O grande desenvolvimento do Brasil entre 2003 e 2015: teria este sido tão grande?

“Lula e o PT levaram o Brasil a outro nível economicamente.” Particularmente, já ouvi essa frase em diversas conversas, e já a li em alguns artigos de revistas e jornais. No  artigo “O que fica para o Brasil após 13 anos de governo do PT”, da revista Exame, publicado em agosto de 2016, o articulista faz um apanhado de diversos indicadores: população em extrema pobreza, índice de GINI, posição entre as economias, para mostrar que houve melhoria em todos esses indicadores. Apesar de um tom mais comedido, os especialistas ouvidos pela revista, afirmam que é difícil falar do legado de 13 anos na questão econômica, pois foram governos que adotaram políticas diferentes.

A Revista Fórum, em seu portal, reproduz um artigo com nome “A Globo teve que reconhecer: 12 anos de PT mudou o Brasil”, publicado em 2014, quando ainda estávamos nas eleições de 2014 (mais tarde, Dilma seria reeleita). No decorrer do artigo, afirma que as mudanças para melhor ocorridas no Brasil são frutos de “políticas públicas de inclusão que varreram o Brasil do mapa da fome […] e mudaram o país de patamar”.

Saindo da grande mídia para adentrar no meio acadêmico, o professor Marcelo Curado, doutor em economia pela UNICAMP e professor do departamento de Economia da UFPR, escreveu um artigo publicado na Revista Economia e Tecnologia, da própria UFPR, com o título “Uma avaliação da economia brasileira no Governo Lula”. O resumo do artigo afirma que “[…] apesar da permanência de graves problemas ao longo da gestão Lula […] deve reconhecer a ocorrência de avanços significativos no desenvolvimento econômico e social do País”. O artigo utiliza diversos indicadores, como o Produto Per Capita, desigualdade de renda, entre outros, como variáveis para mostrar a evolução do país ao longo do tempo, apesar de ressalvar que uma análise mais ampla precisaria incluir diversas outras variáveis, inclusive algumas sociais.

Além disso, é bastante comum, em tempos de redes sociais e com tudo que envolve as eleições de 2018, bem como a possível prisão do ex-presidente Lula, acaloradas discussões afirmando que Lula e o PT tiraram milhões de pessoas da pobreza ou que o Brasil cresceu como nunca durante o governo do Partido dos Trabalhadores. A narrativa oficial, inclusive de intelectuais críticos ao governo petista, é de que o governo do PT, principalmente o de Lula, teve efeitos benéficos para a nossa economia. Mas essa narrativa raramente é contestada e, talvez ainda menos, analisada à luz dos dados.

Governos Lula e Dilma: análise do crescimento e desenvolvimento do Brasil

No presente artigo, é realizada  a análise de alguns dados de crescimento e desenvolvimento econômico durante a vigência dos governos de Lula e Dilma, fazendo-se uma comparação com outros países, de tal maneira que possa ser possível chegar a uma ideia mais concreta acerca dos governos de Lula e Dilma.

Todos os dados utilizados para essa análise foram retirados do site do Banco Mundial, que reúne e publica as informações repassadas pelos próprios governos centrais. Foram estabelecidos como critério a utilização de três indicadores: taxa de crescimento do PIB per capita (em paridade de poder de compra, a dólares de 2011), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e a taxa da população vivendo abaixo de US$ 1,90 (em paridade de poder de compra, a dólares de 2011). Para facilitar a comparação, foram realizados dois procedimentos: PIB per capita calculado a partir de variações anuais, e transformação das taxas de crescimento em números índices de base fixa com o ano de 2002 (ano imediatamente anterior ao início do governo Lula) estabelecido como base. Isso facilita a visualização da evolução dos dados, com todos os países analisados partindo da mesma base.

A escolha dos países para comparar o crescimento brasileiro com o restante do mundo teve dois critérios simples: países emergentes (ou em desenvolvimento) no mercado mundial, e a proximidade geográfica. Dessa forma, foram criados dois grupos de países para comparação: um formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que compõe o conhecido grupo político “BRICS” (acrônimo formado pelas iniciais dos países que o compõe, e que em 2014, assinou um acordo para formação de um Novo Banco de Desenvolvimento); e outro formado por Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela, além do Brasil, os seis maiores países da América Latina (em termos de PIB).

A análise foi feita utilizando gráficos, como forma de demonstrar se o Brasil cresceu de maneira mais acelerada, ou mais consistente que os países comparados, o que corroboraria com a narrativa de que os governos petistas colocaram o Brasil na rota dos grandes países, tendo um crescimento econômico “incomparável”. O interesse aqui é, então, procurar taxas de crescimento dos indicadores utilizados maiores e mais robustas para o Brasil em relação aos outros países estudados.

