Desde o início de 2020, foram estampadas em diversas manchetes de jornais notícias sobre problemas na distribuição de águas na Baixada Fluminense. Houve inúmeros relatos de moradores da região explicitando uma clara diferença na água que recebiam, que estava vindo com coloração diferente e forte odor, nitidamente não em sua melhor qualidade. Essa crise era apenas o início do conturbado ano que a população carioca estava a enfrentar.
Atualmente, já no término de 2020, praticamente um ano depois, passamos novamente por problemas envolvendo a CEDAE e o abastecimento hídrico da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Agora, por outro lado, um problema que impede a distribuição de água em si. Em menos de um ano, foram duas graves crises que abalaram a população carioca, fato que corrobora a ideia de que há uma fragilidade no atual sistema de abastecimento e também no formato de gestão da concessionária. Para entender essa fragilidade, deve-se olhar para trás e entender a raiz do problema e não somente observar os fatos mais atuais de forma singular.
O sistema hídrico carioca está em risco desde 2014, quando houve a crise hídrica vivenciada em São Paulo. Já naquela época, como forma de solução, o então governador de São Paulo optou por uma estratégia simples: adquirir novas formas de captação de água.
O problema desta decisão é o fato de que essa nova opção para os paulistas foi a transposição da bacia do rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira, que é a principal bacia que abastece a RMRJ, a partir da sua transposição para o rio Guandu. Um detalhe importante é que nesta mesma época havia um relatório feito pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) em parceria com o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) demonstrando que essa alternativa de transposição e arranjo não era a melhor, havendo outras opções com resultados mais eficientes. Essa interferência paulista, de certa forma, colocou em xeque o abastecimento hídrico da RMRJ, um prelúdio de tudo o que viria a acontecer nos anos seguintes.
De volta a 2020, já observamos resultados parciais da gestão hídrica do Rio de Janeiro, com duas crises de abastecimento. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), a maior parte do consumo hídrico da RMRJ é advinda de abastecimento urbano (uso residencial) e uso industrial (em virtude do polo siderúrgico de Itaguaí). Com a pandemia e suas medidas de restrição, a população se encontra mais em casa, aumentando o consumo de água residencial, que é até então a maior parcela do consumo total, criando um efeito que intensifica ainda mais a necessidade por água pela população.
Esse é um dos primeiros fatores que vem corroborando e produzindo causas para uma crise hídrica de abastecimento. Somando isto com uma tendência de aumento populacional e a redução da disponibilidade do rio Paraíba do Sul (em virtude da transposição para o Sistema Cantareira), espera-se que a cada ano que se passe seja demandada mais água pelos cariocas, até um limite onde a CEDAE não consiga mais suprir a necessidade da população.
O que houve no final de 2020, com uma pequena falha na elevatória do Lameirão, que já afetou milhares de famílias, totalizando mais de 1 milhão de pessoas prejudicadas, já demonstra a imensidão dos problemas que podem ocorrer. Com a escalada dos anos, a tendência é que as pequenas falhas se tornem ainda mais graves, em virtude da maior demanda e necessidade da população.
A privatização da CEDAE é uma boa alternativa que visa proporcionar ganhos de bem-estar para a população, sob a proposta de divisão de blocos e concessões com uma descentralização da gestão. É previsto, neste molde, um aumento da eficiência e produtividade na distribuição aos serviços de saneamento. O projeto apresentado para privatização visa ampliar o sistema de saneamento, buscando aumentar o número de famílias com este acesso. Apesar disso, o problema futuro de abastecimento tem como pilar a expansão da demanda por consumo de água, o que não seria resolvido e sim intensificado com a proposta de privatização em debate.
O principal meio para combater a iminência de uma crise nos anos seguintes é expandir as formas de captação de maneira que esse aumento seja compatível com a evolução e crescimento do consumo pela população. Os gestores devem pensar além dos benefícios que a privatização está propondo, pois como já foi explicitado, existe um tradeoff neste projeto de expansão da rede de saneamento. Então em um médio prazo, podemos incorrer em novos colapsos.
O governo do Rio de Janeiro e a diretoria da CEDAE precisam, com urgência, repensar o sistema de distribuição e abastecimento, e também se prevenirem contra possíveis crises. Deve-se pensar em como suprir essa bolha de demanda – que é a principal causa para uma possível crise – que vem sendo criado na RMRJ, para evitar situações mais graves do que as vivenciadas por São Paulo em 2014, e pela capital carioca no início de 2020.
João Augusto Barcellos Lins
É bacharel em Economia pela UERJ, fez parte de projeto de pesquisa no departamento de Análise Geoambiental da UFF e atualmente é Mestrando em Economia Aplicada no Departamento de Economia Rural da UFV.
As ideias e opiniões explicitadas neste texto são exclusivamente do autor, não refletindo a mesma opinião das instituições a qual faz parte.