Da disputa presidencial de 89 para cá, o jornalismo brasileiro tem o hábito de, passadas as eleições, jogar luz sobre as complicações econômicas que o presidente eleito terá de enfrentar depois de empossado.
Quando Collor venceu, o tema era o descontrole inflacionário. Quando Fernando Henrique foi vencedor em 94, o assunto que dominava as manchetes era a sustentabilidade do Plano Real no longo prazo. Em 98, o câmbio. Em 2002, a manutenção – ou não – do tripé macroeconômico. E por aí vai.
Hoje, a temática é mais ou menos a mesma de 2014: arrecadação inferior aos gastos anuais – situação, por nós, absolutamente desconhecida até Dilma.
Pois bem, o déficit primário – este fato novo em nossa história fiscal – agravou-se e, o que há quatro anos era uma diferença de R$ -32,5 bilhões na relação entre receitas e dispêndios governamentais, passou a ser de R$ -150 bilhões. Aí, muita gente pode perguntar, de maneira até bem delicada e singela, “E daí? O que é que isso tem a ver comigo?”.
Infelizmente – e é com verdadeiro pesar que digo isso -, a despeito do extraordinário número de barbaridades sociais provocadas por estúpidas e insistentes políticas econômicas fiscalmente expansionistas, mesmo com todos os absurdos a que nós fomos levados pela negligência histórica aos limites que a prudência impõe aos gastos governamentais, um número extremamente elevado de pessoas ainda não tem clareza da relevância de se manter contas em ordem.
Não obstante o esforço hercúleo que foi feito por gestões passadas – especialmente, por aquelas em que a chamada “turma do Real” (nossos “garotos da PUC”) esteve no comando da administração pública – em demonstrar à população a importância da responsabilidade fiscal, tem ainda muitíssima gente bem intencionada que persiste no discurso de que a evolução da dívida não é tão preocupante.
Para um número muito grande de pessoas, mais importante que discutir ações (ou inações) de Estado capazes de elevar a produtividade do trabalhador brasileiro, estagnada já há mais de três décadas, é debater temas menores como a propriedade que o Chico Buarque tem em Paris. “Pode, ou não, alguém mais identificado com ideais de esquerda ter casa na França?”, perguntam-se os bocós que cederam ao debate pueril predominante nas mídias sociais de que participo.
Eu sei que as finanças públicas são um assunto pouco atrativo. E como costumamos a fazer com tudo aquilo que julgamos chato, árido, desagradável, simplesmente deixamos de estudar.
Faço questão de ressaltar que o desinteresse é mais do que compreensível. Mas, como tudo neste mundo recheado de trade-offs, a desatenção a uma má organização fiscal tem um preço.
No caso específico da previdência, o custo de oportunidade de nós não dimensionarmos bem o tamanho do problema, pode nos levar à bancarrota. E por bancarrota entenda-se, num futuro não tão distante, reduzirmos drasticamente os investimentos em áreas onde o Estado brasileiro, por necessidade da sua população se faz presente e em atrasos no pagamento de aposentadorias e pensões.
Segundo o que informa o Ministério do Planejamento, as despesas relacionadas ao pagamento de benefícios previdenciários atualmente correspondem a R$ 637,9 bi. Repito, R$ 637,9 bi!
O mais urgente dos desafios do governo eleito é fazer aquilo que Temer e sua equipe foram incapazes de fazer: explicar, com clareza, à população por que nós devemos reformar a previdência social.
Apresentar à sociedade, de maneira inteligível, as distorções que existem no sistema previdenciário. Sem tecnicismos, explicar à direita que o déficit em nada tem a ver com corrupção e, à esquerda, que “auditorias soberanas da dívida pública” e cobranças de empresas que devem à previdência nada mais são do que soluções fabricadas, lastreadas em dados pouco consistentes (quando não mentirosos) para fugir de uma problemática gigantesca que, querendo ou não, de uma forma ou de outra, teremos que enfrentar.
Se Bolsonaro tem a ambição de exercer um mandato presidencial, no mínimo, mediano, seus primeiros compromissos deverão ser, ao meu juízo, os de mudança das regras de aposentadoria e de concessão de pensões. Pensar nas gerações futuras que, atualmente, têm sua possibilidade de aposentar-se ameaçada.
Reavaliar os regimes próprios de previdência social, pensar e propor novas bases de cálculo de correção do piso salarial mínimo para que o rombo previdenciário deixado pelos exagerados reajustes acima da inflação parem de crescer e modificar severamente benefícios inacreditáveis a que certas castas privilegiadas tem acesso, me parecem um bom ponto de partida.
Rafael Rosa Sou carioca, tenho 20 anos e sou graduando em Direito no IBMEC.