Utilizando um indicador de crescimento econômico, a taxa de crescimento do PIB per capita, como mostrado nos gráficos 1 e 2, não é possível concluir a ocorrência de um crescimento acima dos países comparados.

Gráfico 1. Série encadeada da taxa de crescimento do PIB per capita – Brasil vs Países da América Latina (2002 = 100)*.

* Venezuela não possui dados para 2015.
Fonte: Banco Mundial, elaborado pelo autor (2018).

Tanto Argentina quanto Venezuela tem inclinações maiores que a curva de crescimento brasileira; Chile e Colômbia apresentam crescimento semelhante e somente o México apresentou um crescimento mais lento que o brasileiro em todo período. É possível observar que apenas Brasil e Venezuela tiveram queda no ano de 2015, enquanto que os outros países estavam crescendo (com a Argentina tendo uma queda em 2013 e 2014 no seu PIB per capita). O gráfico 2 apresenta a comparação com os países do BRICS.

Gráfico 2. Série encadeada da taxa de crescimento do PIB per capita – Brasil vs Países do BRICS (2002 = 100).

Fonte: Banco Mundial, elaborado pelo autor (2018).

Quando comparado aos países do BRICS, novamente o cenário se mantém. O Brasil cresceu, porém todos os países comparados cresceram mais e de maneira mais acelerada que o Brasil, com exceção da África do Sul, e Índia e China tiveram crescimento ininterrupto mesmo durante a crise mundial em 2008. Em termos de percentuais, o PIB per capita acumulado brasileiro cresceu 26%, enquanto que a Argentina cresceu 53%, Chile 51%, Colômbia 54%, Índia 119%, Rússia 57% e a China 214%. Somente a África do Sul (25%) e o México (14%) cresceram menos que o Brasil no período analisado.

Muitos podem contestar a análise, afirmando que o crescimento econômico não é tudo, e que o importante é o desenvolvimento social e econômico da população brasileira, com esse campo tendo melhoras consideráveis com os governos Lula e Dilma. Olhemos os dados, nos gráficos 3 e 4.

Gráfico 3. Série encadeada da taxa de crescimento do IDH – Brasil vs Países da América Latina (2002 = 100).

Fonte: Banco Mundial, elaborado pelo autor (2018).

Como estamos interessados na velocidade do desenvolvimento econômico, e não no nível de desenvolvimento econômico em si, para efeitos de comparação, utilizamos a taxa de crescimento do IDH, apresentada como uma série encadeada no gráfico 3. Nos dois primeiros anos do governo Lula o IDH brasileiro teve uma queda, e depois voltou a crescer. No entanto, não há sinais de que o desenvolvimento econômico, medido pelo IDH, tenha crescido de maneira diferente para o Brasil, quando comparado aos outros países da América Latina; a Colômbia, que acompanhou o Brasil na queda do IDH em 2003 e 2004, apresentou uma taxa de crescimento do IDH muito mais acelerada que o próprio Brasil ao longo da série. O gráfico 4 apresenta a mesma série, mas agora em relação aos BRICS.

Gráfico 4. Série encadeada da taxa de crescimento do IDH – Brasil vs BRICS (2002 = 100).

Fonte: Banco Mundial, elaborado pelo autor (2018).

Da mesma forma, a comparação com os BRICS mostra que o crescimento do Brasil não foi maior do que os outros países, com uma inclinação da curva maior – em alguns anos apenas – que a África do Sul. No mesmo período, a Índia cresceu quase linearmente, sem nenhuma taxa negativa, e apenas entre 2007 e 2009 que a inclinação da curva mudou, o que significa que cresceu a taxas menores. No acumulado, o Brasil cresceu aproximadamente 7,8% (o IDH passou de 0,699 para 0,754), enquanto que a Argentina cresceu 7,4%, Colômbia 10,3%, Chile 9,2%, Venezuela 11,4%. Índia e China destoam, com crescimento acima de 20% no período analisado.

O último índice analisado é a taxa da população que vive com menos de US$ 1,90 (em paridade de poder de compra). Neste caso, o indicador é a própria taxa de pessoas (da população total do país) que vivem nesta condição; quanto menor a taxa, mais desenvolvido social e economicamente está o país. Os gráficos 5 e 6 apresentam as taxas percentuais (como percentual da população total) para os dois grupos analisados – em muitos anos, para diversos países, não havia a informação disponível.

