Nobel 2018: William Nordhaus | por Lucas Warwar

William Nordhaus

“We understand the science, we understand the effects of climate change. But we don’t understand how to bring countries together.”

No dia 8 de outubro de 2018, em Incheon na Coreia do Sul, a ONU divulgou um relatório emblemático sobre mudança climática: de acordo com o IPCC (Intergovernamental Panel on Climate Change), grupo de cientistas, especialistas e políticos que assessora a ONU no tema, as previsões anteriores sobre o impacto do aquecimento global estavam subestimadas. O novo documento anunciava um cenário muito mais catastrófico do que o imaginado anteriormente para a economia mundial nas próximas décadas, com o aumento da temperatura no planeta provocando escassez de alimentos, desastres ambientais e aumento da pobreza. A única solução seria a “transformação da economia mundial em uma velocidade e escala sem precedentes na história”. 

No mesmo dia, apenas algumas horas mais tarde em Estocolmo na Suécia, a Royal Swedish Academy fazia outro anúncio importante: o prêmio Nobel em Economia daquele ano seria dividido entre Paul Romer e William Nordhaus. Este último, por “integrar a mudança climática na análise macroeconômica de longo prazo”. A coincidência com o evento da ONU não passou despercebida. Muitos viram a decisão do comitê do Nobel como uma posição política, em resposta ao crescente negacionismo climático ao redor do mundo, sobretudo nos Estados Unidos – onde o presidente Donald Trump tem reduzido restrições à poluição, além de ter retirado o país do Acordo de Paris. Em oposição, Nordhaus era laureado com o Nobel por mostrar que “o remédio mais eficiente para os grandes problemas causados pela mudança climática é a cooperação entre países”.

A declaração do IPCC provocou espanto mas, embora o crescimento do negacionismo climático seja um fenômeno recente, o aquecimento global e a mudança climática são fatos conhecidos há muito tempo. Na verdade, desde a década de 1970, inúmeros cientistas, biólogos, físicos, geógrafos, meteorologistas, economistas e outros especialistas têm reforçado a urgência do problema. Nordhaus é uma dessas pessoas, e dedica boa parte de sua vida à questão climática e ambiental. Há anos que ele se esforça para compreender e modelar as interações entre o clima e o sistema econômico e, com isso, tentar influenciar as decisões de políticos e governantes. Tal esforço rendeu muitos frutos (inclusive, um prêmio Nobel!) e merece ser conhecido em mais detalhe.

Nordhaus nasceu em 1941 no Novo México, e se formou e obteve seu Mestrado em Economia na Universidade de Yale, onde foi aluno do também Nobel James Tobin e foi membro da sociedade secreta Skull & Bones. Em seguida, ingressou no programa de doutorado do MIT, onde trabalhou em conjunto com outros dois futuros laureados com o Nobel: Robert Solow e Paul Samuelson. O foco de pesquisa do grupo era o processo de inovação, o que fez Nordhaus ter o primeiro contato com modelos de mudança tecnológica endógena, nos quais externalidades positivas da inovação geram crescimento econômico. E de fato, a maioria da produção acadêmica de Nordhaus desde então usa modelos endógenos e o conceito de externalidades, porém de forma diferente: a atividade econômica traz externalidades negativas que impactam o meio ambiente, que por sua vez modificam o clima e prejudicam a economia.

O turning point na agenda de pesquisa de Nordhaus se deu no início dos anos 1970, no contexto maior da “environmental revolution”. Nessa época, os primeiros estudos sobre gases do efeito estufa, aquecimento global e mudança climática fizeram com que a sociedade civil e a classe política se atentasse cada vez mais a questões ambientais, o que chamou a atenção de Nordhaus. Sua primeira abordagem ao tema foi um artigo publicado em conjunto com seu ex-professor, James Tobin: “Is Growth Obsolete?, publicado em 1972, propunha uma maneira de incluir os recursos naturais da economia na contabilidade nacional, e introduziu o primeiro modelo econômico que considerava a sustentabilidade ambiental.  Nas considerações finais do artigo, Nordhaus e Tobin declaravam que catástrofes ecológicas e o aquecimento global viriam a se tornar problemas graves, e portanto mereceriam maior esforço de pesquisa.

Sendo assim, em 1974 Nordhaus se mudou para Viena, a fim de estudar o tema com mais profundidade no International Institute of Applied System Analysis (IIASA), participando de um grupo de pesquisa com cientistas, meteorologistas e físicos de ponta, além do economista Tjalling Koopmans – laureado com o Nobel em 1975. O resultado do trabalho conjunto desses especialistas foi a primeira modelagem econômica do aquecimento global, publicada em 1977.

