Nova lei cambial: está na hora de tirar as rodinhas!

BC quer simplificar a legislação e facilitar as operações de câmbio no país

A lei cambial brasileira vai completar 100 anos em 2020! Mesmo com legislação centenária, o Brasil continua pedalando em uma bicicleta de rodinhas. O pior, são rodinhas velhas e que foram sendo remendadas por mais de 40 dispositivos legais, formando uma espécie de jabiraca jurídica que prejudica empresas atuantes no comércio exterior, investidores estrangeiros, empresas de tecnologia financeira e, consequentemente, o crescimento do país como um todo.

A motivação para uma nova lei cambial

É por isso que o governo federal, por intermédio do Banco Central, está propondo uma nova lei cambial que tem como objetivo trazer mais simplicidade e transparência (logo, menos burocracia) para as operações em moeda estrangeira no país. O que se procura é diminuir o isolamento do Brasil no comércio mundial, possibilitando que o país deixe de ser, na prática, uma das economias mais fechadas do mundo. Para se ter uma ideia, o Brasil comercializa com o exterior apenas 25% do seu PIB, sendo que a média da América Latina é de 74% e mesmo outros países com economias comparáveis à brasileira como China, Índia e Rússia, comercializam acima de 50% dos seus respectivos PIBs.

O fato é que a legislação brasileira em vigor complica a vida do investidor estrangeiro interessado em fazer negócios no Brasil (mas não quer se expor ao risco das flutuações da moeda brasileira), da mesma forma em que dificulta a vida do empresário brasileiro que deseja vender seus produtos no exterior e receber pagamentos em outras moedas.

Outro problema, é que a jabiraca jurídica da lei cambial atual reduz a liquidez da nossa moeda no mercado internacional. Isso porque sendo muito complexa e cheia de brechas, a lei cambial acaba gerando insegurança jurídica. O que sempre afugenta os investidores, em especial os de longo prazo. Além disso, a falta de liquidez acaba aumentando os spreads no câmbio, já que em um mercado de baixa liquidez é difícil precificar os ativos. Com isso, a diferença entre o preço de compra e o preço de venda de moeda estrangeira no Brasil acaba ficando muito alto, comendo boa parte dos lucros dos empresários que precisam desse tipo de operação financeira.

A ideia da nova lei cambial é dar ao capital estrangeiro um tratamento idêntico ao recebido pelo capital nacional. Inverte-se a lógica atual de que câmbio é coisa de polícia e a regra passará a ser a permissão. Com isso, a mobilidade de capitais deve aumentar, fazendo com que o custo de capital em reais convirja para o custo internacional.

No futuro, o que se pretende é uma plena correspondência bancária internacional do real, evoluindo mais adiante para uma conversibilidade total da moeda brasileira com outras moedas estrangeiras. Vislumbra-se, inclusive, a possibilidade de permitir a abertura de conta-corrente em moeda estrangeira no país. Tudo isso, segundo o Banco Central, deve acontecer de maneira gradual e segura: “Ainda estamos muito longe disso”, revelou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, “nosso objetivo imediato não é que as pessoas tenham conta em dólar, ou conversibilidade plena, o nosso primeiro objetivo é simplificar”.

Essa mudança faz parte de uma ampla estratégia do governo federal para aumentar a abertura do país ao investidor estrangeiro, facilitando outros projetos como concessões no setor de infraestrutura e também privatizações de empresas estatais.

Uma lei mais simples, moderna e transparente também beneficiará as fintechs, empresas de tecnologia financeira que competem com grandes bancos, o que também ajuda a diminuir a concentração bancária no país e amplia a concorrência no setor, o que acaba beneficiando todo mundo.

A nova lei cambial apresenta riscos? Por que não fizemos isso antes?

O maior risco de facilitar as transações em moeda estrangeira no Brasil e de reais no exterior é tornar a nossa moeda mais vulnerável a ataques especulativos. Em momentos de crise e desconfiança, a tendência é que as pessoas corram para opções mais seguras, o que poderia gerar uma corrida para moedas mais fortes. A verdade é que a estabilidade econômica do país não depende de uma lei cambial arcaica e complicada, mas sim de que o governo faça as reformas estruturais e que garantam um crescimento sustentável para a economia do país. Além do mais, o câmbio flutuante, um dos pilares do tripé macroeconômico em vigor no país desde 1999 é suficiente para que não ocorra uma dolarização especulativa da economia brasileira.

Ao contrário do que tem sido a regra do atual governo, projetos apressados e mal feitos para o Legislativo (como aconteceu notadamente com o projeto que visava ampliar o acesso a armas nos país), o projeto de mudança da lei cambial parece ter sido redigido com muita cautela e cuidado. O projeto consolida toda a jabiraca jurídica cambial de forma detalhada, para que as novas regras sejam fiquem não apenas simples, como também claras. Outra boa notícia para o projeto é que ele conta com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que elogiou a medida no seu podcast “Resenha com Rodrigo” e prometeu dar celeridade ao projeto.

Depois de aprovado, as mudanças passarão a ter validade apenas após 1 ano, o que é um tempo suficiente para que os agentes financeiros possam se adaptar às mudanças na legislação de maneira tranquila.

A ideia é tirar as rodinhas com segurança, devagar, até que seja possível um passeio mais rápido, simples e sem paternalismo nas operações de câmbio no Brasil.

Notas

Folha de S. Paulo – Modernização do mercado de câmbio

Valor Econômico – Independência ou Interdependência

BCB – Nova Lei Cambial trará melhores condições para inserção da economia brasileira nos mercados internacionais

PL 5387/2019

Renata Velloso

Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e adolescentes.
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