Nicolau Maquiavel (1532) em “O Príncipe” disserta sobre a postura ideal de um governante visando sua permanência no poder. Para o autor, há momentos em que o soberano é levado a escolher entre ser amado ou ser temido, nestas situações a escolha deve ser temido, pois sem temor o governante perde o respeito dos seus governados e, portanto, as condições de governabilidade. Já Weber (1919) em “Política como Vocação” discorre que um homem público é guiado por duas éticas e em alguns momentos a ética da responsabilidade se opõe a ética da convicção, o que leva o governante a escolher entre o que ele gostaria de fazer ou o que ele deve fazer pela imposição das circunstâncias.
Neste contexto, o governo Bolsonaro ao completar 16 meses agoniza fruto de uma impressionante sequência de erros. Em um momento em que o mundo luta contra uma crise sanitária que causará inevitavelmente uma crise econômica, as condições de governabilidade no Brasil estão se esvaziando fruto do apego excessivo à ética da convicção, isto é, os valores e crenças pessoais que guiam as ações do Presidente da República o colocando em oposição frontal à ética da responsabilidade, ou seja, às medidas recomendadas pelo melhor conhecimento disponível que propõem o isolamento social temporário como forma mais eficiente de se lidar com a crise sanitária.
Em regimes democráticos caracterizados pela informação instantânea e pela organização social de massas, a opinião pública oscila pendularmente e, neste contexto, a estratégia do conflito só prejudica quem está no governo e precisa prestar contas e entregar resultados. Neste sentido, diante da incapacidade de Bolsonaro convencer a maioria da população brasileira acerca da viabilidade de sua convicção, somado a atitudes recentes destrambelhadas e incompatíveis com a postura requerida de um chefe de Estado, lhe custaram a credibilidade, esta certamente lhe fará falta no momento em que a crise econômica se impor como realidade e demandar ações efetivas do governo federal em estímulo a economia.
Retomando Maquiavel, ficou claro para os governados que o governante não é capaz de liderar o país em uma crise sanitária e não será capaz de apontar saídas para a crise econômica que pode se estender para 2021. Afinal, se Bolsonaro não se valeu da ética da responsabilidade para apoiar medidas sanitárias corretas, quem garante que o mesmo o fará para adotar medidas econômicas que, em geral, sofrem de um nível maior de subjetividade? Em outras palavras o fracasso do governo Bolsonaro já aponta no horizonte de curtíssimo prazo e, sem o respeito de seus governados, esta é uma tendência irreversível.
No entanto, Bolsonaro não é único culpado do fracasso que se tornou o seu governo, parte expressiva do eleitor brasileiro que abraçou um presidente cujo discurso não se encaixava no modelo institucional brasileiro, deve assumir a sua parcela de responsabilidade. Em outras palavras, o fracasso do governo Bolsonaro não começou agora flagrante nas ações atrapalhadas no combate à pandemia, o candidato Bolsonaro sempre demonstrou desconhecimento e má vontade em aprender sobre temas técnicos que deveriam nortear o dia a dia do presidente. Desde a eleição, os posicionamentos de Bolsonaro sobre educação, economia, meio ambiente, diplomacia, entre outros, eram guiados por uma pitoresca combinação de achismos, superficialidade e teorias da conspiração.
Evidentemente que isto não tinha como dar certo. Agora, o governo caminha para o seu final, o que pode se dar pelo processo de impeachment oriundo das dezenas de crimes de responsabilidade cometidos durante sua rápida passagem pelo governo. Ou ainda, seu governo pode acabar com Bolsonaro permanecendo no cargo como um presidente decorativo, com seus poderes e atribuições cada vez mais esvaziadas por determinações do legislativo e judiciário, como já vem acontecendo. O impeachment será menos danoso, primeiro porque o executivo tem atribuições que não podem ser exercidas por outros poderes, segundo, porque um novo governo pode resgatar a credibilidade no sentido maquiavélico.
Um eventual governo Mourão resgatando a harmonia institucional entre o executivo e os demais poderes certamente contribui para o estado de expectativas da economia ora sem rumo. No entanto, paira o medo dos retrocessos, tendo em vista os movimentos recentes da ala militar do governo em interferir na ala econômica propondo um plano de estímulo à economia com elevado custo fiscal, relembrando as já fracassadas tentativas de estimular a economia via gastos públicos e subsídios ao setor privado que deram errado nos governos Lula e Dilma. Até que ponto este ideário desenvolvimentista norteará um futuro governo Mourão? É difícil prever, mas não custa alertar os riscos.
Benito Salomão
Doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e Visiting Researcher at University of British Columbia.