Gustavo Tasso
Nos últimos anos o Brasil passou por um dos maiores processos de inclusão social já visto na história, reconhecido internacionalmente pela ONU como um dos melhores do mundo. Sobram dados positivos acerca desse processo de inclusão, que independente de crises externas ou períodos de bonança, continuou este processo. Nos anos 2000 cerca de 50% dos municípios brasileiros possuíam IDH inferior a 0,500, enquanto que após os dois governos Lula (2002-2010) essa porcentagem caiu para 0,5% dos municípios brasileiros. A taxa de crescimento da renda dos 10% mais pobres da população brasileira cresceu em uma faixa de 6,5% ao ano, enquanto que os 10% mais ricos tiveram um crescimento de cerca de 2% ao ano, ressaltando-se o fato de que a distância da renda entre eles continua muito grande.
Quando analisada mais profundamente, observa-se que caso os 10% mais pobres fossem considerados um país, este apresentaria um crescimento maior do que 95% dos países do mundo, ou seja, os pobres brasileiros cresceram mais rapidamente do que 95% dos países, tendo um crescimento próximo ao da China. De acordo com o Banco Mundial [1], entre 2001 e 2013, o número de miseráveis no país caiu de 10% para 4%, entre 1990 e 2013 cerca de 25 milhões de pessoas deixaram de viver na pobreza extrema e ainda de acordo com o PNUD [2], o IDH do Brasil acumulou crescimento de 36,4% entre 1980 e 2013, o que representa um aumento anual médio de 0,95% no índice. Este foi o melhor desempenho entre os países da América Latina no período.
[caption id="attachment_4123" align="aligncenter" width="489"]Esse incrível processo de inclusão social com redução das disparidades econômicas deveu-se à alguns fatores.
- Políticas de renda compensatória
- Valorização real do salário mínimo
- Recuperação do nível de emprego
- Maior acesso ao crédito
Entretanto, o grande êxito nesse período reverteu apenas uma parte do problema, tendo em vista que o país continua com absurdas taxas de disparidade econômica. O Brasil continua no ranking dos quinze países mais desiguais do mundo, quando se ajusta o IDH com a desigualdade de renda do país, perdemos cerca de 27% de nosso IDH. Ainda existem cerca de 13 milhões de pessoas no país que são miseráveis. Observa-se também a existência – dentro dos limites territoriais – de uma enorme disparidade econômica regional, tendo o país municípios com IDH semelhantes aos de Uganda, e outros com IDH equiparável à países europeus. Quando observados índices mais específicos, a situação brasileira fica ainda pior. Um estudo feito pelo professor Rodolfo Hoffmann da Unicamp[3] analisou o coeficiente de Gini para a concentração fundiária no país, e o resultado é assustador: 0,843.
Observa-se que mesmo o país tendo passado por um enorme processo inclusivo na última década, voltamos a ter um coeficiente de Gini próximo ao da década de 60. O Brasil demorou quase 50 anos para se recuperar do ‘’milagre econômico ‘’ da ditadura, tendo nesse período a concentração de renda atingido o seu maior pico.
Dentro do atual contexto macroeconômico mais desfavorável com altíssima taxas de juros, ajuste fiscal em curso, desaceleração do consumo, aumento do endividamento das famílias coloca-se em dúvida até que ponto o país vai conseguir manter as reduções das desigualdades. Dentre os quatro fatores que proporcionaram a redução da desigualdade no país, nesse período de crise provavelmente só as políticas compensatórias de renda continuarão vivas. Não haverá significativos aumentos reais do salário mínimo, visto um cenário de inflação próxima a 8,4% (de acordo com último relatório Focus), analistas tem estimado uma taxa de desemprego próxima aos patamares de 7,5% no fim do ano e os bancos reduziram substancialmente suas linhas de crédito com o aumento da inadimplência.
