Nobel 1986: James M. Buchanan Jr. | por Paulo Silveira

Em 1986 o professor chicaguista (ah, a valência do adjetivo fica por sua conta), James M. Buchanan Jr., recebeu o Prêmio do Banco da Suécia para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel… Mais um? Não, dessa vez é diferente¹. Vamos deixar o romance de lado. Buchanan foi laureado por “desenvolver as bases contratuais e constitucionais das tomadas de decisão políticas e econômicas”, ou seja, dar o pontapé inicial naquilo que ficou conhecido na literatura como teoria da escolha pública.

Basicamente, estamos no limiar das ciências política e econômica, uma teoria que trata de problemas políticos e constrói seus argumentos numa perspectiva econômica². É assim que Buchanan subiu  aos ombros de Knut Wicksell para provocar vocês (nós?) economistas: deixem de oferecer conselhos de política econômica como se os políticos que as aplicassem fossem indivíduos particularmente benevolentes. Não é assim que o jogo funciona. Makes sense to me!

Antes de qualquer coisa, seria necessário entender as restrições políticas impostas aos participantes do jogo e somente após isso se deveria oferecer alguma prescrição de política econômica. Se a palavra “restrição” soa um tanto quanto “microeconômica” pra você, devo dizer que está acompanhando bem o raciocínio até aqui.

A teoria da escolha pública, lupa pela qual estudamos tais restrições políticas, descansa sobre três pilares fundamentais: i) individualismo metodológico; ii)  homo economicus; iii) política enquanto troca. Recorro ao manual A Ciência da Política (hat tip, Adriano Gianturco³) para elaborar acerca desses pilares:

Primeiro, individualismo metodológico significa que toda e qualquer análise é feita na perspectiva do indivíduo: “só eles têm interesses, vontades, e só eles agem. Entes coletivos, como estados, partidos, grupos, movimentos, sociedades, países, não agem, não têm interesses, não têm vontades. (…) São sempre e só a aglomeração de indivíduos diferentes; quando os membros de um determinado grupo mudam, os interesses e ações podem mudar.”

Segundo, homo economicus porque “agentes políticos são pessoas como as outras, logo, são interessados (têm interesses), racionais e maximizadores. Isso não significa que sejam mal-intencionados, egoístas, corruptos, etc. (…) mesmo que eles sejam bem-intencionados e benevolentes, tentar fazer o bem comum, salvar o planeta, etc., é interesse individual deles e (…) para fazer isso querem e precisam tomar o poder político e mantê-lo ao longo do tempo.

Terceiro, política enquanto troca porque “se empreendedores, vendedores e consumidores visam o lucro, os políticos também visam o lucro (lucro econômico e renda política). (…) Isso não significa que os políticos sejam mal-intencionados e piores que o resto da sociedade. São como os outros, bem melhores, nem piores, procuram o próprio benefício antes do benefício dos outros.”

Embora o que vimos até aqui seja razoavelmente familiar (para os ortodoxamente inclinados, pelo menos), o mundo político se descola por completo “do mercado” no seguinte ponto: na política, não existe mão invisível.

Minhas interações com o açougueiro, o cervejeiro e o padeiro resultam numa bela e farta mesa de jantar em razão da estrutura de incentivos ali posta. Enquanto indivíduo, não pautei minhas ações numa expectativa de melhor distribuição de pães na sociedade ou menor taxação do barril de cerveja, mas no interesse próprio que, nesse contexto, gera o melhor resultado coletivo. No mundo político, a estrutura de incentivos implica que o indivíduo dispute e assegure, coletivamente, seus interesses privados.

Numa ilustração, se moro no interior de São Paulo e desejo que uma ponte para travessia de um rio seja construída, não é possível simplesmente recorrer ao mercado. Obedecendo às restrições dadas e incentivos ali postos, os agentes políticos impactados pela obra (políticos, lobistas, eleitores, etc) negociariam suas respectivas parcelas no custeio (econômico, político, etc) da mesma.

Dessa forma, inúmeros desdobramentos seriam possíveis: o prefeito poderia manipular a data de entrega da obra para maximizar suas chances na próxima eleição, a construtora pode oferecer algum tipo de benefício ao responsável pela licitação para que obtenha o direito de conduzir o projeto, os eleitores poderiam rejeitar um eventual aumento de impostos para o financiamento da ponte… A obra era sobre o que mesmo?

Pensar dessa forma desperta certo vazio, não é mesmo? O resultado coletivo do processo político é muito mais “revelado” que “intencionalmente alcançado”. Não somente isso, mas o processo é constituído por regras cuja própria criação ou alteração depende do mesmo processo. Se as regras são as mesmas, os incentivos são os mesmos e… Ah, deixa pra lá.

James M, Buchanan Jr. encerrou seu discurso de recepção do prêmio com a pergunta: “como podemos viver juntos em paz, prosperidade, e harmonia, enquanto mantemos nossas liberdades enquanto indivíduos autônomos que podem, e devem, criar seus próprios valores?” Essa é fácil, fazendo o possível! A política não é isso, a arte do possível?

Notas

¹ The Sveriges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel 1986

² The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional Democracy, James M. Buchanan and Gordon Tullock. Páginas: 1 – 20.

³ A Ciência da Política, Adriano Gianturco. Capítulo 3: Public Choice.

Paulo Silveira

Graduando em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e ex-graduando em Economia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Trabalha com gestão de produtos digitais em startups brasileiras. Produz conteúdo sobre economia e tecnologia. Foi um dos vencedores do concurso nacional de resenhas organizado pelo Conselho Federal de Economia em 2017, escrevendo sobre a obra 'Princípios de Economia Política e Tributação' de David Ricardo.
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