É curioso como o Brasil insiste em manter vivos alguns debates, e por consequência políticas econômicas desastradas, que já foram superados há muito tempo tanto no campo teórico quanto no campo empírico.
Mas o pior disso é ainda termos uma memória curta que nos permite pensar: desta vez vai dar certo e acabamos por dar voz a quem já cometeu erros grandes em política econômica. Tomemos duas políticas que estiveram muito em pauta nos últimos anos. A primeira, a responsabilidade fiscal e a segunda, a independência do Banco Central.
1 – A responsabilidade fiscal.
Não é preciso ser nenhum grande economista para entender que não é possível gastar do que se ganha eternamente. Para ser mais restrito ainda, não é possível aumentar seus gastos consistentemente caso sua renda não aumente, pelo menos, na mesma velocidade. Ou melhor, até é possível, mas a consequência é uma galopante inflação, algo que acreditamos não ser desejável por 99,8% dos nossos leitores.
Tal princípio que deve governar 10 entre 10 leitores do Terraço também deve valer para o governo. Não é possível que o governo aumente seus gastos ano após ano caso a arrecadação não acompanhe o ritmo.
O contra-ataque de alguns economistas naturalmente será: mas o governo, ao aumentar os gastos em um período, está contribuindo para um crescimento mais vigoroso no futuro, o que financiará os déficits atuais.
Bem, conforme dito no começo: este debate está superado na economia. Boa parte dos economistas se dedica a entender quais são as causas do crescimento econômico sustentado e voluntarismos de governos não estão entre elas. Muito pelo contrário, se mal executadas, políticas de indução do crescimento podem agravar os problemas de ciclos econômicos .
Ainda pior, como Milton Friedman corretamente colocou: “Não há nada mais permanente que um programa governamental temporário”. Ou seja, dê a um político o poder de aumentar gastos temporariamente e o aumento será permanente.
Para evitar que a “boa vontade” dos políticos em promover o crescimento nos coloque em rota econômica insustentável é que medidas de responsabilidade fiscal são adotadas. Não somente escritas, mas implementadas e suas violações severamente punidas.
E quando digo que o debate já deveria ter sido superado, basta rever nossa própria história com mandos e desmandos de governantes tentando promover o crescimento com políticas de desonerações, subsídios, gastos em setores específicos, etc. Todas nos levaram a graves crises que vieram sob a forma de inflação ou recessão…ou ambos.
O voluntarismo econômico perdeu. Mas suas ideias ainda sobrevivem no Brasil, incrivelmente. O que gera crescimento econômico são negócios, empresas, inovação, empreendedorismo, produtividade. O papel do governo na promoção do desenvolvimento econômico é não atrapalhar: promover um bom ambiente de negócios, manter contas públicas em ordem, evitando taxar o contribuinte excessivamente e cuidando para não ter sua dívida crescente e cara, o que transfere recursos que seriam investidos na produção para o pagamento do serviço da dívida pública.
Responsabilidade fiscal, ou em um simples mantra: “não gastar mais do que arrecada, não gastar mais do que arrecada” não deprime economia alguma, não torna um país subdesenvolvido. A irresponsabilidade fiscal sim .
2 – O Banco Central
O caso emblemático da campanha à presidência do Brasil em 2014 ainda está na nossa memória. Quando a candidata Marina Silva liderava as pesquisas e tinha em uma de suas propostas garantir a independência legal do Banco Central, o marketing de Dilma Rousseff atacou.
Em uma peça publicitária, o narrador dizia que caso a o Banco Central fosse independente, os banqueiros tomariam conta dele e a comida sumiria da mesa do trabalhador brasileiro.
Por trás da publicidade está a ideia ainda arraigada nas mentes econômicas mais “brilhantes” da nossa nação: o Banco Central pode e deve promover maior crescimento econômico.
Novamente, um debate superado em economia na década de 70, mas que teima em permanecer por aqui. A ideia de que o Banco Central pode promover um pouco mais de crescimento aumentando a moeda em circulação (ou seja, com um pouco mais de inflação) foi derrubada há tempos.
Dar independência legal ao Banco Central significa somente desvincular o mandato do presidente e de diretores da autoridade monetária do mandato do chefe de estado. Atualmente, o presidente do Banco Central pode ser “demitido” pelo presidente quando o nosso mandatário maior bem entender. Com a independência legal, o presidente do Banco Central teria um mandato fixo e somente poderia ser destituído de suas funções pelo congresso nacional.
E o que está por trás da ideia? Evitar que ideias superadas forcem o Banco Central a sair de sua prerrogativa (no Brasil) de garantir o valor da nossa moeda ao combater a inflação. Simples. Evitar que o presidente acorde de bom humor e diga ao Banco Central que ele deve baixar os juros, pois isso fará com que o país se desenvolva.
Mas ainda resistimos à ideia de formalizar a independência do Banco Central por conta de ideias mirabolantes de economistas com soluções mágicas para o nosso sub-desenvolvimento.
E o que a experiência internacional nos mostra? Aqui vamos recorrer novamente ao Milton Friedman e desta vez discordar dele. O famoso “não existe almoço grátis” não é bem verdade quando a independência do Banco Central é garantida. O que quero dizer com isso? Em todos os países que adotaram um regime monetário que estabeleceu independência de sua autoridade monetária o resultado foi inflação menor sem alteração no crescimento econômico.
Outra vez o voluntarismo econômico, desta vez com o Banco Central como instrumento, perdeu. Autoridade monetária não promove crescimento e seu papel no crescimento econômico é cuidar para que a moeda não perca valor e, uma vez mais, não atrapalhar.
Dois casos que estiveram ou estão em nosso cotidiano e cujos debates já deveriam estar superados tanto pela experiência internacional, quanto pela evidência em nossa história. Isso sem falar nos argumentos teóricos.
Desenvolvimento econômico não é um processo simples e requer aumentos de produtividade, boas instituições e muitos outros fatores que são difíceis de isolar. Mas o que podemos sim concluir é que muito ajuda quem não atrapalha. Mecanismos que evitem mandos e desmandos na área econômica por políticos que possuem incentivos de curto prazo são muito bem vindos no Brasil. Mas ainda resistimos e acreditamos que um salvador da pátria econômico virá com a solução mágica.
Acho que já deu de experimentalismos. Acabou o debate nessas duas áreas. Passemos para outros pontos da nossa agenda econômica.