Você no Terraço | por Matheus Sesso
No dia 06/05 ocorreu mais um ato deflagrado da falta de projeto de desenvolvimento no Brasil tanto por parte do governo atual quanto do que se chama de “oposição”. Sem dúvida é vergonhoso para um país que não cresce e segue com pressão inflacionária ver a Câmara dos Deputados aprovar em regime de urgência e por unanimidade a lei que estende a atual política de valorização do salário mínimo (correção pelo INPC do ano anterior mais crescimento do PIB real de dois anos anteriores). Esse projeto, primeiramente encabeçado por Luiz Inácio Lula da Silva, talvez seja o principal causador do quadro inflacionário atual, o qual vem rendendo a Dilma diversas críticas. Porém tal pressão não deveria gerar tanto espanto, uma vez que a receita pode ser vista a olho nu, bastando analisar três ingredientes: Crescimento do PIB, produtividade e salários.
Como muitos devem saber o PIB pode ser decomposto em consumo, investimentos, gastos do governo e saldo líquido das exportações. Quando olhamos para os quase 12 últimos anos de governo do PT é nítido que o país cresceu sustentado pelo consumo, sendo esse o grande “motor” do período. Em relação aos salários a teoria econômica nos diz que devem refletir a produtividade, isto é, quão mais produtiva é uma sociedade maiores devem ser os salários. Caso eles subam além da produtividade, mantendo todas as outras variáveis constantes, haverá no limite um descompasso entre oferta e demanda resultando em pressão inflacionária. Já a produtividade é fortemente impactada pelo investimento e, ao se analisar os dados dos anos de PT, nota-se que o mesmo variou muito pouco, se mantendo por volta de 18/20 % do PIB, um nível pífio para um país que quer se desenvolver.
Mas o que a lei tem a ver com tudo isso? Ela basicamente institucionalizou ganhos reais de salário mínimo, indexando-o a uma proxy muito ruim de produtividade (crescimento real do PIB). E então de onde vem o ganho real repassado? Resumidamente da aceleração do consumo e, concomitantemente, do endividamento das famílias. A taxa de câmbio apreciada no governo Lula camuflou o veneno gerado pela combinação errada dos três ingredientes, fazendo com que quase todo ganho real escapasse através do consumo de bens importados (tradeables) e aumentasse a demanda de serviços (non-tradeables). Esse fator permitiu que não se criasse uma pressão inflacionária, mas gerou distorções dentro do índice (non-tradeables em alta tradeables estabilizados ou em queda). Por fim, passado o ciclo de bonança das commodities, assim como do bom humor com os países emergentes (ambos contribuíam com uma taxa de câmbio apreciada), o câmbio voltou a se desvalorizar e o descompasso entre oferta e demanda se tornou nítido, havendo uma clara pressão de custos (dentre eles o salário), isto é, “inflação de oferta”.
Observem que distribuir renda através de aumentos salariais tende a contribuir para a igualdade social (o que é muito positivo). Porém quando o que se distribui não são ganhos de produtividade ocorre uma distorção econômica que acaba por penalizar (no longo prazo) os próprios trabalhadores ao gerar baixo crescimento combinado com elevada inflação. Sabendo disso deveria existir maior diálogo entre diferentes esferas (governo, sindicatos, industriais, mercado financeiro, etc) para explicar que estão dividindo um bolo sem leva-lo ao forno rústico da economia brasileira, agindo de maneira precoce e penalizando o resultado final. Porém, na contramão disso, no dia 06 de maio a “oposição” e o governo atual concordaram em manter essa política incabível de salário mínimo que gera maior indexação econômica e torna a inflação mais estrutural. Isso nos faz perceber que o jogo do poder corrompe todos e que não há por parte de nenhum partido algum projeto decente de crescimento de longo prazo ou mesmo comprometimento com o fim da inflação estruturalmente elevada.
Se o país mantiver a política de distribuição de aumentos salariais da forma como está, o resultado dessa gastronomia macroeconômica brasileira terá um sabor muito mais de Cuba (subdesenvolvido com igualdade de renda) do que de Estados Unidos. Está na hora de decidir a refeição de amanhã.
Matheus Sesso
Economista pela Escola de Economia de São Paulo – FGV
Mestrando da Barcelona Graduate School of Economics