercado de trabalho e não da taxa de inflação. Dessa forma, não se pode reduzir o desemprego aumentando a demanda agregada, porque a taxa de desemprego abaixo do equilíbrio vai produzir inflação. (O conceito de taxa natural de desemprego foi desenvolvido por Milton Friedman na década de 60, que depois foi expandido por Franco Modigliani na década de 70 para a NAIRU, non-accelerating inflation rate of unemployment, ou seja a taxa de desemprego de equilíbrio que não causa aceleração de inflação.)

Também fazendo um paralelo com o cenário brasileiro atual, temos uma alta taxa de desemprego e, apesar de termos condições de mercado de trabalho que implicam em uma taxa de desemprego de equilíbrio bem mais elevada que outras economias, o atual patamar permite medidas monetárias expansionistas sem impactar a inflação, ancoradas nas expectativas.  Entre as principais contribuições da pesquisa de Phelps é esclarecer o que as políticas monetárias podem e o que não podem fazer, introduzindo o conceito de informação imperfeita na economia, e por isso, ressalta a importâncias da transparência das autoridades monetárias nas suas análises e decisões, melhorando a credibilidade e aplicação de políticas. 

A segunda grande contribuição de Phelps que lhe valeu o prêmio Nobel de 2006 foi seu estudo sobre a taxa  de poupança: quanto deve ser consumido hoje e quanto deve ser investido para incrementar produção e consumo no futuro? Essa relação está diretamente ligada à questão  de como se distribui o bem estar social entre as gerações. Phelps chamou de regra de ouro a taxa de poupança ótima que possibilita a geração atual padrão de consumo o suficiente para não comprometer as gerações futuras. (Uma curiosidade, o termo regra de ouro vem da referência bíblica, faça com os outros o que espera que façam com você.)

Além de estudar a taxa de poupança e a formação de capital, Phelps também teve um olhar para o capital humano, a difusão da tecnologia e o maior retorno da educação em momentos de rápida evolução tecnológica, ligando mais tarde a relação entre crescimento econômico e nível de educação. Um dos diferenciais da pesquisa de Phelps é seu olhar para a microeconomia, como as decisões dos empreendedores são tomadas. Em muitos momentos, contrapondo teorias anteriores de expectativas racionais, “as pessoas não podem formar expectativas racionais sobre a distribuição de probabilidade futura quando o futuro está sendo criado por novas ideias e consequentemente, planos de empreendedores são incertos para o público”.  O trabalho de Phelps teve continuidade no estudo do capitalismo e sua tolerância à diversidade de visão, que permite que participantes tomem decisões e novas direções, antes, consideradas impossíveis. As inovações podem ser novas carreiras, novas estratégias de investimento, novas empresas em novos mercados  pioneiros. As chances de ganhos, motivam empreendedores a pensar grande e de maneira inovadora, enquanto o corporativismo e outros grupos de interesse podem reduzir o dinamismo econômico.

“Se a nossa concepção das economias desenvolvidas é centrada não em torno do consumo e lazer, mas sim das recompensas do empreendedorismo – resolução de problemas, descoberta e desenvolvimento de talentos e as potenciais realizações – então não é surpreendente que esses parâmetros de política, embora importantes na perspectiva neoclássica geralmente adotada por analistas do lado da oferta, não afetam desemprego – contanto que permaneçam na faixa histórica. Torna-se difícil ver por que as preocupações neoclássicas com a substituição do trabalho e lazer deveriam estar no centro das atenções. Reduzir os ajustes do estado social, cortar gastos públicos ou aumentar os investimentos não tornará empregos mais recompensadores. Apenas resultados modestos podem ser razoavelmente esperados.”

Phelps, 2006

A pesquisa de Phelps nos lembra que o trabalho do economista não é somente descrever o mundo, mas trabalhar para melhorá-lo. Para isso, precisamos firmar os princípios das diferenças intertemporais.

Rafaela Vitória

Economista chefe do Banco Inter

Notas

Phelps, E. (1967) “Phillips Curve, Expectations of Inflation and Optimal Unemployment Over Time” Economica, Vol. 34, No. 135

Phelps, E., Cagan, P. (1984) “The trouble with ‘rational expectations’ and the problem of inflation stabilization”. Cambridge University Press.

Phelps, E. (2009) “Refounding Capitalism” Capitalism and Society: Vol. 4: Iss. 3.

Phelps, E. (2007) “Macroeconomics for a Modern Economy”,  The American Economic Review Vol 97, 33.

Samuelson, P. Phelps, Edmund S. (2009) “Edmund Phelps, Insider-Economists”, Princeton University Press.

Stiglitz, Joseph (2008) “Edmund Phelps: American Economic Association Luncheon Speech

Honoring the 2006 Nobel Laureate in Economics,”  Capitalism and Society: Vol. 3: Iss. 3.

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