O monopólio da defesa dos mais pobres

Durante debates, sejam eleitorais ou cotidianos, militantes e simpatizantes da esquerda assumem uma suposta superioridade moral por, de acordo com suas opiniões, serem os únicos defensores dos mais pobres. As demais correntes políticas, de algum modo, não se importariam com os menos favorecidos, sendo formadas por “vilões” que nutririam ódio pelo povo.  

O principal argumento em defesa dessa visão, é o papel do Estado, mais especificamente dos gastos públicos e estrutura tributária. Todas as soluções de problemas passam, obrigatoriamente, por uma elevação de investimentos governamentais e alteração do sistema tributário. Todo o dinheiro necessário para investir mais viria da taxação dos “mais ricos”.

De fato, o Brasil tem uma estrutura tributária extremamente regressiva, taxando bastante o consumo, ao invés da renda e patrimônio. Mas mudar o sistema não faria o milagre de arrecadar muito mais recursos para o governo. As restrições orçamentárias permaneceriam, e é nesse ponto que moram as contradições da esquerda tupiniquim.

Outra questão, é a forte oposição por parte da esquerda, em relação a importantes reformas (emergenciais para a economia). A grande oposição se dá no entorno da Reforma da Previdência, com o argumento de que esta prejudicaria os mais pobres, com regras como a idade mínima e elevação do tempo de contribuição para conseguir o benefício integral. Com esse posicionamento, parecem desconhecer que essa já é a realidade daqueles que se aposentam pelo Regime Geral, enquanto servidores públicos e militares conseguem aposentar-se mais cedo, recebendo integralmente o último salário de quando estavam na ativa. Além disso, quase 30% dos gastos previdenciários são com benefícios pagos à essa elite do funcionalismo.

A esquerda, inclusive, une-se a poderosas corporações de servidores públicos para negar o inegável: a existência de um déficit na Previdência, que cresce ano a ano e ameaça, em algum momento futuro, deixar a Previdência sem recursos suficientes para pagar as aposentadorias e demais benefícios. Isso sim, seria prejudicial aos mais pobres, que em muitos casos dependem do benefício para sobrevivência.

Além da Previdência, outro tipo de gasto defendido pela esquerda, em acordo com sindicatos e corporações são os salários do funcionalismo público. Não há protestos para reformulação das carreiras, que em diversos cargos já iniciam-se com salário muito alto e sem metas específicas de produtividade para elevação de cargo, consequentemente de salário. Embora, mais recentemente, houve protestos em relação a salários e regalias, como o auxílio-moradia, mas circunscrito a membros do Judiciário. Aparentemente, foi mais por revanchismo pela recente condenação de lideranças da esquerda, do que por um desejo de racionalização de gastos públicos.

Previdência Social e salários de servidores constituem 70% do orçamento federal. Restam, portanto, 30% do orçamento para investir e manter todas as outras áreas. Desta forma, é inviável para o Estado oferecer serviços públicos de qualidade para todo o conjunto da população. Porém, a esquerda além de não admitir reformas para reduzir o peso dos gastos previdenciários e com servidores, também não aceita debater focalização de serviços públicos e programas sociais. O governo teria maior eficiência em atender os mais pobres, que não tem condições de pagar pelo serviço privado, ao invés de gastar dinheiro subsidiando o uso do aparelho estatal pelos mais ricos.

Para resolver o problema de restrição orçamentária, é comum ver a esquerda defendendo duas soluções: aumentar a quantidade de moeda em circulação e/ou dar calote na dívida pública. Ambas as medidas teriam o trágico efeito da hiperinflação, fuga de investimentos do país, fechamento de empresas e desemprego em massa. Basta voltar aos anos 80 ou olhar a situação da nossa vizinha Venezuela, para saber quem mais sofreria nessas condições.

Por fim, um dos programas mais defendidos pela esquerda brasileira é o Bolsa-Família. Transferência de renda direta do Estado para a população, o programa atinge quase 14 milhões de famílias, com renda familiar per capita inferior a 170 reais. O benefício é atrelado, além do critério de renda, à permanência escolar das crianças. É apontado como grande responsável pela queda acentuada nos índices de evasão escolar do Brasil e dinamizou a economia de pequenos municípios, principalmente no Norte e Nordeste.

Porém, o que certa parte da esquerda não admite, é que o Bolsa-Família é um programa de cunho liberal, baseado na ideia de imposto de renda negativo, defendido por Milton Friedman. É um plano focalizado, com critérios de permanência e atrelado a resultados.

Enquanto a esquerda não tomar o Bolsa-Família como exemplo para reorganização do Estado, sua defesa dos mais pobres será mera demagogia. Se tiver a chance de governar e colocar suas ideias em prática, o discurso ficará cada vez mais circunscrito a um gueto ideológico, sem relevância eleitoral.

Victor Oliveira Mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar). 

   
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