No entanto, o modelo elaborado no IIASA era extremamente simplificado e não permitia análises muito profundas. Nordhaus voltou para Yale e, junto com diversos colaboradores, passou os próximos 25 anos se esforçando para introduzir os detalhes complexos da ciência climática na análise do sistema econômico, e modelar as relações de interdependência entre os dois. Em 1992 foi divulgada a versão inicial do DICE (Dynamic Integrated Climate-Economy model), o primeiro modelo dinâmico de equilíbrio geral que integrava a economia com o clima, considerando a produção de energia, emissões de gases estufa e o ciclo do carbono. O DICE – cujo nome propositalmente sugere que estamos “jogando dados” com o futuro do nosso planeta –  tornou possível a mensuração dos custos econômicos da mudança climática, como perdas agrícolas e desastres ambientais. Em 1996, Nordhaus introduziu uma versão regional e mais detalhada do modelo, o RICE (Regional Integrated Climate-Economy model).

O passo seguinte foi incrementar a resolução espacial desses modelos. Em suas primeiras versões, tais modelos eram agregados a nível nacional. Por exemplo, todas as características climáticas e econômicas de um país eram estimadas como valores médios distribuídos igualmente pelo território. Embora tal abordagem possa ser útil em algumas aplicações, é imensamente limitante para uma análise mais robusta. A fim de entender o porquê, basta pensar no caso brasileiro: com esse método, as coordenadas geográficas referentes a um pólo industrial em São Paulo, uma plantação de Soja em Mato Grosso ou uma reserva indígena na Amazônia eram computados com os mesmos valores para variáveis como PIB, população, temperatura média, entre outros.  

Da necessidade de resolver esse problema surgiu o G-Econ Project, outra iniciativa ousada de Nordhaus, que tem como objetivo compilar dados de atividade econômica e características climáticas para cada grau de latitude e longitude do planeta. Isso significa que para cada quadrado de 100 quilômetros de comprimento do globo, o G-Econ detalha dados econômicos e outras importantes variáveis demográficas e geofísicas, como clima, atributos físicos e luminosidade. Nordhaus e sua equipe em Yale performaram o esforço imenso de conseguir dados granularizados de renda e produto para cada país do planeta, tratando cada caso individualmente. Esse processo de obtenção dos dados teve inúmeras dificuldades – desde criar literalmente do zero uma base histórica de contas nacionais para a Somália, até disputas diplomáticas para ter acesso a dados Ucranianos e Chineses. Após 10 anos, em 2006 o G-Econ 1.0 foi publicado, e hoje em dia qualquer pessoa do planeta pode acessar o site do projeto e fazer o download de todos os dados compilados por Nordhaus e sua equipe, que são atualizados recorrentemente.

Após finalmente conseguir uma resolução espacial fina, Nordhaus alimentou o DICE com os dados do G-Econ para calcular estimativas do aquecimento global na produtividade agrícola, custos de produção da indústria e na atividade econômica como um todo. Os resultados obtidos indicavam que estimativas anteriores eram subestimadas, e desde então, em praticamente toda atualização do modelo os impactos estimados da mudança climática se tornam maiores. Contudo, apesar dos avisos constantes – não só de Nordhaus, mas de milhares de cientistas e especialistas ao redor do mundo -, estamos fazendo pouco (ou quase nada) para evitar esse futuro catastrófico. Em seu discurso ao receber o Nobel, Nordhaus não deu muito espaço para otimismo: 

“The policies are lagging very, very far — miles, miles, miles behind the science and what needs to be done (…) We understand the science, we understand the effects of climate change. But we don’t understand how to bring countries together.”

Atualmente, o DICE é utilizado por pesquisadores, instituições e organizações governamentais no mundo inteiro, sendo a principal ferramenta para compreender as interações entre clima e economia. Além de estimar os impactos do aquecimento global, a ferramenta criada por anos de trabalho de Nordhaus e seus colaboradores é usada para calcular o custo social do carbono, os impactos de um imposto sobre a emissão de gases estufa, entre muito outros. 

Nas palavras do comitê do Nobel, “as contribuições de Nordhaus são metodológicas, oferecendo ideias fundamentais para entender as causas e consequências da mudança climática”. O DICE abriu o caminho para o desenvolvimento de uma série de modelos estruturais da interação entre o clima e a economia, e o trabalho colaborativo de Nordhaus formou uma geração de pesquisadores qualificados e talentosos nas áreas de economia climática e ambiental. Ademais, os dados abertos do GEcon possibilitam um universo imenso de análises, e o número de artigos científicos que os utilizam cresce a cada ano.

De fato, Nordhaus forneceu poucas respostas ao longo da sua carreira acadêmica mas, como um bom economista, soube fazer as perguntas certas. Há quase 50 anos Nordhaus se preocupa com as interações entre o clima e a economia, e tem como legado ferramentas e informações essenciais para que o mundo saiba, e se prepare, para as inevitáveis mudanças climáticas. Se até agora fizemos pouco para remediar isso, ainda há tempo para ouvir os avisos e honrar o trabalho de Nordhaus e tantos outros cientistas, que dedicaram a vida a prover ferramentas para o combate à mudança climática.

Lucas Warwar

Mestrando em Economia na UnB

Assistente de Pesquisa no Ipea

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