Em meio a um cenário tão desfavorável, o professor do Insper Ricardo Paes de Barros propõe alguns desafios que devem ser superados para que o país continue o processo de inclusão social. [4]
(a) Aproveitar o bônus demográfico
Atualmente, o país passa por um momento extremamente favorável no que se refere aos fatores demográficos. Temos hoje cerca de 65 milhões de população economicamente ativa (PEA) a mais do que PEI (população economicamente inativa), esse bônus favorece o crescimento econômico tendo em vista que existe uma maior quantidade de pessoas trabalhando dentro do país para uma menor quantidade de dependentes.
(b) Elevar a produtividade
Em 1980 Brasil e Coréia do Sul possuíam a mesma produtividade. 35 anos depois se observa a contínua estagnação da produtividade brasileira, enquanto que a Coréia do Sul obteve ganhos exponenciais. Para ter-se uma maior dimensão, quatro trabalhadores brasileiros são necessários para produzir o que um norte americano produz. Elevar a produtividade envolve tornar nosso país mais competitivo no cenário internacional, e isso passa por uma melhora no nível educacional, investimentos em infraestrutura, tecnologia e inovação e por uma maior qualificação da mão de obra.
(c) Garantir oportunidade para a juventude
Se fizermos uma comparação com a média de anos de estudo do trabalhador brasileiro, observa-se que hoje ele teria cerca de nove anos. Para efeitos comparativos, no Chile o trabalhador tem em média cerca de 12 anos. A gravidade da situação pode ser mais bem compreendida quando se observar que em relação ao nosso vizinho Chile, estamos uma geração atrasada, isto é, os trabalhadores chilenos da década de 80 tinham 9 anos médios de educação. O desafio da educação brasileira como forma de garantir oportunidade aos jovens passa por uma melhor governança, um modelo que incentive a difusão dos modelos das escolas de sucesso, uma nova forma de lidar com os educadores, passando por sua valorização da profissão e visando um método que dê maiores incentivos aos educadores.
(d) Administrar o envelhecimento da população
Como mencionado anteriormente, tem se hoje a maior juventude de todos os tempos, mas passaremos por um processo de inversão demográfica, a começar nos próximos anos. A população idosa hoje no país gira em torno de 5%, e os gastos feitos com previdência para o idoso no país é cerca de 10 vezes maior do que o gasto para uma criança que recebe o bolsa família. Entretanto, observa-se na projeção um ponto de inflexão na curva, que fará com que a população idosa salte para até 20% da população nas próximas décadas , com esse envelhecimento extremamente veloz que o país passará, cabe uma reforma nas políticas públicas, de modo a ajustá-las a demografia futura do país, caso contrário o atual modelo de previdência tornar-se-á insustentável.
Dados de 2014 mostraram um leve empobrecimento da população, mas é possível reverter isso ainda. Além desses enormes desafios, cabe ao Brasil uma reforma tributária que atue de forma progressiva, de forma a atenuar a disparidade econômica Casa o país não se comprometa com tais quesitos, provavelmente todo o avanço que concerne às políticas de inclusão social que foram conquistadas na última década pode ser colocado em xeque.
Estamos em risco?
Junto a esses desafios, pode se somar também uma reforma tributária que atue de forma progressiva, contribuindo assim para a redução da desigualdade no país. Mas caso o Brasil não se comprometa com tais quesitos, todo o avanço que concerne às políticas de inclusão social que foi conquistada na última década certamente estará em risco.
Gustavo Tasso Graduando em Administração FEA -USP Membro da liga de Mercado Financeiro da FEA -USP
Notas
[1] http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/23/politica/1429790575_591974.html
[2] http://www.pnud.org.br/noticia.aspx?id=39097
[3] http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20032009000100006&script=sci_arttext
[4] https://www.youtube.com/watch?v=GCd_INPj-x4
Fonte da Foto de Capa: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/03/130307_abre_pobreza_brasil_jp_jf.shtml