O texto a seguir é estritamente fictício, contudo, foi inspirado na leitura do artigo ‘Produtividade’ de Eugênio Gudin.
Rio de Janeiro, 12 de julho de 1959.
Caro Roberto,
Expresso mais uma vez minhas preocupações com os problemas econômicos nacionais. Um deles, a baixa produtividade, já nos assola há algum tempo. Como pode o trabalhador, da indústria ou do campo, produzir mais? Pode-se dizer que é um assunto técnico e, portanto, para físicos, engenheiros e químicos. Ainda assim, o economista pode oferecer útil contribuição.
Em princípio, o economista estuda os mais básicos fatores de produção: matérias-primas, energia, capital e assim por diante. Consequentemente, produtividade não se mede apenas por preços e custos, mas através daquilo que produz fisicamente o trabalho humano. Não estamos restritos à operário e máquina, consideremos também o planejamento fabril, uma atmosfera favorável ao trabalho e um sistema de pagamento atrativo.
A melhoria da produtividade deve ser almejada porque implica aplicação imediata na vida cotidiana, seja pela baixa dos preços ou da alta dos salários — ambos significam um aumento da renda real. Entretanto, sob o aspecto da justiça econômica universal, a melhoria da produtividade que se traduz na baixa de preços é proveitosa ao mundo inteiro.
Note que me refiro à produtividade independente do contexto, seja dentro da fábrica ou nos campos de cultivo. Certas teorias míopes associam agricultura e pobreza, industrialização e prosperidade, até que esbarram na realidade dos fatos. Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Dinamarca — países cujo caráter agrícola não serviu de impedimento à prosperidade econômica.
Isso não quer dizer que eu seja contrário à industrialização e favorável a um Brasil predominantemente agrícola. Sou contrário à indústria preguiçosa, que acumula fortunas para uma minoria de privilegiados à custa do consumidor. Nossa indústria nasceu a partir dos recursos do café e os paladinos industriais seguem até hoje hasteando bandeiras pitorescas.
Digamos que precisamos de fechaduras de porta, um artigo até então importado. Funda-se a indústria nacional de fechaduras, cujos artigos custam o dobro daquele importado. Isso permite que o industrial pague salários maiores em relação ao agricultor, que concorre no mercado internacional e se submete à políticas econômicas eventualmente desfavoráveis ao próprio ofício, como é o tabelamento de preços. Basta que o trabalhador deixe a agricultura e rume para a indústria de fechaduras, está realizado o milagre, salários mais altos!
Em última instância, quanto mais trabalhadores realizarem a mesma migração, maior o incremento de renda e o país ficará mais rico. Esse tolo raciocínio, porém, é feito apenas em termos monetários. A ilusão se dissipa quando notamos que não há aumento de produtividade, salários sobem e preços também, alterou-se a distribuição da renda, mas o padrão de vida médio do país permanece o mesmo. São ideias infantis como essa as capazes de conferir caráter científico ao protecionismo.
O que dizer dos nossos problemas demográficos — baixos padrões de saúde, educação e nutrição? O que dizer da inflação, má aplicação de recursos, hostilidade ao capital estrangeiro, parca infraestrutura de transportes e toda a sorte de políticas econômicas absurdas?
Ainda assim, tudo se esquece quando encontramos algum período de prosperidade econômica. “O Brasil não pode parar”, dizem alguns. Obviamente, sem dar conta de que a prosperidade é resultado de condições e fatores excepcionais e não recorríveis. Uma pesada herança logo se apresenta, governo endividado e uma moeda desmoralizada. O remédio amargo, substancial redução dos investimentos e cessação do aumento do consumo, permanece ignorado. Nesta época de demagogia quem terá coragem de dizer às massas que precisamos de austeridade e sacrifícios?
O Brasil não pode parar, dizem alguns. Prefiro uma frase ligeiramente diferente: o Brasil precisa andar!
Meus cumprimentos,
Eugênio Gudin Filho