Gráfico 5. Percentual de pessoas que vivem com menos de US$ 1,90 (em PPP) – Brasil vs Países da América Latina.

Fonte: Banco Mundial, elaborado pelo autor (2018).

O gráfico 5 tem diversas falhas nas curvas, pela falta de informações a respeito do indicador. No entanto, é possível fazer uma comparação: observa-se que todos os países reduziram o número de pessoas que vivem abaixo da linha de US$ 1,90 ao longo dos 14 anos analisados, e nenhum país analisado se destacou nessa redução – ainda que a Venezuela apresente uma curva bastante inclinada entre 2002 e 2006, não tem informações disponíveis a partir de 2007. Em 2015, o Brasil teve um aumento no percentual de pessoas vivendo nessa situação: em 2002, havia 12,3% nessa situação, chegou 3,7% em 2014, e voltou a subir para 4,3% em 2015. No gráfico 6, podemos ver a comparação com os BRICS.

Gráfico 6. Percentual de pessoas que vivem com menos de US$ 1,90 (em PPP) – Brasil vs BRICS.

Fonte: Banco Mundial, elaborado pelo autor (2018).

Da mesma forma, o gráfico 6 mostra a evolução da taxa de pessoas vivendo com menos de US$ 1,90 (em PPP), na comparação entre Brasil e os outros países do BRICS. Não há informações em diversos anos para todos os países, mas o que é possível depreender do gráfico é que todos tiveram queda – exceto a Rússia que já parte de um patamar muito baixo: segundo as informações disponíveis, há menos de 1% de pessoas vivendo com menos de US$ 1,90 naquele país, chegando a 0% em 2010. Diferentemente do Brasil, China, Índia e África do Sul partem de taxas muito elevadas de pessoas vivendo com menos de US$ 1,90 ao dia, mas o gráfico ilustra que as inclinações das curvas são semelhantes, indicando que reduziram o número de pessoas vivendo nessa situação a taxas parecidas as brasileiras, a ponto de a China ultrapassar o Brasil, apresentando uma taxa menor que a brasileira, em 2013.

Conclusão

É inegável que houve algum crescimento e desenvolvimento econômico no Brasil nas primeiras décadas dos anos 2000. É inegável que esse crescimento foi substancial, da mesma forma. No entanto, quando comparado a outros países em situação semelhante, isto é, países emergentes no mercado mundial e com proximidade geográfica, o crescimento brasileiro foi, muitas vezes, menor, e no máximo igual a eles. Não há evidências empíricas que sustentem que os governos de Lula e Dilma tenham se diferenciado em algo, quando comparados aos dois grupos de países selecionados. Na verdade, é possível afirmar que, em se tratando de crescimento e desenvolvimento econômico e social, o Brasil tenha ficado para trás em relação a uma parcela de países que estão em situação semelhante ao Brasil.

Talvez, esteja na hora de contestarmos mais firmemente a tese de que a primeira década dos anos 2000 tenha sido uma década de ouro devido aos governos petistas de Lula e Dilma, como diversos intelectuais a ela se referem. É possível observar, analisando os dados dos outros países, que o contexto mundial da época era favorável, influenciando o cenário da economia brasileira, de forma que o crescimento experimentado não deve ser vinculado, necessariamente, aos governos petistas. Foi uma década de crescimento? Sim. Mas teria sido um crescimento excepcional, experimentado apenas pelo Brasil e necessariamente relacionado a políticas implementadas pelos governos vigentes à época? Os dados sugerem que não. As evidências apontam que o caminho seguido pelo Brasil, na melhor das hipóteses, foi igual a diversos outros países.

Mas, por que, essa narrativa persiste? É preciso tomar cuidado, porque existe uma quantidade significativa de membros da intelligentsia – jornalistas, acadêmicos e intelectuais – que nem sempre se utilizam de dados para evidenciar as suas posições. Não nos esqueçamos de uma lição, de Thomas Sowell: “o fato de que muitos políticos de sucesso são mentirosos não é, exclusivamente, reflexo da classe política, mas também um reflexo do eleitorado. Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las.” Fica o alerta em ano de eleição para questionar os políticos com base nos dados e evidências empíricas. Questionar com dados é importante, dada a tendência geral dos políticos de se auto-aclamarem  como os responsáveis pelo bem-estar da nação, ao passo que são sempre os outros (os estrangeiros, o capital, os pessimistas, ou quaisquer outros entes abstratos) os culpados quando as coisas dão errado.

Dioner Segala

É bacharel em Economia pela UFSC, atua como economista e empresário na cidade de Florianópolis – SC.

Sair da versão mobile